Por Jander Minesso
Pois bem: decidi escrever uma crônica. E de saída, já entendi que seria um baita desafio, porque eu não sei o que é uma crônica. Ainda bem que estamos num momento da humanidade em que a erudição está a um Google de distância. Portanto, decidi começar esta crônica com uma pesquisa bem embasada, oriunda de fontes confiáveis e desenvolvida a partir das metodologias científicas mais contemporâneas, todas aprovadas pela ABNT.
Se você digitar “o que é uma crônica” no Google vai descobrir que, segundo o site de uma respeitada universidade brasileira, a crônica é um texto curto, de fácil compreensão, desenvolvido com linguagem simples. E vejam vocês que problema: contrariando esta definição, eu usei “oriunda” logo no primeiro parágrafo. Mas tudo bem, né? Tem muita palavra mais complexa que “oriunda” por aí. De qualquer maneira, fica a lição. De agora em diante, faço um pacto com o leitor e me comprometo a usar a linguagem mais simples possível.
Outra característica
marcante da crônica (segundo o mesmo site da respeitada universidade
brasileira) é a escassez ou até mesmo a ausência de personagens. Inclusive,
eles destacaram a última parte da frase: até
mesmo a ausência. Sendo assim, a partir de agora esta crônica deixará de fazer
referência ao autor-personagem que apareceu no início dela. E linha a linha,
cresce a esperança de que este amontoado de palavras e ansiedade se adeque
àquilo que a Forma entende como Crônica. Inclusive, leitores interessados na
Forma poderão perceber que o ponto final recém-colocado (logo ali atrás, antes
do “inclusive”) seria um excelente lugar para terminar o parágrafo. Mas agora o
tal parágrafo já se alongou para além do necessário. E parar aqui seria brusco
demais. Então, a estrutura toda começa a desmoronar, virando um monte de ideias
desconexas e letras enfileiradas uma atrás da outra sem nem mesmo uma
virgulazinha para que você leitor tenha a chance de respirar um pouco. E logo
depois vem uma frase curta. E outra. E mais uma. Como se isso compensasse o
estrago que já foi feito. Obviamente, não compensa. E para piorar, agora temos
um advérbio de modo no texto. Muitos autores profissionais sugerem que você
fuja dos advérbios de modo como o diabo foge da cruz. Estes mesmos autores
dizem para você evitar clichês do tipo “como o diabo foge da cruz”. Meu deus,
que parágrafo horroroso. Esta crônica precisa urgentemente de tempo e
espaço para se recompor. Um instante.
Nada como respirar fundo para reorganizar as ideias.
Só mais um pouco.
Pronto. Agora, sim: vamos em frente. Fontes legítimas afirmam que toda crônica que se preze traz uma análise crítica sobre os contextos e circunstâncias que cercam seu tema. E esta crônica aqui nasceu no contexto de um concurso de crônicas. Se não fosse o concurso, este texto jamais existiria. Mais do que isso: se não fosse uma mensagem eletrônica (não fica legal escrever WhatsApp numa crônica, fica?) recebida pelo autor, também não haveria texto. E mais: além do tema ter sido inspirado pelo tal concurso, a própria forma do material também foi orientada por ele. Afinal, é importante observar que esta crônica deve ter de 4000 a 8000 toques. É uma demanda formal do concurso. E já que estamos falando em forma, fica o questionamento: devemos usar algarismos em crônicas? Ou deve-se escrever tudo por extenso (no caso, quatro mil a oito mil)? Seja como for, pelo menos este debate ajudou o texto a alcançar o mínimo de quatro mil toques.
Tal assunto
(contextos e circunstâncias) poderia se desdobrar ad nauseam até enjoar. Ainda mais se abandonarmos um pouco
as questões formais para focarmos nas questões humanas e emocionais que fervem
dentro de um autor enquanto ele escreve. Poderíamos preencher linhas e mais
linhas falando sobre vaidade, medo, orgulho, Síndrome do Impostor e tantas outras
coisas. E, verdade seja dita, tais assuntos foram abordados num rascunho prévio
deste texto. Mas a esposa do autor leu a primeira versão (ainda manuscrita) e
apontou que este tipo de assunto era muito chato e destoava do resto da
crônica. De fato, ela tinha razão. Portanto, nada de falar da Síndrome do
Impostor aqui. Mas vale uma pesquisa no Google depois, caso o assunto interesse
ao leitor. O senão é que este corte tirou pelo menos quinhentos toques do
texto, de modo que agora eu preciso parar e fazer uma conta. Só um instante.
Ótimo. Até o fim do
parágrafo acima, já eram mais de quatro mil e trezentos toques. Falta pouco.
Inclusive, peço perdão por ter voltado a enfatizar a primeira pessoa, mas estou
me sentindo melhor assim. Parece até que eu desabotoei a calça no fim do almoço
de domingo, sabe? Nossa, que alívio. Mas, retomando o assunto: já que
ultrapassamos o limite mínimo, esta crônica se aproxima do fim. Talvez de
maneira um pouco repentina, mas não ilógica. Porque a última característica deste
gênero literário moderno (conforme o site de outra respeitada universidade
brasileira) é a cronologia bem estabelecida, com começo, meio e fim. É
importante respeitar a cadência do tempo mesmo que, neste momento de despedida,
fiquem apenas a sensação de que nada foi dito e a dúvida deste texto ser ou não
uma crônica. E se for este o caso, talvez seja melhor deixar a coisa para os
profissionais do ramo. Porque, assim como o Brasil, a crônica não é para
amadores. Meu deus, mais um clichê. Já estou vendo o parágrafo desandar de
novo. Melhor parar por aqui, então. Cinco mil e quatrocentos toques tá bom
demais.
Jander Minesso vem trabalhando em
diversos projetos e já roteirizou reality shows (A Fazenda), game
shows (Power Couple/Faça e Disfarça), talent shows (Bake
Off Brasil/Ídolos/Os Paranormais), docu-realities (Cidade dos Cães), entre
outros. Coordenador das equipes de Conteúdo e Roteiro, também é responsável
pelo desenvolvimento, análise e adaptação de formatos de TV, pilotos, longas,
drama e entretenimento em geral, bem como pela adaptação de conteúdo
estrangeiro para o público brasileiro.