Por Glauco Mattoso
Em 1990, ainda enxergando do olho esquerdo, perdi
um querido parceiro, Severino do Ramo, que morreu aos trinta annos.
Parahybano de Cabedello, Raminho tinha mixtura de sangue negro e indio.
Chegamos a morar junctos e tinhamos, alem da poesia, muitas affinidades e
cumplicidades, entre ellas um jogo SM agora em voga nos States, no
qual brancos "socialmente conscientes" se collocam como submissos aos
negros, seja na privacidade, seja em publico, em signal de reparação por tudo
que o povo afro soffreu no passado, sob dominio escravocrata. Phantasias
à parte, quero approveitar a deixa para revisitar este poema do
livro INFINITILHOS EXCOLHIDOS, gratuitamente disponivel como ebook.
Fabula cabulosa (1/2) [8083]
(1)
{Conhesces tu, dos indios, a famosa
versão da Creação, não é? Pois vou
lembrar-te: trez bonecos Deus na argilla
moldou. Levou ao forno todos trez.
Anxioso, retirou cedo o primeiro.
Ainda estava cru seu homem branco.
Um pouco mais tardando, Deus retira
do forno o seu segundo, moreninho,
no poncto: só podia ser um indio!
Ficou tão encantado com a sua
perfeita creatura, que exquesceu
la dentro o seu terceiro, que queimado
demais ficou: seria, claro, o negro.
Percebes, caro Glauco, como cada
cultura se elitiza, superior
se julga, valoriza a sua lenda?
Glaucão, somos racistas todos! Nada
de errado vejo nisso! O que tu vês?}
(2)
-- Pretextos nunca faltam para a prosa
racista, mas você não se informou
de qual tribu sahiu essa tranquilla,
pacifica versão. Tupan, talvez,
foi esse deus nativo? Não me inteiro
do thema, queridão. Para ser franco,
dizer não vou que seja só mentira,
mas nada justifica algum vizinho
mais loiro pretender que um Hitler guinde-o
ao topo racial. Que cê se inclua
na natta nem extranho, si europeu
tem sangue, mas tomar deve cuidado
com essas conclusões. Eu não me alegro
por causa duma pelle, si ja nada
ver posso. Para mim, nenhuma cor
de pelle differença faz, entenda,
querido. Sua these está furada,
em summa. Cê jamais foi finlandez.
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