19 de fev. de 2022

Batráquio

Por Glênio Cabral

Um dia, ao chegar do trabalho, me deparei com um sapo. Lá estava ele, no meio da sala olhando fixamente pra mim. Senti repulsa. 

Rapidamente peguei uma vassoura e o expulsei aos solavancos. O bicho esgueirou-se pela noite e sumiu. 

No dia seguinte, lá estava ele outra vez. Dessa vez no meu quarto. O mesmo olhar fixo em minha direção. Com raiva, expulsei-o mais uma vez com a vassoura. 

Pra minha surpresa, o fato se repetiu diversas outras vezes. E assim, sempre que chegava do trabalho, lá estava ele, solícito a me esperar. Intrigado, comecei a investigar por onde o bicho entrava. 

Descobri que ele se esgueirava pela fresta inferior da porta dos fundos, que dava para o quintal. O sapo se espremia todo, até passar para o lado de dentro da casa. 

Pronto, já sabia o que fazer. 

Coloquei vários tijolos em frente àquela passagem e bloqueei a entrada do batráquio. Problema resolvido, ele não podia mais entrar. 

No dia seguinte, reparei que o sapo não estava me esperando. Afinal sua passagem havia sido bloqueada. O homem racional prevalecera sobre as forças da natureza, afinal. Mas algo não parecia bem. 

Descobri que em vez de ficar feliz com minha vitória, comecei a sentir falta do bicho. 

Então retirei os tijolos que bloqueavam a entrada do Henrique. Sim, coloquei-lhe o nome de Henrique. Desse dia em diante, todas as tardes passei a fazer companhia ao Henrique e ele a mim. 

Henrique é um sapo sensível e inteligente. Entende meus dramas e frustrações como ninguém. Como todo sapo que se preza, adora comer mosquitos e fazer girinos. Devo admitir que é anfíbio promíscuo. Não aguenta ver uma rã e já sai aos saltos pra fornicar. 

Temos conversado sobre isso e acho que ele tem amadurecido bastante quanto a essa questão. 

Semana passada o Henrique apareceu com uns amigos. Haviam acabado de chegar do brejo. Disse a ele que aquilo não estava certo e que na minha casa só ele, de sapo, estava autorizado a entrar. 

Por via das dúvidas, encarreguei o Armando de fiscalizar isso. 

Armando é uma lagartixa que vive atrás da minha geladeira há dois anos.


Glênio Cabral é graduado em administração de empresas e pós-graduado em gestão de pessoas. Como escritor, possui um projeto literário a ser lançando em breve, intitulado Com a palavra, a anta: uma abordagem bem-humorada sobre a prática da empatia. Também é autor da coletânea de crônicas Gramática de Vida, publicada nesta revista digital. A literatura é uma tábua na qual se agarra dia após dia, na esperança de não ser tragado pelas ondas da realidade. Também comete algumas ilustrações em @gleniocabralilustrador.