14 de jul. de 2025

Duplicidade

Por Milton Rezende 
 
Quando nasci
nascia comigo
o oposto de mim.
Assim tenho dois nomes
que simbolicamente constituem
dois inimigos entre si.
 
Para caracterizar dois pólos
não é preciso enumerar os opostos
e nem as subdivisões ocorridas
através de concessões bilaterais
para se chegar a um entendimento.
 
O certo é que esse antagonismo
cristalizou-se no relacionamento,
aniquilando todas as tentativas
de integração entre as partes.
 
O diabo do outro sempre me negou
contradisse-me em público
desmentiu minhas verdades
impediu-me as atitudes
e por fim desmanchou meu casamento.
 
Aí então fiquei louco
e fui recolhido num hospício
onde me perdi eu mesmo num labirinto
de mentiras e desvairismo,
até que me matei.
 
E não é que o outro foi ao enterro,
carregou meu caixão e se riu de mim?
Mas depois ele também morreu
e ainda hoje estamos em conflito aberto.
 
Coisa que, se não traz as vantagens
do perdão pela unidade aparente,
pelo menos impede nosso julgamento
e nos livra do fogo interno/eterno
concedido aos que se pretendem coerentes.
 
Do livro O Acaso das Manhãs

 
Milton Rezende, poeta e escritor, nasceu em Ervália (MG), em 1962. Viveu parte da sua vida em Juiz de Fora (MG), onde foi estudante de Letras na UFJF, depois morou e trabalhou em Varginha (MG). Funcionário público aposentado, morou em Campinas (SP), Ervália (MG) e retornou a Campinas (SP). Escreve em prosa e poesia e sua obra consiste de quinze livros publicados. Tem um site e um blog. 

Fortuna crítica: “Tempo de Poesia: Intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, de Maria José Rezende Campos (Penalux, 2015).