Por Cynhtia Beatrice Costa
Indicado
a nove Oscars, o filme irlandês nos transporta a uma forma ancestral e delicada
de contar histórias
Entre os filmes indicados ao Oscar
deste ano, o irlandês Os Banshees de Inisherin, de Martin McDonagh (que concorreu
a melhor diretor), possui uma característica peculiar: ele nos permite
respirar, existir dentro daquela narrativa.
O que faríamos se um querido amigo
simplesmente rompesse relações conosco, sem dar maiores explicações? A pergunta
nos persegue ao longo (e depois) desse conto singelo passado em uma ilha
imaginária da Irlanda da década de 1920 — do continente, chegam notícias de uma
guerra civil que ninguém entende e nem se esforça para entender, porque é
inútil. Nesse cenário idílico ou inóspito, a depender do ponto de vista, um violinista
(o excelente Brendan Gleeson, indicado a melhor ator coadjuvante) se recusa a
conversar com um antigo amigo (Colin Farrell, indicado com justiça a melhor
ator), que, perplexo diante da inesperada rejeição, procura entender o que se
passa – sua irmã (Kerry Condon, indicada a melhor atriz coadjuvante, perfeita
no papel) o ajuda a entender. Nós, espectadores, também queremos entender.
Essa premissa quase infantil desdobra-se
em uma experiência profunda de cinema e de vida. O fio da amizade rompida
abre-se em várias pontas. Temos o padre e a Nossa Senhora vigiando de um lado e
uma banshee, fada sombria do folclore irlandês, observando os
acontecimentos do outro. A tensão entre catolicismo e paganismo é apenas uma de
muitas. Mas a ancestralidade parece se sobrepor: é a fada quem avisa sobre as
tragédias que estão por vir.
Com a linda fotografia de Ben Davis e a trilha
sonora de toques célticos de Carter Burwell (também indicada ao Oscar),
assistimos a homens adultos debatendo-se com os seus sentimentos e cometendo,
pouco a pouco, atos cada vez mais extremos. Ao redor deles, uma galeria de
personagens excêntricas da pequena comunidade insular. Há o policial abusivo, a
quitandeira fofoqueira, os donos do bar que assistem a tudo, um jovem em busca
do amor que nunca teve (o ótimo Barry Kheogan, indicado a melhor ator
coadjuvante) e… Nós.
Há espaço suficiente
para que nos mudemos, temporariamente, para aquela ilha escarpada, para que nos
envolvamos com seus habitantes, compartilhemos dos seus dilemas e de sua acentuada
solidão.
Na contramão da safra de filmes de
ação, guerra e drama familiar (Top Gun, Nada de Novo no Front, Os
Fabelmans), ultracoloridos (Elvis, Avatar), assépticos (Tár,
Triângulo da Tristeza), um politizadíssimo (Entre Mulheres) e um
particularmente frenético (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo),
que arrematou sete estatuetas, o delicado Banshees convida-nos a um modo
ancestral de contar e ouvir histórias; não se apressa, não complica, não
racionaliza, apenas nos comove. Pode-se considerá-lo uma comédia ácida ou uma fábula com
um toque nonsense, que pode nos fazer rir ou chorar, mas não nos obriga
a nada.
Cynthia Beatrice Costa é tradutora e professora do curso de Tradução da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pesquisa na área de tradução literária e adaptação cinematográfica. Nascida em Osasco (SP), formou-se em Jornalismo pela Cásper Líbero e trabalhou por mais de uma década como repórter de revistas e editora de livros, enquanto foi se especializando ao longo das pós-graduações. Leitora voraz e cinéfila de carteirinha. Livro e filme preferidos: Dom Casmurro e Janela Indiscreta.