Imagem: Kim - Caricaturas
Sempre me incomodou o fato de o sobrenome dele não ter acento. Ou tem? E ainda agora, neste momento de tristeza para a literatura nacional, ainda tenho de me curvar ao Google e perguntar: mas tem ou não tem acento em Veri(í)ssimo?
Sei que isso é irrelevante diante do fato de um grande cronista ter partido desta para melhor. Mas ele certamente me entenderia, porque o que todo cronista sabe é que a magia está nas coisas banais. Então, se tem ou não tem acento, faz diferença! Muito mais se fosse assento. Mas cá estou eu, assentada e buscando se tem acento ou não.
E não é curioso que, na escola, em todo livro didático de Língua Portuguesa ou de Redação, lá estavam eles. Pai e filho, Erico e Luis Fernando, não acentuados, mas com um notável trabalho com a linguagem humorística. Prosaica, diriam? Talvez, mas é isso mesmo. O prosaico e o divertido ainda são tão catárticos (ou mais) quanto um verso hermético de poesia no Brasil. Quer uma prova disso? Somos os campeões em memes de internet. Qualquer desgraça é passível de piada. É assim que lidamos com nossa vida brasileiríssima.
Somos inferiores? Não sei. É um gênero inferior, a comédia, diriam os gregos antigos. Não temos nada de epopeicos, os cronistas, mas, ainda assim, dizemos todas as verdades que queremos em poucos parágrafos, com estratégia, para não exceder o pouco espaço que resta no coração das pessoas! “Faça um texto curto e rápido!!!”
Também parece que lidamos com tudo de última hora. Nada mais brasileiro do que deixar tudo para o último segundo: “Você pode escrever um texto para homenagearmos o Luis Fernando Verissimo?”. “Agora? São 9 da manhã!”. “Sim, mulher, o homem bateu as botas, foi desta pra melhor...”. “Caramba! E por que não planejou antes? Bem brasileiro esse Verissimo...”
Crônica nem é meu gênero favorito, mas dizem que eu o escrevo bem. Entretanto, estamos aqui lidando com um grande cronista, um engenheiro das palavras. Será que vale a pena cronistar sobre o cronista? Que coisa mais metalinguística. Recordo-me de como ele lidava com a nossa língua, de maneira tão leve... Então, não me sinto culpada, o próprio homenageado já dissera: “Sempre fui péssimo em Português. A intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo’.
Eu não ganho a vida escrevendo, muito menos trabalho em jornal pra ficar escrevendo tão rápido, mas concordei: “Então tá! Mas já advirto, não sei se vai sair bom, mas vai ser de coração!”. E aí me vem o tal acento, o primeiro obstáculo já está no título! "Que maravilha! Eu tenho prazo apertado! Entrem em um consenso sobre o sobrenome do homem!" É vero, Veríssimo, Verissimo.
Mas esta crônica já está muito grande e vai terminar sem eu saber se tem acento ou não. “Vamos, cronista, já acabou?” “Meu deus, quanta pressão!”. O homenageado, lá do além, sussurra na minha mente: “As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.” É verdade. Você foi genial em O gigolô das palavras. Então, eu solto minha homenagem com todo o ar do pulmão: VIVA O GRANDE GIGOLÔ!!!
Allyne Fiorentino - Natural de
Minas Gerais, residente em São Paulo, capital. É profissional das Letras e da
Educação, mestra em Estudos Literários na linha de Teorias e Crítica da Poesia,
mais especificamente em poesia simbolista. Apaixonada por Literatura Feminina,
Simbolismo, Filosofia e excentricidades. Low profile do mundo literário,
escreve pouco, mas, acredite, incisivamente. Está também em Crônica
do Dia. Instagram: @allyne.fiorentino.
