Por Sinvaldo Júnior
Ficções, de Jorge Luís Borges – os contos dessa obra exigem uma leitura sagrada. Tranque-se no quarto, desligue o celular, deite-se na cama e, só assim, pegue o livro. Aproveite cada frase, cada mistério, cada labirinto. Com frequência, releia os prólogos (sim, são dois). Aí você vai encontrar clássicos como “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, “A biblioteca de Babel”, “Funes, o memorioso”, “O sul”, entre outros, que podem exigir uma segunda leitura. Faça.
Sobre heróis e tumbas, de
Ernesto Sábato – Esqueça por um momento Jorge Luis
Borges e Julio Cortázar. Esqueça o contemporâneo Ricardo Piglia. O melhor
escritor da literatura argentina, a meu ver, é Ernesto Sabato, e este seu
romance de 600 páginas uma obra-prima. Um livro louco, intenso, com personagens
loucos e intensos, e uma boa sugestão para leitores loucos ou insossos, por
duas razões – ou para se identificar ou para se desestruturar.
Publicado em 1961, “Sobre heróis e tumbas” é o segundo romance do argentino Ernesto Sabato, que aos cinquenta anos já havia consolidado sua carreira literária. Reconhecida como uma das maiores obras em língua espanhola e o mais importante romance argentino do século XX, a obra foi traduzida para múltiplos idiomas e entrelaça três linhas narrativas distintas.
A paixão intensa e devastadora de Martín por Alejandra, o nascimento turbulento da nação argentina e a obscura Seita Sagrada dos Cegos — uma ordem esotérica que exerce influência global — compõem o núcleo da trama.
Martín, jovem de dezessete anos, convive com um medo profundo das mulheres até o encontro com Alejandra, que apesar de apenas um ano mais velha, apresenta-se como uma figura complexa, madura, perturbada e possivelmente insana. Simultaneamente, Fernando se empenha obstinadamente na caça à Seita dos Cegos. Retrocedendo um século, o general Juan Lavalle, herói da independência, combateu com igual determinação o tirano Juan Manuel de Rosas, tendo de fugir para a Bolívia para salvar sua vida e os remanescentes da sua famosa Legião.
Sabato analisa com precisão psicológica o ciúme corrosivo que consome Martín e as pulsões incestuosas de Fernando, ao passo que expõe a decadência da aristocrática família Olmos e retrata o ódio fratricida entre os líderes na luta pela emancipação nacional. A obra também investiga as regiões sombrias do inconsciente, explorando sonhos, pesadelos e mitos que permeiam a experiência humana. A ambientação ocorre em Buenos Aires, cidade dos cafés literários, dos cortiços de imigrantes, dos bares de La Boca e dos fervorosos torcedores do Boca Juniors, ainda dominada pelo peronismo triunfante da década de 1950.
Ao concluir a leitura, o leitor não permanece indiferente; descobre em Sabato um autor de profunda humanidade, cuja visão trágica do mundo é equilibrada por uma metafísica da esperança.
Sinvaldo Júnior é professor, pesquisador acadêmico e revisor de textos (Textifique Soluções em Textos). Possui graduação em Letras/Português, mestrado em Administração e doutorado em Estudos Literários. Atualmente cursa pós-doutorado, com pesquisa comparada entre literatura e cinema. Publicou diversas resenhas, artigos de opinião e artigos acadêmicos sobre leitura e literatura, com foco em obras e autores brasileiros. É pesquisador/admirador de Carlos Drummond de Andrade, Charles Chaplin e Campos de Carvalho. Mora em Uberlândia-MG.