Tentei chegar aqui com estas mãos poderia ser lido como uma teia de
poemas em interlocução, ora ou outra, tendo elementos linguísticos do português
brasileiro unidos a termos do tupi, maxacali, yoruba, inglês e espanhol . São
linguagens que se procriam em diferentes versões de si mesmas, ora dialogando entre
si, a partir do encaixe temático, ora pairando em lacunas especialmente
deixadas no percurso.
O leitor poderá perceber que, a partir
de cada um dos poemas (como unidades independentes, mas também intercambiáveis)
é possível recomeçar uma nova trajetória de reinterpretação do estar no
mundo. O desejo permanece inscrevendo o corpo como um poema infinito no
coração de outra história; o poema-corpo
guarda e desvela seu estado presente no espaço, no passar de páginas; seu
corpo-palavra segue buscando ressignificações, através de outros formatos e de
novas palavras ocasionalmente criadas.
Na primeira seção, vemos poemas em
diálogo ecfrástico com obras diversas, o que nos mostra que a experiência
interartística nos oferece muitas possibilidades de acessos, saídas, uma
diversidade de enquadramentos do olhar; geração de sentidos dessa escrita
dialógica. Ainda nesta seção, há uma subseção, realizada a partir da leitura
crítica de Água Viva, de Clarice Lispector e seu desdobramento em
diálogos ecfrásticos.
Já na segunda seção, existe outra
proposta, pois os poemas procuram realçar mais o questionamento da vida diante
de situações do cotidiano, “tocado à espreita”. Desta vez, sem diálogo direto
com obras artísticas, há ainda a intensa exploração dos recursos melo, fano e
logopeicos. A experiência de leitura talvez possa inserir, quem a percorre
atentamente, num universo de múltipla sensibilidade, até mesmo o verbo beirando
o “deslimite” das expressões de um corpo sem órgãos artaudiano.
A pedra no meio caminho de Drummond,
assim como a experiência de sufocamento de Kafka parecem ser resgatadas em
determinados momentos, porém no sentido de querermos avançar com um outro
corpo, desentranhado da pedra e das paredes, “o corpo no corpo recriando
milhares”. Com autonomia em movimento, um feminino que visa estar fora do
refúgio comum, para além de um estado asséptico.
Nessa escrita, em saltos semânticos,
como uma espécie de “eterno retorno nietzschiano”, após um denso processo de 3
anos de pandemia, temos a denúncia de emoções em série – entre o passado, o presente
e o futuro, de modo anacrônico, em embaralhamento – quase que ininterruptamente,
buscando o centro, o eixo vital na matéria. O sentido de reinvenção social vai
se constituindo por meio do percurso de um corpo em movimento, questionamento e
fabulação.
O “alvo grito de rapina” entrecortado
nas brechas do papel talvez venha nos alertar como somos humanos e quão pouco
nos realizamos nesta era viral do antropoceno, a ponto de precisarmos, de fato,
ver o animismo tomar conta de nós. Nesse cenário de “eu-nosso-desmedido” da
poesia, geramos novas significações às palavras, já tão surradas, em meio à
vida ordinária.
O instante é extraordinário,
incomensurável; mas o tempo passou e passa.
O abismo é aqui tocado, em cada
instante, para alçarmos outros voos – melhores.
Quem sabe?!
Ultra-passagens
O poema dialoga com a obra Senecio
(homem velho) (1922), Paul Klee
0.
Vida, está aqui o recomeço,
espaço onde refaço o texto
anterior, desfeito em partes
1.
Um anjo em brasa, à espreita,
neste céu aberto da varanda
2.
Hoje, sexta, tão passada:
ontem ainda era segunda
toda a vista limpa, sem óculos
tocando aquele céu aberto, soletrando-o
à víbora do quebra-cabeça
lecionando à pedra sobre estar no ar
mãos-pele-sopro-visão
3.
tudo foi breve e o Agora vibra
4.
Escrevo contigo e sozinha
: com o tom drummondiAno e
um desentranhado tema da nossa espécie :
gravado no corpo com olhares
Fractais
5.
tergiversadas cores dessa sutura, unindo todas
as faces : uma paisagem híbrida, risos e choros
nas nuvens, neste umtempomuito, uma ferida doidamente
tão batida e tocada,
mas tão perplexa,
tão retrasada.
6.
Se confiaria no verbo
fazer?
Tentei chegar
aqui com estas mãos é
um livro de poesia cujo nome já contém uma dubiedade proposital. Tentativa de
chegar com “estas mãos” apresenta uma questão demonstrativa, um desvio do óbvio. Nele,
toco em temáticas paradoxais do ser humano, como o luto e a luta, a
insatisfação e o desejo, por meio de diferentes tons, ritmos e
(des)enquadramentos semióticos. A escrita segue
em diálogo com os anos que temos vivido, porém, sob olhares diversos, como uma
amálgama de sensações do corpo feminino que pulsa entre euforia, dor, lapsos e
rememoração do tempo. Tive a intenção de explorar (no melhor sentido da palavra)
o instante presente, desejando extrapolar a visão comum e descobrir outros
sentidos para as palavras e para o caminho diário. Desse modo, escrever pode
ser atuar com gestos dialógicos em várias esferas das artes (pelo saber e não
saber), com intuito de sentir um tempo vívido: o “alvo grito de rapina”. E
assim, principalmente por meio da poesia ecfrástica contemporânea, desenvolvo
experiências estéticas com 31 obras de artes visuais, de variadas épocas. Há
duas seções: “Diálogos Ecfrásticos”, com obras de Frida Kahlo, Clarice
Lispector, entre outros artistas; e “Cotidiano Tocado à Espreita”.
Para adquirir o livro, entre em contato com a autora:
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Luciana Moraes nasceu no Rio de Janeiro, em 1993. Poeta, revisora e tradutora, graduada em Letras (Unirio). Integra a equipe “Fazia Poesia” e o coletivo “Escreviventes”. Participou da “Oficina Experimental de Poesia” (RJ). Tem poemas em revistas como “Mallarmargens”, “Cassandra”, “Torquato” e “Letras Salvajes”. Presente em antologias e diferentes projetos como Versão brasileira: a voz da mulher – coletânea digital de poesia, baseada na Independência do Brasil sob a perspectiva da mulher (2023, Prefeitura - RJ) – e Coletânea Off Flip de Literatura – Poesia (2023). Tentei chegar aqui com estas mãos é seu livro de estreia.