Por Gustavo Coelho
Vivemos em uma era de luto cultural disfarçado de progresso. A cada notícia da partida de um grande ícone, um sentimento agridoce nos invade, mas a frequência dessas perdas recentes acaba por parecer como um toque de finados para a melhor era. Nos últimos tempos, o mundo se despediu de figuras que moldaram nossa juventude e o panorama da cultura pop global. A notícia da morte de Akira Toriyama, o mestre visionário por trás de Dragon Ball, deixou órfã uma legião de fãs que cresceram com suas histórias e personagens vibrantes. No cenário musical, a partida de lendas como Tina Turner, a rainha do rock'n' roll, com sua energia inigualável, e, mais recentemente, e o príncipe das trevas Ozzy Osbourne, cujo impacto no heavy metal transcendeu gerações, nos lembram da fragilidade de nossos ídolos.
Mais além podemos constatar verdadeiras perdas quando lembramos de ícones como Hulk Hogan, o herói anabolizado que nos ensinou a acreditar no impossível dentro dos ringues, ou Matthew Perry, cujo personagem icônico em Friends marcou uma geração com seu humor ácido e vulnerabilidade, também reverberou profundamente. E, aqui no Brasil, a ausência de um gigante como Pelé, embora do mundo do esporte, sua influência cultural era inegável, unindo o planeta sob a magia do futebol.
A cada um desses nomes que se tornam memória recente, a constatação amarga do que nos tornamos fica mais nítida. Somos os órfãos da "Geração Coca-Cola", a última grande safra global de artistas e figuras que moldaram o mundo com originalidade, crítica e uma riqueza cultural que hoje parece rarear. Assistimos, impotentes, ao seu crepúsculo, enquanto somos engolidos por um presente cada vez mais superficial.
A geração que Renato Russo batizou com ironia era, paradoxalmente, a mais rica em sua essência. O rock que ecoava dos aparelhos de som não era apenas barulho; era um manifesto. As letras da Legião Urbana, dos Titãs, de Cazuza, eram crônicas de seu tempo, carregadas de filosofia, angústia existencial e uma contundente crítica social. A música tinha alma, contava uma história e nos convidava a pensar. No cinema, atores como Robert De Niro, Al Pacino ou, no nosso quintal, Fernanda Montenegro, não apenas atuavam: eles se transfiguravam, entregando verdadeiras performances que se tornaram parte da nossa memória afetiva. Havia um compromisso com a arte, uma busca pela excelência que hoje foi substituída pela busca de engajamento.
Em contrapartida, o que temos agora? Vivemos sob a tirania da superficialidade. A figura do artista deu lugar à do influenciador digital, um produto de marketing pessoal cujo valor é medido em cliques e "publis". Nesse ecossistema, a verdade é irrelevante; o que importa é a aparência de autenticidade, fabricada para vender um estilo de vida. A opinião de quem não possui qualquer lastro de conhecimento é, por muitas vezes, considerada verossímil simplesmente por ter milhões de seguidores. É a vitória da popularidade sobre a sabedoria.
Essa mudança de paradigma devastou nossa cultura. A música que hoje domina as paradas raramente ousa ser poética. Abandonamos a complexidade lírica para abraçar o simplismo de refrãos repetitivos e letras que, em sua maioria, fazem apologia a um estilo de vida hedonista e marginalizado, sem qualquer camada de reflexão. A poesia foi trocada pela batida, a mensagem pela baixaria ou alguma espécie de marketing contra uma facção. Da mesma forma, nossas telas estão repletas de atuações anêmicas, onde o carisma substitui a técnica e a presença nas redes sociais vale mais que a profundidade dramática. O pouco é celebrado como se fosse muito; uma lágrima forçada ou uma frase de efeito já são suficientes para coroar uma "grande atuação".
O fim da "Geração Coca-Cola" não é apenas o fim de um grupo de pessoas, mas o encerramento de um movimento cultural que valorizava o conhecimento, a arte como forma de expressão e a inteligência como virtude. Hoje, o ganho pessoal, ou a imposição cultural e a fama instantânea são os novos deuses, e o legado que estamos construindo para o futuro parece ser um deserto de conteúdo, pontuado por oásis de memes e vídeos curtos.
Fica a saudade de um tempo em que a música nos fazia questionar o mundo
e o cinema nos fazia sentir de verdade. Adeus, Geração Coca-Cola. Sentiremos
falta não apenas de seus gigantes, mas da riqueza que, junto com eles, parece
nos ter deixado para sempre.
Gustavo
Coelho,
natural do Rio de Janeiro (RJ), reside em Uberlândia/MG. Formado em Comunicação
Social e especialista em Marketing, assim como todo bom nerd, é um apaixonado
pela cultura Geek. Empresário com 45 anos, tem como hobby a contínua busca do
anime perfeito. Casado, pai de uma linda filhota, entra neste mundo mágico da
Literatura buscando expandir, cada vez mais, sua criatividade e imaginação.