Por Zoraya Cesar
De longe, a senhora Charlote observava, disfarçadamente, o homenzinho que gerenciava o descarregamento das mercadorias. Um forte cheiro de frutas maduras, húmus e suor impregnava tudo ao redor, grudando sensualmente nos cabelos e pele da senhora Charlote.
Sentava-se numa cadeira de balanço velha que rangia melancolicamente. De vez em quando, a mulher se abanava com um leque de lâminas gastas e gravuras descoloridas. Era um mulherão, grande mesmo, alta, corpulenta, abundante.
Observava o vai e vem dos descarregadores enquanto ouvia a voz altissonante do homenzinho e o som seco e ruidoso que as palmas de suas mãos faziam ao bater nas coxas, como a marcar um ritmo invisível ou a mostrar a força de sua pancada. A voz, as batidas compassadas, o cheiro e o calor provocavam um estranho langor na Sra. Charlote. Sua testa porejava e o suor escorria suavemente por seu rosto. Parecia derreter ao calor da tarde, mas permanecia imóvel. Quem sabe se, naquele estado, os sonhos voltassem?
Administrar um armazém sozinha era exaustivo, e sua vida era dura e solitária. Então, a Sra. Charlote sonhava. Sonhava com homens jovens e atléticos que a apalpavam maliciosamente e se perdiam em suas carnes macias. Sonhar tornava os dias menos pesados, as noites menos insones, a vida menos cinza e poeirenta. Era o que lhe restava, pois bem sabia que a idade e o corpo inatraente haviam feito dela uma mulher invisível.
A poeira que subia da terra e a aridez das horas cobraram seu preço depois de alguns anos e agora a Sra. Charlote não sonhava mais. A vida ficou árida. O que é uma vida sem sonhos, mesmo irreais?
Pois naquele dia, como sabemos, ela observava sorrateiramente o encarregado. Era baixo, quase pequeno, atarracado, e a barriga perdera a capacidade de se esconder atrás de roupas largas. A camisa colada às costas formava um estranho mapa molhado. Os braços cabeludos gesticulavam ordens peremptórias e objetivas. Usava um chapéu panamá surrado e grandes óculos escuros que faziam seu rosto redondo parecer o de uma mosca. A Sra. Charlote nunca o vira, mas isso não era de se estranhar, pois sempre vinha um encarregado diferente.
Talvez o homenzinho tenha sentido o olhar persistente da Sra. Charlote, pois, voltando-se subitamente, dirigiu-se para a varanda onde ela estava.
Suas pesadas botas fizeram a madeira gemer. Olhou a mulher de um jeito devassante, que a Sra. Charlote julgou deveras impertinente. Que audácia, olhá-la de modo tão libidinoso. Sem os óculos, parecia um sátiro desabusado, os olhos negros de corvo, os lábios grossos de lascívia, a barbicha mefistofélica. Cheirava a sol, sal e terra.
Ele chegou bem perto, o suficiente para roçar-lhe os pelos do braço. O toque de um homem! A Sra. Charlote teve um leve sobressalto. Ele tirou o chapéu e pediu um copo de água, por favor. Era careca, a calva avermelhada e opaca, que atraíram o olhar da Sra. Charlote de um jeito que ela não sabia explicar. A cadeira de balanço rangia suavemente, como uma trilha sonora de fundo.
__ Pode entrar e pegar. Tem copos na pia.
Ele não se mexeu. Continuou a olhá-la, sedento.
__ A senhora é bem grande.
__ E o senhor é bem baixo pra um homem – disse ela, ofendida. Ele riu, bonachão.
__ Gosto de mulheres grandes com senso de humor.
O olhar de desejo dele a incendiava. Mas ela não podia, não, não, não, que ideia! Se deixar tocar por um impertinente daqueles, sujo de poeira e suor, um encarregado!
Ela levantou seu corpanzil. A cadeira resmungou e parou de ranger. Uma mosca zuniu e pousou em seu rosto úmido. O homenzinho espantou-a com o chapéu, aproveitando para passar levemente os dedos no rosto dela, que, por reflexo, afastou-se um pouco. O homenzinho apenas sorriu. Ao lado dela, parecia ainda mais diminuto, a cabeça na altura dos grandes e redondos peitos da mulher.
__ Gosto de mulheres grandes – suspirou.
De cima, ela olhava a careca dele, seus braços peludos, sua mão grande. Abanou-se com o leque, que acabou trincando sob seus dedos nervosos.
__ O senhor é muito impertinente – reclamou. Ele continuou a fitá-la, respirando ruidosamente. As pernas dela tremiam. Ficar a olhar aquela careca vermelha estava lhe dando vertigens. Afastou-o com um leve empurrão e abriu a porta da casa.
__ O senhor pode entrar e pegar a água que quiser.
Ele avançou, parou ao lado dela e esperou. Seus lábios cor de cereja abriram-se num leve sorriso sob seu bigode preto de tinta, salpicado de gotículas brilhantes de suor.
Estava fresco dentro de casa, a Sra. Charlote achou melhor entrar junto com ele, dar-lhe o tal copo de água e acabar logo com aquela tensão. Entraram.
As mãos fortes dele a agarraram no corredor mesmo. A Sra. Charlote poderia tê-lo amassado como a uma mosca. Ao invés, foi-se deixando levar para o quarto, onde caiu pesadamente na cama, arrastando o homenzinho para cima dela, o suor colando um no outro como papel pega moscas. Suspirava enquanto ele desbravava suas carnes e reentrâncias: me faça sonhar…
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A noite espalhava estrelas pelo céu, sob a cantilena nervosa dos insetos. Aves noturnas saíam de seus abrigos em busca de comida. Um morcego pousou numa ameixeira. Ao longe, os olhos cintilantes de uma raposa brilharam e sumiram na escuridão.
Sentada em sua cadeira de balanço, na varanda, a Sra. Charlote, usando um robe de seda colorido e vistoso, cheirando levemente à naftalina e lavanda, estava alheia à vida que pulsava ao seu redor.
Dentro dela, uma vida muito mais real se desenrolava.
Sonhava a Sra. Charlote, não com jovens audazes e pecaminosos, dos quais não tinha mais lembranças, mas com pequenos homens carecas e peludos de mãos fortes que lhe deixavam marcas no corpo. No fundo de sua consciência embotada pelo uísque com gelo que bebericava, ela sabia que a vida voltaria a ser colorida por um bom tempo. Sim, seria um tempo bom.
Carioca da
gema do ovo, Zoraya Cesar tem 4 audiolivros lançados pela Tocalivros,
editora de áudios. Escreveu Contos curtos para viagem (livro independente)
e o e-book A viúva e outros contos. Também tem contos publicados em
antologias: na alemã Grenzelos (Ed. Arara Verlag, org. Marcelo Nocelli),
com o conto “Biografia não autorizada”; e na Coletânea Nada Elementar
(org. Bia Machado), com o conto “Minha vida com Amelinha”. Zoraya Cesar
integra o Coletivo Crônica do Dia, tendo participado da Antologia Retire
aqui a sua história, parceria com a Editora Sinete.