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11 de out. de 2025
Um vídeo-resenha de "Morra, amor" (Ariana Harwicz), por Whisner Fraga
10 de out. de 2025
Um timaço argentino: Maradona, Borges e Cortázar #valeapenalerdenovo
Por Daniel Lopes Guaccaluz
Maradona era canhoto (e que canhoto!), mas Pelé, nas pernas, era ambidestro. Maradona era um tremendo driblador, Pelé também. Aqui empatamos. Pelé era um exímio cabeceador, Maradona até quando fez gol de cabeça, fez gol de mão, La mano de dios, segundo ele. Por enquanto, o placar está em três a um, certo?
Em se tratando da qualidade do passe, acredito que ambos empatam novamente, o que deixa o placar em quatro a dois. Vitória de Pelé e do nosso futebol. Mesmo assim, Maradona ainda tem um diferencial, talvez um golzinho a mais a favor dele: o argentino ganhou uma Copa, sozinho, em 1986, coisa que Pelé não chegou a fazer. Garrincha talvez tenha conseguido tal feito em 1962, mas Garrincha é outra história.
No futebol não dá pra eles, entretanto não é necessariamente de futebol e nem desse tipo de time que quero tratar aqui. O objetivo deste artigo, ou resenha, ou sei lá o quê, é levantar a bola para o timaço da literatura argentina do século XX.
São tantos nomes que é até difícil se ater a qualquer um deles em especial. Fica difícil qualquer tipo de escolha, ou eleição, num time que tem jogadores, digo, escritores, do porte de Roberto Arlt, Adolfo Bioy Casares, Ernesto Sabato, Julio Cortázar e Jorge Luis Borges.
Portanto, não me vou delongar além da paciência do leitor, nem vou além da minha própria paciência. Só quero levantar a bola, quem quiser, que corra atrás dos livros dos caras e da crítica especializada. Deixarei aqui, portanto, minhas impressões sobre dois deles: Borges e Cortázar.
JORGE LUIS BORGES – Pierre Menard, o escritor do Quixote
Comecemos por Borges, que é um escritor de textos curtos, mas amplos de significado. Pequenas pérolas, eu diria, e qualquer um pode dizer, ainda que seja piegas a comparação entre textos e pérolas. Atenhamo-nos, pois, a uma destas pérolas, melhor, destes contos, o completo: Pierre Menard, El escriptor del Quijote.
Resumidamente, o texto conta a história de um escritor que acaba de morrer, cuja maior obra é ter conseguido reescrever dois capítulos do Dom Quixote. Visto assim, parece simples, mas esta narrativa dá muito pano para a manga. Percebam que Pierre, não copia o texto do Cervantes, ele tenta tocar, outra vez, o mesmo mistério, alguns séculos depois. É um trabalho quase impossível e é totalmente quixotesco... inútil, afinal de contas o livro já existia. Mas aí entramos em contato também com Platão e seu mundo das ideias.
Talvez o Quixote perfeito, se é que pode haver um melhor, esteja lá, repousando em algum lugar, em estado de dicionário, basta alguém que saiba tocar para alcançá-lo. Tal discussão é extremamente pertinente num tempo em que a inspiração vem sendo, constantemente, massacrada e o trabalho do artista vem sendo comparado com qualquer outro trabalho, que não exija coisa alguma, além do esforço.
Sou de posição contrária, acredito que o artista é um predestinado, quase que um xamã.
Sei que a Arte também é feita de um trabalho árduo e racional. O problema é que a maioria das pessoas, hoje, acredita que só o trabalho árduo e racional construa a Arte, e não é isso. A Arte é feita de uma mistura de racional e irracional. De consciente e inconsciente. De Apolo e Dionísio. Portanto, meu caro cabotino, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Beleza, chega de Borges.
Com isto, passemos a Cortázar. Mais precisamente para um direto de direita chamado Las babas del diablo. Certa vez Julio Cortázar, ele mesmo, assim como eu, um grande admirador de boxe, disse que, enquanto o romance era uma luta ganha por pontos, o conto devia ser como uma luta ganha por nocaute. Sejamos, pois, nocauteados por Las babas del diablo.
Toda vez que tenciono relê-lo, vou preparando o terreno alguns dias antes. Começo ouvindo sons tenebrosos do Black Sabbath e sigo deixando minha alma perambular pelos terrenos de água parada dos Doors. Sempre que possível, corro, como outro passo de um mesmo ritual, atrás do Blow up do Antonioni, filme que, a meu ver e no ver de muita gente, tem muito em comum com o conto. Só depois de tudo isso, encaro a narrativa. Está ansioso? Calma, leitor, que a luta já vai começar. Soltem os escorpiões.
Las babas del diablo começa e termina como uma aula de literatura. A princípio, o narrador trata da impossibilidade de se narrar algo. Questiona a dificuldade de escolher entre uma narrativa em primeira, segunda, ou terceira pessoa, tanto do singular, quanto do plural.
Por fim, o narrador acaba optando por uma mescla entre primeira e terceira pessoa. Resolvida a questão do narrador, passemos à mistura produzida entre tempo e espaço na narrativa.
Prestem atenção no período: “Uno baja cinco pisos y ya está em el domingo”. O cara desce de seu apartamento até o térreo e já está em outro dia! É ou não é terrível, e belo?
A maneira como o enredo é construído, é outro aspecto impressionante do conto. Roberto Michel, um tradutor e fotógrafo, num dia qualquer, tirou foto de um casal numa praça erma de Paris. A mulher que compõe o casal é mais velha que o rapaz, ele deve ter no máximo quinze anos. Todavia, há também alguém mais na cena, um homem, cuja face está coberta de um pó estranho que lhe esconde as feições. Este ser misterioso também aguarda o desenlace da história, dentro de um carro negro.
Não conto mais nada... vale a pena ir atrás.
A professora Heloísa da Costa Milton, da UNESP de Assis, certa vez me disse que é imperdoável o uso de alguns adjetivos num texto crítico. Bem... não sou crítico: Cortázar é FODA!
Outro lance, que não poderíamos deixar à margem, é a maneira como a trama é construída: aos poucos, como se o narrador estivesse estudando o leitor, da mesma forma que um boxeador estuda o adversário, dentro do quadrilátero. Parece-me que Roberto Michel vai gingando com as pernas da palavra, soltando apenas alguns golpes curtos. Sem pressa, o texto vai minando a defesa do leitor e, no final, vem a pancada e o nocaute.
Por enquanto é só. Todos os idiomas repousam nas bibliotecas. E o dicionário é o livro definitivo de qualquer língua. Até mais!
Daniel
Lopes Guaccaluz é escritor, jardineiro e professor. Gosta de
arte, planta, bicho e gente. Seus autores preferidos são Jack Kerouac, Louis
Ferdinand Céline, Dostoiévski e Guimarães Rosa. Não ignora o lado sombrio do
mundo, mas ainda crê na força da amizade, da gentileza e do amor. Pai de Sofia
e João Gabriel. Publicou os livros Pianista Boxeador, Fruta, A
delicadeza dos hipopótamos, No céu com diamantes e Ménage
à trois. Foi um dos organizadores da coletânea de contos Do outro
lado da notícia. Eterno aprendiz.
8 de out. de 2025
Ricardo Piglia em 'Respiração Artificial': muito mais do que uma literatura acadêmica
Por Sinvaldo Júnior
Ricardo Piglia é considerado um dos maiores
escritores argentinos, e o seu romance Respiração artificial é um dos mais
estudados de toda a sua obra. Em uma pesquisa feita entre 50 escritores
argentinos, essa obra ficou entre os dez melhores romances da história da
literatura daquele país.
Mas por que os argentinos gostam tanto desse
livro? A partir de apenas uma leitura, para nós, brasileiros, que pouco
conhecemos dos nossos vizinhos, é difícil entender, mas vamos tentar analisá-lo.
Respiração artificial, de Ricardo Piglia, começa assim: um dos personagens-narradores (são
vários, no decorrer do enredo), Emílio Renzi, decide contar uma história sobre
a única “tragédia” de sua família: o seu tio, Marcelo Maggi (o Professor),
irmão de sua mãe, abandona a esposa (Esperancita) e foge com Coca, roubando o
dinheiro daquela. Esse é o mote para esse romance que discute,
fundamentalmente, a história da Argentina, da literatura e, mais especificamente,
da literatura argentina.
A parte histórica (ou historiográfica) do enredo da
obra surge por meio da troca de cartas entre Marcelo Maggi (tio) e Emílio Renzi
(sobrinho). Além da “tragédia” da família, sobre a qual pairam muitas dúvidas,
o assunto preferido deles é Enrique Ossorio, bisavô de Esperancita, um homem
controverso, por alguns considerado um traidor, por outros e por si mesmo, um
herói. Além da troca de cartas, o enredo se constrói também a partir de
relatos, datados de meados do século XIX, do próprio Enrique Ossorio. Fica a
dúvida: afinal, esses relatos são destinados a quem?
Entra em cena, então, dom Luciano Ossorio, um homem
quase centenário, pai de Esperancita e neto de Enrique. E ele, Luciano, com sua
memória implacável, ajuda a complementar a história de sua família – o seu pai
morrera num duelo por honra a um pai (Enrique Ossorio) que nem mesmo chegara a
conhecer, porque o avô havia se matado antes mesmo de o filho conhecê-lo. Essas
são as histórias e os principais personagens da primeira parte do romance.
Há, por parte do autor (por meio dos seus
narradores), o objetivo de recontar (construir?) momentos históricos
aparentemente desimportantes da Argentina de forma a acentuar a relevância dos
seus anti-heróis, dos seus fracassos, das traições. Nem só de heróis é
construída a história de um povo, de um país – parece querer nos dizer, às
vezes, a obra, sobretudo em sua primeira parte. A par desse teor histórico e
ora policial do romance, eis que se inicia a segunda parte, na qual a
literatura – tanto a mundial quanto a argentina – se torna a protagonista, para
o deleite dos especialistas.
Na segunda parte (Descartes), após um
breve sumiço, voltam à narrativa os personagens
Emílio Renzi e Marcelo Maggi (o Professor). E é na busca por mais conhecimentos
e documentos do projeto do tio, que Renzi conhece o filósofo Vladmir Tardewsi,
polonês radicado na Argentina, sujeito sem raiz, pessoa anacrônica, último
sobrevivente de uma estirpe em dissolução e o próximo narrador. É aí, a partir
do diálogo e das reflexões de Renzi e Tardewski, com a entrada, às vezes, de
outros personagens, que a literatura se torna a grande protagonista de Respiração artificial.
Em vários momentos, o romance assemelha-se a um
ensaio que discorre sobre: a literatura argentina; o europeísmo na literatura
argentina; o texto fundador da literatura argentina (Facundo,
de Sarmiento, cujo início é uma frase escrita em francês que é, inclusive, uma
citação falsa, equivocada); Borges e Arlt; a autonomia da literatura; o estilo;
os escritores argentinos como Lugones, Sarmiento, Hernández etc. Enfim, em
alguns momentos, é praticamente um romance argentino para deleite dos bem
pensantes (acadêmicos) argentinos.
Não é de se estranhar, portanto, o motivo de Piglia
ser tão celebrado nas academias, inclusive no Brasil. Piglia, em vários
momentos de sua literatura, abusa das intertextualidades, das referências, das
citações e do uso de escritores como personagens – seguidor de outro escritor
celebrado nas academias (Borges?). As faculdades de Letras e Literatura, em geral
muito fechadas em si mesmas, celebram esse tipo de literatura, como a do
Piglia, que discorre sobre a literatura que discorre sobre a literatura e,
assim, ad infinitum. Uma prática errada? Não, mas perigosa.
“[...] em vez de ser respeitoso fui me arrastando cada vez mais para a franqueza, delito imperdoável entre acadêmicos. Comecei a expressar com clareza cada vez maior o que realmente pensava. Eu, o polonês, bem tratado por aqueles cavalheiros, deixei-me levar pela crua expressão dos meus próprios pensamentos.” (p. 164).
De fato, maldito daquele que possui opinião própria e não se rende às teorias e aos autores sagrados desse ambiente, pois estará cometendo um pecado mortal. Afinal, o mais comum é a seguinte prática:
“[...] tudo o mais que circulava em meu curriculum vitae não passava de comentários ou paráfrases de ideias de outros, exercícios melancólicos de pseudoerudição filosófica (...) editados em revistas especializadas.” (p. 171).
São palavras do personagem ex-discípulo de Wittgenstein, o personagem
Tardewski, jovem promissor que, no entanto, na velhice não passava de um fracassado
(professor particular de Filosofia para alunos do ginásio), segundo sua própria
teoria e consciência. Sim, ele elabora uma complexa teoria sobre o fracasso e
confessa que, desde sempre, buscava esse modo de vida, a do fracasso, ou
melhor, a da renúncia, a do desprendimento. Embora “fracassado”,
é ele o responsável pelo melhor do romance: sua vida, seus relatos, sua
situação de radicado na Argentina por conta da invasão nazista em seu país, a
Polônia, e sua descoberta.
E nessa descoberta (ou na tentativa de
elucidá-la) entram em cena Kafka e Hitler, não como personagens atuantes, mas
secundários, sobre os quais Tardewski discorre. O que há em comum entre o
escritor tcheco e o maior vilão da história da humanidade? Essa é a pergunta
retórica usada pelo polonês a todo o momento. Houve algum tipo de relação entre
ambos? Em algum dia já se encontraram, conversaram, trocaram ideias? Afinal, o
que é essa coisa tão importante descoberta por Tardewski?
De acordo com ele, Hitler, “o exaltado defensor do
militarismo prussiano, o sinistro construtor de uma abominável sociedade
militarizada, fora um desertor. Delito máximo a que um alemão podia aspirar,
segundo as leis nazistas” (p. 191). Porém, essa não é a coisa descoberta
por Tardewski, para o qual, inclusive, o livro Minha luta, do
ditador, era a realização da filosofia burguesa, a razão burguesa elevada ao
seu limite mais extremo e coerente. Dentre essas e outras reflexões, o polonês
enreda não só seu interlocutor (Emílio Renzi), mas também os próprios leitores,
uma vez que demora a apresentar sua tão fadada descoberta.
Até o real motivo que fizera Renzi estar ali naquela província, a saber, o encontro com o seu tio Maggi (o Professor) a fim de saber mais acerca de Enrique Ossorio (homem de confiança do presidente Rosas em meados do século XIX), fica em segundo plano quando Tardewski, esse personagem tão convincente, abre a boca para falar. E fala, fala, fala. E ao falar esperam, ele e Renzi, a chegada de Maggi. Por onde andará? É uma pergunta para a qual Renzi, seu sobrinho, não obterá respostas. Nem Renzi, nem os leitores.
Ao final do romance, após a explanação enfim da grande descoberta de
Tardewski, confirma-se justamente o desaparecimento do Professor, uma vez que –
pelo menos na narrativa – ele não aparece, senão como uma sombra, mas uma
sombra marcante, especialmente para Renzi.
O professor e historiador Maggi não vai ao
encontro, mas sob os cuidados do seu sobrinho deixa muitos documentos
históricos e muitas cartas, entre as quais o bilhete de suicídio de Enrique
Ossorio, o vilão, o traidor, o herói.
Sinvaldo Júnior
é pesquisador acadêmico e revisor de textos (Textifique
Soluções em Textos). Possui graduação em
Letras/Português, mestrado em Administração e doutorado em Estudos Literários.
Atualmente cursa pós-doutorado, com pesquisa comparada entre literatura e
cinema. Publicou diversas resenhas, artigos de opinião e artigos acadêmicos
sobre leitura e literatura, com foco em obras e autores brasileiros. É pesquisador/admirador
de Carlos
Drummond de Andrade, Charles Chaplin e
Campos de Carvalho. Mora em Uberlândia-MG. É co-autor do romance jovem adulto Crisântemo.
7 de out. de 2025
3 Poemas de Claudia Masin
Por Allyne Fiorentino
Claudia Masin é escritora e psicanalista. Nasceu em
Resistencia, Argentina, em 1972. Foi docente da disciplina de Poesia no curso
de Artes de la Escritura na Universidade Nacional de las Artes. Atualmente
coordena oficinas de escrita.
Crie corvos
As crianças, como os gatos, conseguimos ver na escuridão
sentinelas que sabem que não podem se ofuscar
com o próprio sono, passamos as horas
tecendo uma teia finíssima ao redor
do nosso medo. Depois, muitos anos depois,
você costumava me dizer, chega o esquecimento e podemos dormir
sem sobressaltos. Eu ainda não esqueci.
A cada noite, permutamos histórias
como joias. Esta fica bonita em você,
esta combina com sua pele, com seus olhos:
Havia uma menina que era tão pequena
que cabia na palma de uma mão.
Se eu fosse essa menina — penso — escolheria
viver na sua mão. Poderia fechá-la
e me deixar sem nada, mas toda boa história
precisa de uma tragédia, uma mudança inesperada.
Não quero que chegue ao fim
o seu relato, que a noite acabe. Não sei o que existe
do outro lado. A vida é uma imagem
que vai se desfocando, perdendo os contornos
dia após dia. Crescer é a passagem da imagem nítida
à distorção. Quero continuar sendo menina
para conservar a vista.
O silêncio
Quando criança, respirávamos como plantas pequenas,
e o ar mais rarefeito, para nós, era suficiente. Vivíamos
como as pedras: transportados por correntes
ou deslizamentos – forças exteriores
sobre as quais não temos poder nem consciência – rumo a lugares novos.
Quais perigos e terrores teremos conhecido, então,
quando amadas mãos nos colocavam em movimento,
rumo a que rios furiosos, a que encostas
onde íamos nos perder, teríamos sido arremessados,
em que avalanches teria ficado parte da nossa matéria?
E se tudo o que quiséssemos dizer já estivesse escrito
nessa pedra que outros moldaram como o vento?
O coração é enganador acima de tudo
Não continue, por favor, falando
da fealdade do mundo, não continue me mostrando
no seu espelho impecável o que não deve ser mostrado.
Escrevo, agora, com mais de trinta anos,
como se as palavras fossem o alento que me faltou quando menina
para embaçar o vidro demasiadamente limpo dos teus olhos.
Digo que não se pode olhar de tal maneira que tudo o que existe
seja duplicado no seu olhar: há coisas que se podem ver
uma única vez, ou nenhuma, correndo o risco de que a própria vida
saia de sua órbita como um planeta
enlouquecido, e caia fora do sistema que o mantém ali,
sereno e estável, pendurado no céu. Escrevo acima, dentro,
da sua voz que não é voz, é algo visto
que tento cegar, apagar, para que o que está despido
e quebrado seja vestido e recomposto, assim como se fecham
os olhos de um morto, porque como
suportar que nos olhe de tal maneira, isto é,
que não esteja mais a vida sustentando-lhe a luz com que nos vê.
Allyne Fiorentino - Natural de Minas Gerais, residente em São Paulo, capital. É profissional das Letras e da Educação, mestra em Estudos Literários na linha de Teorias e Crítica da Poesia, Poesia Simbolista. Apaixonada por Literatura Feminina, Filosofia e excentricidades. Low profile do mundo literário. Está também em Crônica do Dia. Instagram: @allyne.fiorentino.
6 de out. de 2025
Sandra Modesto lança 'O tempo da gente'
Este livro é marcado pela coragem que desafia o leitor, conduzindo-o pelos caminhos da inquietude e do desbravamento poético em busca do eu-mulher. A irreverência dos versos, ora soltos, ora entrelaçados, revela-se como uma lente que atravessa o tempo.
Entre o imaginário e o real, emerge a perspicácia da autora, que transforma questionamentos e temas vigorosos em um convite instigante à leitura.
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Serviço
Sandra Modesto é mineira de Ituiutaba. Graduada em Letras e pós-graduada em Educação. Também autora dos livros Acenda a luz, Tudo em mim é prosa e rima, Era sábado, Sonhos e perdas & outros contos. Tem textos publicados em várias antologias. Foi finalista do concurso Micro conto de ouro 2022. Acredita no fazer literário. É movida a desafios. Ama o passar do tempo.
Saiba + sobre a autora
3 de out. de 2025
Argentina, 1985: 37 anos depois
Por Cynthia Costa
A Argentina passou por uma dura ditadura entre 1976 e 1983. O julgamento dos mandantes de torturas e desaparecimentos de civis ao longo daqueles sete fatídicos anos é retratado no filme Argentina, 1985, do diretor portenho Santiago Mitre, estrelado pelo ator-chave do cinema argentino, Ricardo Darín.
Embora o longa, de quase duas horas e meia, não seja original do ponto de vista estrutural, já que segue à risca a cartilha dos bons dramas de tribunal estadunidenses, seu ritmo é dinâmico e os diálogos, cativantes. Nessa adaptação de fatos reais, Strassera (Darín) e Ocampo (Peter Lanzani) levam ao banco dos réus alguns dos responsáveis pelos abusos cometidos ao longo do governo civil-militar, dentre os quais o próprio ditador Jorge Rafael Videla.
Nós, espectadores, acabamos envolvidos na luta dos promotores, mas sem nos sentirmos induzidos ao choro e à revolta, o que consiste em um trunfo do filme. Não apelar ao sentimentalismo é difícil em se tratando de uma narrativa sobre a ditadura argentina, que teve tudo de pior que se possa imaginar, com exceção da vitória na Copa de 1978 (um afago nacionalista em meio à crise econômica e à perseguição aos “subversivos”).
A experiência proposta por Mitre, baseada no roteiro de Mariano Llinás com colaboração de Martín Mauregui, consegue ser imersiva sem ser piegas graças ao tom sóbrio adotado pelas vítimas de crimes contra a humanidade em seus longos depoimentos no tribunal e à acidez exercitada por Strassera, promotor principal. Favorecem o clima do filme os toques de humor e a edição ligeira, o que o torna menos lúgubre do que poderia ser – já que a história carrega o peso dos possíveis 30 mil desaparecidos do último período ditatorial argentino, muitos deles lamentados pelas mães e avós da Praça de Maio. À moda do que fizeram Todos os homens do presidente (1976), de Alan J. Pakula, e Spotlight: segredos revelados (2015), de Tom McCarthy, Argentina, 1985 aborda um tópico delicado com seriedade e, ao mesmo tempo, entusiasmo.
A ambientação é um deleite à parte, com figurinos, cenários e tomadas aéreas nos transportando a Buenos Aires de 37 anos atrás. O uso de fotos da época e vídeos do julgamento real colaboram para a verossimilhança, o que há de garantir ao filme lugar cativo nas aulas de história contemporânea das escolas argentinas.
É claro que, como em toda tentativa de relatar a realidade, Argentina, 1985 não tem como cobrir todo um momento histórico complexo, nem tem como explicitar o que é verídico e o que foi adaptado/aproximado/inventado em benefício da narrativa. Não sabemos, por exemplo, se a mãe de Ocampo realmente frequentava a mesma igreja que Videla. Nem até que ponto foram as ameaças aos dois promotores durante sua cruzada.
De toda forma, como uma espécie de apelo à memória coletiva, o filme de Mitre fala aos brasileiros, que em 1985 também passavam por uma fase de transformação sociopolítica. Hoje, acabamos de testemunhar a conquista argentina no futebol com mais senso de irmandade do que se esperaria tempos atrás. Bom momento para mergulhar no cinema argentino, que tem muito a oferecer (não arrisco dizer se mais ou menos do que o futebol...).
Uma
produção da Amazon, o filme pode ser visto no Prime Video brasileiro.
Cynthia Beatrice Costa é tradutora e professora do curso de Tradução da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pesquisa na área de tradução literária e adaptação cinematográfica. Nascida em Osasco (SP), formou-se em Jornalismo pela Cásper Líbero e trabalhou por mais de uma década como repórter de revistas e editora de livros, enquanto foi se especializando ao longo das pós-graduações. Leitora voraz e cinéfila de carteirinha. Livro e filme preferidos: Dom Casmurro e Janela Indiscreta.
1 de out. de 2025
CorraAtrásDessesLivros (16ª edição)
Por Sinvaldo Júnior
Ficções, de Jorge Luís Borges – os contos dessa obra exigem uma leitura sagrada. Tranque-se no quarto, desligue o celular, deite-se na cama e, só assim, pegue o livro. Aproveite cada frase, cada mistério, cada labirinto. Com frequência, releia os prólogos (sim, são dois). Aí você vai encontrar clássicos como “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, “A biblioteca de Babel”, “Funes, o memorioso”, “O sul”, entre outros, que podem exigir uma segunda leitura. Faça.
Sobre heróis e tumbas, de
Ernesto Sábato – Esqueça por um momento Jorge Luis
Borges e Julio Cortázar. Esqueça o contemporâneo Ricardo Piglia. O melhor
escritor da literatura argentina, a meu ver, é Ernesto Sabato, e este seu
romance de 600 páginas uma obra-prima. Um livro louco, intenso, com personagens
loucos e intensos, e uma boa sugestão para leitores loucos ou insossos, por
duas razões – ou para se identificar ou para se desestruturar.
Publicado em 1961, “Sobre heróis e tumbas” é o segundo romance do argentino Ernesto Sabato, que aos cinquenta anos já havia consolidado sua carreira literária. Reconhecida como uma das maiores obras em língua espanhola e o mais importante romance argentino do século XX, a obra foi traduzida para múltiplos idiomas e entrelaça três linhas narrativas distintas.
A paixão intensa e devastadora de Martín por Alejandra, o nascimento turbulento da nação argentina e a obscura Seita Sagrada dos Cegos — uma ordem esotérica que exerce influência global — compõem o núcleo da trama.
Martín, jovem de dezessete anos, convive com um medo profundo das mulheres até o encontro com Alejandra, que apesar de apenas um ano mais velha, apresenta-se como uma figura complexa, madura, perturbada e possivelmente insana. Simultaneamente, Fernando se empenha obstinadamente na caça à Seita dos Cegos. Retrocedendo um século, o general Juan Lavalle, herói da independência, combateu com igual determinação o tirano Juan Manuel de Rosas, tendo de fugir para a Bolívia para salvar sua vida e os remanescentes da sua famosa Legião.
Sabato analisa com precisão psicológica o ciúme corrosivo que consome Martín e as pulsões incestuosas de Fernando, ao passo que expõe a decadência da aristocrática família Olmos e retrata o ódio fratricida entre os líderes na luta pela emancipação nacional. A obra também investiga as regiões sombrias do inconsciente, explorando sonhos, pesadelos e mitos que permeiam a experiência humana. A ambientação ocorre em Buenos Aires, cidade dos cafés literários, dos cortiços de imigrantes, dos bares de La Boca e dos fervorosos torcedores do Boca Juniors, ainda dominada pelo peronismo triunfante da década de 1950.
Ao concluir a leitura, o leitor não permanece indiferente; descobre em Sabato um autor de profunda humanidade, cuja visão trágica do mundo é equilibrada por uma metafísica da esperança.
Sinvaldo Júnior é professor, pesquisador acadêmico e revisor de textos (Textifique Soluções em Textos). Possui graduação em Letras/Português, mestrado em Administração e doutorado em Estudos Literários. Atualmente cursa pós-doutorado, com pesquisa comparada entre literatura e cinema. Publicou diversas resenhas, artigos de opinião e artigos acadêmicos sobre leitura e literatura, com foco em obras e autores brasileiros. É pesquisador/admirador de Carlos Drummond de Andrade, Charles Chaplin e Campos de Carvalho. Mora em Uberlândia-MG.
A riqueza da cultura argentina em destaque
Bem-vindos à "Semana da literatura argentina", um tesouro preparado pelo O Bule para os amantes da arte! Mas por que, agora, uma semana dedicada à literatura argentina? Por nada em especial.
Com um conteúdo que abrange resenhas, vídeos-resenhas, dicas de leituras, artigos de opinião, tradução de poemas, organizado por Sinvaldo Júnior, apenas queremos oferecer um pequeno panorama, mas multifacetado, da produção literária e cinematográfica do país vizinho.
A análise das obras literárias é um dos pilares dessa compilação. A resenha aprofundada de Respiração artificial (Ricardo Piglia), além de desvendar a complexidade narrativa do romance, que entrelaça história argentina, literatura e metalinguagem, também exalta a figura de Piglia como um autor de grande calibre. As recomendações de Ficções, de Jorge Luis Borges, e Sobre heróis e tumbas, de Ernesto Sábato, por sua vez, são um convite irrecusável à exploração de clássicos que, com seus mistérios e intensidade, demandam e recompensam a leitura.
O cinema argentino também recebe a devida atenção, com a resenha do aclamado filme Argentina, 1985. A descrição do drama de tribunal que retrata o julgamento da ditadura militar entre 1976 e 1983, com seus diálogos cativantes e abordagem sóbria, ressalta a capacidade da produção de ser imersiva sem recorrer ao sentimentalismo. Também teremos uma vídeo-resenha acerca da escritora contemporânea Ariana Harwicz, uma análise abrangente de Whisner Fraga.
A "Semana da literatura argentina" é mais do que uma simples reunião de textos; é um convite à imersão em um universo rico e diversificado. Os textos, de autoria de Sinvaldo Júnior, Whisner Fraga, Cynthia Beatrice Costa, Allyne Fiorentino e Rogers Silva, apontam para um esforço valioso de curadoria e análise que, sem dúvida, enriquecerá a compreensão sobre as importantes contribuições da Argentina para a literatura e o cinema mundiais.
Sejam bem-vindos e desfrute dos textos e vídeos!
30 de set. de 2025
Gustavo Rossetti Viana lança o seu segundo romance: 'Galeria Metrópole'
O novo livro do escritor e jornalista aborda, com
humor e irreverência, temas espinhosos e atuais como intolerância, solidão,
machismo, relacionamento na era dos aplicativos e a fragilidade dos laços
afetivos.
Repórter freelancer e jurado do Prêmio Jabuti, o jornalista e escritor Gustavo Rossetti Viana lança o seu segundo romance, Galeria Metrópole (Editora Patuá), uma epopeia tragicômica sobre a complexidade dos relacionamentos amorosos nos dias de hoje.
Em Galeria Metrópole, acompanhamos a epopeia tragicômica de Augusto Vidal, funcionário público em crise existencial em busca de um grande amor. A história se passa em três tempos: enquanto o protagonista se envolve em relacionamentos líquidos e fugazes, recorda o fracassado casamento em busca de respostas sobre o que teria dado errado. Em paralelo, mergulha em sonhos e devaneios de um passado que não viveu.
Imerso em um trabalho burocrático e sem graça, Augusto rejeita ser taxado como um burocrata e deseja ser reconhecido como artista e viver uma vida menos ordinária. Salpicado de referências à música popular brasileira – o protagonista tem obsessão pelo cantor e compositor João Gilberto –, o livro retrata uma sociedade atada à burocracia em seu ambiente corporativo, em contraposição à facilidade dos relacionamentos descartáveis na era dos aplicativos. Embora a distância para um encontro possa ser a de um mero clique no celular, Galeria Metrópole evidencia como as pessoas estão cada vez mais na defensiva, intolerantes, insensíveis, arredias e isoladas.
Praça da República, Praça Dom José Gaspar, Galeria do Rock e Copan, entre outros pontos da região central da cidade de São Paulo, são o cenário da jornada de Augusto, um sujeito sem traquejo social, enquanto vasculha suas memórias, angústias e devaneios. Uma jornada marcada por alguns encontros e muitos desencontros.
O primo Jonatas, integrante do mercado da sedução, é quem o incentiva e dá as dicas para ingressar no ramo da paquera. Na repartição, tem na secretária Carminha uma espécie de confidente. Já com o chefe Agenor, a relação é de puro ódio.
Em seu segundo romance depois da instigante distopia político-esotérica Canceriano Sem Lar (2022), o escritor e jornalista Gustavo Rossetti Viana mantém a verve debochada, irônica e cínica, mas amadurece a sua escrita com uma trama intrincada sobre a complexidade dos relacionamentos humanos.
Sem concessões e com uma narrativa irreverente e sarcástica, bem como diálogos ácidos e espirituosos, uma marca do autor, Galeria Metrópole é uma lufada de ar fresco para a literatura brasileira de humor, mas sem deixar de lado temas espinhosos como intolerância, crise conjugal, solidão, machismo e a fragilidade dos laços afetivos.
Playlist – Galeria Metrópole
Galeria Metrópole conta com uma playlist (acessível via QR Code do Spotify) com 55 músicas citadas durante o livro. É uma seleção bastante eclética que vai de Tom Jobim e Chico Buarque a Menudos e Raça Negra, passando por Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Legião Urbana, Lulu Santos, Luiz Gonzaga, Raul Seixas, Celly Campello, Daniela Mercury, Luiz Melodia, Karina Buhr, Baden Powel e Vinicius de Moraes.
Serviço
O lançamento acontece na Livraria Patuscada (Rua Luís Murat, 40 - Vila Madalena), no dia 4 de outubro (sábado), das 17h às 22 horas.
Gustavo Rossetti Viana
nasceu em São Paulo (SP) em 1978. É escritor e jornalista. Atua como
repórter freelancer para jornais, revistas e sites, como a Gazeta
Mercantil, o Valor Econômico e a Folha de S. Paulo. Trabalhou como
redator do Pacto Global das Nações Unidas (ONU), do Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e da FecomercioSP. Como
repórter, produz matérias sobre temas como meio ambiente, sustentabilidade,
empreendedorismo, turismo e literatura. Tem experiência como editor e coautor
de biografias, livros-reportagem, relatórios de sustentabilidade e publicações
institucionais. Autor dos livros Canceriano Sem Lar (2022) e Galeria
Metrópole (2025), foi Jurado do Prêmio Jabuti (2023 e 2024), palestrante da
Festa Literária Internacional da Mantiqueira – FLIMA (2025) e integrou a Sessão
dos Autores Independentes na Festa Literária Internacional de Paraty –
FLIP (2025). Amante de literatura e cinema, fotógrafo amador e viajante
contumaz, é canceriano com ascendente em capricórnio e ama a diversidade
étnica, cultural e gastronômica de São Paulo, mas costuma fugir para a natureza
– sobretudo para a Serra da Mantiqueira – quando o trabalho permite.