7 de out. de 2025

3 Poemas de Claudia Masin

 

Por Allyne Fiorentino


Claudia Masin é escritora e psicanalista. Nasceu em Resistencia, Argentina, em 1972. Foi docente da disciplina de Poesia no curso de Artes de la Escritura na Universidade Nacional de las Artes. Atualmente coordena oficinas de escrita.

 Publicou livros de poesia (Bizarría, Geología, La vista, Abrigo, La plenitud, El verano, La cura, La siesta, Lo intacto, El cuerpo), duas antologias da sua obra (El secreto e La materia sensible) e uma edição de Poesia Reunida (La desobediencia). Em português, temos a obra “A plenitude” (Ed. Primata - 2019).

 A obra La vista, da qual foram retirados os poemas a seguir, ganhou o Prêmio Casa de América da Espanha em 2002. Os poemas deste livro são inspirados em produções cinematográficas, cujos títulos são idênticos aos dos poemas. Dentre os filmes, que são listados ao final do livro, estão diretores como Tarkovski, Bergman, Sokurov, Lynch, entre outros.


Crie corvos

 

As crianças, como os gatos, conseguimos ver na escuridão

sentinelas que sabem que não podem se ofuscar

com o próprio sono, passamos as horas

tecendo uma teia finíssima ao redor

do nosso medo. Depois, muitos anos depois,

você costumava me dizer, chega o esquecimento e podemos dormir

sem sobressaltos. Eu ainda não esqueci.

A cada noite, permutamos histórias

como joias. Esta fica bonita em você,

esta combina com sua pele, com seus olhos:

Havia uma menina que era tão pequena

que cabia na palma de uma mão.

Se eu fosse essa menina — penso — escolheria

viver na sua mão. Poderia fechá-la

e me deixar sem nada, mas toda boa história

precisa de uma tragédia, uma mudança inesperada.

Não quero que chegue ao fim

o seu relato, que a noite acabe. Não sei o que existe

do outro lado. A vida é uma imagem

que vai se desfocando, perdendo os contornos

dia após dia. Crescer é a passagem da imagem nítida

à distorção. Quero continuar sendo menina

para conservar a vista.


  

O silêncio


Quando criança, respirávamos como plantas pequenas,

e o ar mais rarefeito, para nós, era suficiente. Vivíamos

como as pedras: transportados por correntes

ou deslizamentos – forças exteriores

sobre as quais não temos poder nem consciência – rumo a lugares novos.

Quais perigos e terrores teremos conhecido, então,

quando amadas mãos nos colocavam em movimento,

rumo a que rios furiosos, a que encostas

onde íamos nos perder, teríamos sido arremessados,

em que avalanches teria ficado parte da nossa matéria?

E se tudo o que quiséssemos dizer já estivesse escrito

nessa pedra que outros moldaram como o vento?


 

O coração é enganador acima de tudo

 

Não continue, por favor, falando

da fealdade do mundo, não continue me mostrando

no seu espelho impecável o que não deve ser mostrado.

Escrevo, agora, com mais de trinta anos,

como se as palavras fossem o alento que me faltou quando menina

para embaçar o vidro demasiadamente limpo dos teus olhos.

Digo que não se pode olhar de tal maneira que tudo o que existe

seja duplicado no seu olhar: há coisas que se podem ver

uma única vez, ou nenhuma, correndo o risco de que a própria vida

saia de sua órbita como um planeta

enlouquecido, e caia fora do sistema que o mantém ali,

sereno e estável, pendurado no céu. Escrevo acima, dentro,

da sua voz que não é voz, é algo visto

que tento cegar, apagar, para que o que está despido

e quebrado seja vestido e recomposto, assim como se fecham

os olhos de um morto, porque como

suportar que nos olhe de tal maneira, isto é,

que não esteja mais a vida sustentando-lhe a luz com que nos vê.


(La vista - 3. ed. La Castalia / Ediciones de la Línea Imaginaria, 2022)
Tradução livre para O Bule: Allyne Fiorentino.



Allyne Fiorentino - Natural de Minas Gerais, residente em São Paulo, capital. É profissional das Letras e da Educação, mestra em Estudos Literários na linha de Teorias e Crítica da Poesia, Poesia Simbolista. Apaixonada por Literatura Feminina, Filosofia e excentricidades. Low profile do mundo literário. Está também em Crônica do Dia. Instagram: @allyne.fiorentino.