Por Ricardo Novais
Um homem negro caiu na
calçada. Repentinamente, apenas caiu e ficou na calçada. Era um final de tarde
no centro da cidade. Eu ia atrás, no sentido da estação do metrô; parei por um
instante, fui até o corpo agonizante; fiz menção de perguntar algo, não
perguntei. Uma senhora me empurrou e disse que devia ser ataque do coração.
__ Acho que é morador de rua! – gritou de repente.
Muitos curiosos chegaram e fizeram uma roda envolta no projeto de cadáver. Uma aglomeração se formou à revelia das orientações de distanciamento social. A algazarra tomou conta do espetáculo. Não me julgue à toa, leitor, mas eu permaneci a um canto, calado, relativamente longe do tumulto. Não queria me infectar numa pandemia. Eu achei graça naquilo, mas também fiquei paralisado; a morte estava à minha frente fazendo leito na calçada suja da cidade com a garoa mais fria e impessoal de todo o continente.
__ Chamem uma ambulância! – bradou um sujeito metido dentro de um paletó escuro e com uma máscara no queixo.
__ Chamem a defesa civil! Ele deve estar com o Corona! Tá com o vírus! – retrucou outro desgraçado vestido com uma camisa branca de camelô, sem máscara, calça jeans de estilo loja de departamentos e um tênis exagerado no visual, possivelmente fabricado na China.
__ Que vírus? Covid nada! Deve é tá bêbado ou drogado... – concluiu um par de ancas feminino dentro de um vestido vermelho desbotado e máscaras de bolinhas.
Nisto, rasgando a multidão, surgiu um vulto gritando:
__ Jorge! Jorge! Jorge!
Era um travesti bonachão, alto e gordo. Empurrou a plateia e ajoelhou-se, tirando a máscara, ao lado do cadáver.
__ Jorge! Meu! Meu Jorge! Eu te disse para não comer aquela coxinha, meu! Eu fiz para a Kate Morrissey, aquela desgraçada! Jorge, meu! Jorge meu!
Começara a escurecer, as sombras caíram pesadas sobre a cidade; olhei ao relógio, quanto tempo se passara sem que eu tenha percebido? A polícia chegou no local. Fui embora.