19 de mar. de 2023

'Os últimos dias da gente' e 'As coisas de Ana Maria'


Por André Giusti

Os últimos dias da gente 

Nos nossos 
Últimos dias
Você não morava mais
Na casa do meu
Querer convicto.

Passei a ser
No máximo visita,
Cheguei a adquirir pequenas 
Cerimônias 
De filho que há muito
Não mora com os pais. 

Chegava 
E logo me despedia 
Sem que decidisse afinal 
Que não te amava mais.

E durante todo o tempo
De estar
Eu te olhava sentado
Na sala das antigas certezas
Com meus ansiosos 

Angustiados olhos 
De correr mundo.

 

As coisas de Ana Maria

Quadros 

Porta-retratos

Seu piano de um século

A estatueta de Mozart

A planta que vingou

No canto que não era de se imaginar.

Suas panelas

Facas de todos os tipos

A louça fina

Os potes de temperos

Que só ela saberá em que usar.

As toalhas perfumadas

Os lençóis esticados

Como daquelas casas de campo

Boas de ficar.

Os sapatos

Os vestidos 

Os colares.

Ela não é nada disso,

Posto que é essência bem maior que a matéria.

Mas tudo isso, ah, tudo isso é ela 

seu riso seus causos

sua presença

Mesmo quando não está.

 

André Giusti nasceu em maio de 1968 na cidade do Rio de Janeiro e mora em Brasília desde o final dos anos 1990. Tem vários livros publicados, entre eles De tanto bater com o osso, a dor vira anestesia (Penalux - poesia), As estranhas réguas do tempo  (Multifoco – crônicas) e Os filmes em que morremos de amor (Patuá – contos).