Por Allyne Fiorentino
Conversas, livro recém-publicado em São Paulo pela Editora Sinete, é um compilado de 57 crônicas de Jander Minesso, autor e roteirista audiovisual.
Para quem gosta do gênero crônica, vai achar curioso o fato de que todas elas estão em forma de diálogo (daí o título), o que torna a leitura bem dinâmica e rápida, sendo possível percorrer 177 páginas de escrita em menos tempo do que se supunha e com bastante fluidez.
Dizem (eu sei que vocês gostam de fofocas literárias!) que o autor certa vez recebeu uma crítica, que afirmava que ele não escrevia diálogos muito bem. Eu não o sei o signo do autor, mas ele parece ser daqueles que remoeria essa crítica durante muitos anos, treinaria noite e dia, faria cursos, viraria madrugadas em claro com o único objetivo de superar a “fraqueza” e depois lançar um livro de crônicas totalmente em diálogos! Voilá! Será que foi isso? Não sei, mas não estou inventando fanfic aleatória, está lá escrito:
“— Quando eu era mais novo, fiz um curso de roteiro e o professor me disse que os meus diálogos eram muito ruins. Aí, resolv…” (p. 17)
E se está escrito, é claro que é verdade! Quem ousaria questionar a santidade de palavras escritas em papel ou tela? Brincadeiras à parte, os títulos das crônicas, bem diretos e curtos, muitos compostos de apenas uma palavra, já nos indicam — e podemos comprovar depois ao ler — que as histórias vão ser diretas, nada de reflexões longas e profundas, nem de filosofia, pelo contrário, os textos passam a sensação de estarmos com um controle remoto na mão, trocando os canais de uma TV e ouvindo conversas pinçadas de diversas cenas cotidianas, desde um jornal até uma conversa íntima de casal, por exemplo. Tudo bem-humorado, com sacadas humorísticas que poderiam mesmo estar em um sketch comedy.
O leitor certamente se identificará em muitas ocasiões, pois todo esse universo divertido, abordado nas cenas, é o que estamos vivendo agora, com todas as contradições possíveis no nosso país (e no mundo!), intercalando os discursos que permeiam nosso dia a dia, os coaches dizendo que “você é um bosta que nasceu para trabalhar para os outros, que vai se matar para juntar uns trocados e passar o feriado na Praia Grande enquanto o patrão vai para Nova York todo mês” (p. 63); a era em que absolutamente tudo é passível de terapia e que se um paciente disser: “Doutora, eu tenho um problema [...] Eu sou feliz” (p. 112) não vai nos parecer tão distópico assim... Estamos em uma era de praticidade, e tudo pode ser resolvido facilmente com terapia ou com o bom e velho consumismo: “Como faz para sentir essa tal felicidade? É só escolher alguma coisa que a senhora goste aqui da loja, passar o cartão e pronto” (p. 82).
Com linguagem simples, uso de gírias, referências contemporâneas, locais (paulistanos) e clichês, é assim construída a reflexão dos assuntos abordados, em que a crítica do autor se revela na evolução das falas e na chave de ouro, praticamente utilizada em todos os textos. Se desvelamos o assunto nas falas, a arquitetura do livro está bem às claras, justificadamente desvelada, quase que como um pedido de desculpas metalinguístico, no primeiro texto do livro. Novamente, não estou inventando fanfic, está lá: “não se prenda às questões filosóficas, vão entediar o leitor” (p. 18). Dê a eles o que eles querem!!!
Nesse aspecto, o autor aposta no uso do clichê, que ora pode funcionar muito bem, já que o intuito é essa plasticidade contemporânea do rápido, consumível, palatável, direto e agradável, sendo uma saída para temáticas já bastante desgastadas socialmente, mas que voltam à voga em seu ápice de aplicação prática, como a temática do consumismo, por exemplo. Consumismo é algo já estabelecido como nocivo, mesmo que paradoxalmente estejamos vivendo tempos de ultraconsumismo; no fundo as pessoas sabem que é insustentável, apenas negam. Já em outras temáticas, complexas e pouco estabelecidas, o clichê pode falhar miseravelmente, a meu ver, como na questão política, já que as piadinhas que mencionam Brasília e política podem soar demasiadamente rasas e “cringes” (ainda estamos usando essa palavra?).
Por outro lado, a temática religiosa percorre muitas páginas (vide os títulos de algumas crônicas: "Apocalipse, não"; "Entrevista com o Criador"; "Confissão"; "Dilúvio"; "Pena capital"; "Crucificação"; "No Paraíso"; "Justiça"; "Reza"; "Assim caiu o anjo") de forma divertida, transportando cenas dos mitos religiosos para o cenário brasileiro e para as burocracias a que todos devemos nos submeter. Lendo esse livro, me dei conta do quanto de humor há na religião, no divino, nas histórias da Bíblia, talvez porque seja a nossa última arma profana, o riso. Ou também pelo fato de que não restou absolutamente nada sem profanação neste mundo e nós nos questionamos se o papel da religião não deve também ser queimado em fogueiras ao mesmo tempo em que esperamos, secretamente, que ele não se queime, que ele seja, ao fim e ao cabo, uma grande piada de mau gosto de que pretendemos ainda rir, verdadeiramente.
Claro que a temática relacionamento também não passaria despercebida, já que isso também tem sido um martírio quase santo. Estamos tentando amar em novos padrões, encaixar os papéis que nos foram dados aos papéis que queremos desfazer, estamos nos afogando em meio a tantos papéis, tudo virou pressão, até sexo virou “muita pressão”, mas “vídeo de gato é demais. De cachorro também” (p. 143). E, como se não bastasse, estamos ou não vivendo o canônico evento do Osvaldo (quem é Osvaldo? Aí vai ter de ler o livro para entender...). Eu particularmente acredito que estamos mesmo vivendo um grande Osvaldo. E que antes do Osvaldo acabar, vamos ainda ouvir muito sertanejo universitário.
"DÚVIDAS
— Deus?
— Diga, meu filho.
— Preciso de uma ajuda do Senhor. Tenho tantas dúvidas…
— Pode falar.
— Afinal de contas, é pecado beber?
— Se você for evangélico, é desaconselhável.
— E homem namorar homem e mulher, mulher?
— Segundo o último Papa, os católicos estão liberados.
— E carne de porco, pode ou não pode?
— Se você não for judeu, tudo certo.
— Está vendo? Por que uma religião pode e a outra não?
— Filho, eu sou do Judiciário. O Legislativo é com vocês."
MINESSO, Jander. Conversas. São Paulo: Sinete, 2025.

