9 de jun. de 2023

'Enquanto a chuva não passa' e 'Eutanásia'


Por Milton Rezende
 

Enquanto a chuva não passa

Os dias acalmaram o sonho,
como se para isso não bastasse
a ausência de teus olhos.
Mas na noite um verso simples
brotava do silêncio para dar
uma esperança menos triste
ao cotidiano.
Ao longe eu visualizava uma imagem
pensativa que acreditava estar
preenchendo o hálito da noite
e a chuva no telhado com teu
sorriso mágico. Mas a distância
não me permitia tais conclusões.
Seria necessária a palavra e a
tua presença para restabelecer a paz
e aquela sensação confiante que
tínhamos quando crianças.
Coordenar as coisas e arrumar
a casa num ambiente tranquilo
para receber a realidade,
dissipar os sonhos
e adormecer em teu gesto. 

Do livro A Sentinela em Fuga e Outras Ausências 

Eutanásia 

Sob uma chuva de outubro
o germe penetrou
no solo árido de mim,
onde as emoções se resguardavam.

Mas o sol e o raciocínio
dos meses subsequentes
atrofiaram o germe ávido
que havia trazido o amor. 

E foram tantos os desencontros
do clima naquele ano
que a meteorologia afetiva
justifica-se culpando a ambos. 

Agora, numa sala de espera
contígua à do esquecimento,
resta-nos como única saída
a eutanásia cúmplice
do que restou do sonho. 

Do livro O Acaso das Manhãs 

Milton Rezende, poeta e escritor, nasceu em Ervália (MG), em 23 de setembro de 1962. Viveu parte da sua vida em Juiz de Fora (MG), onde foi estudante de Letras na UFJF, depois morou e trabalhou em Varginha (MG). Funcionário público aposentado, atualmente reside em Campinas (SP). Escreve em prosa e poesia e sua obra consiste de quatorze livros publicados. Tem um site e um blog.