Por Rogers Silva
38 –
Jéssica estava no hospital. Marina não dera detalhes acerca do assunto, mas dissera que a ex-namorada queria vê-lo hoje ainda. Ainda ofegante, Geisel tentava recompor o corpo, que se metera numa estúpida paralisação, e reordenar a respiração. Arrumou-se rápido e se direcionou ao endereço indicado por Marina. Ainda com os mesmos sentimentos pregressos, ele buscava explicações para o acontecido. Chegando ao hospital soube (Marina estava na porta) que a ex-namorada havia sido estuprada no dia anterior e, antes, já tentara entrar em contato com ele, mas não conseguira. Atordoado, quis saber mais detalhes, contudo Marina preferiu deixar Jéssica detalhar (já que estava em condições, pelo menos de conversar. “Afinal, felizmente – como dissera a colega de sala de Geisel e amante (namorada?) de Jéssica – não tinha sido tão grave, fisicamente falando”). No corredor da enfermaria o rapaz encontrou os pais da ex-namorada. Olhou-os e cumprimentou-os constrangido. Vencendo o constrangimento, perguntou como estava, no momento, Jéssica. O pai falou que estava melhor, mas ainda muito perturbada. A mãe apenas chorou, abraçada ao homem. Este completou que Geisel podia entrar, pois a filha queria vê-lo. Embaraçado diante da situação quis obedecer, de imediato, o decaído pai de Jéssica. Mas preferiu esperar e, talvez com a espera, se preparar – se recompor.
39 –
“Oi... – disse ela, deitada na cama do
quarto branco da enfermaria.” “Oi – retornou Geisel constrangido.” Jéssica
chorava brandamente. Não era de extravagâncias. Nem no seu chorar. Chamou-o
para perto, não tivesse medo. Não era medo – quis falar. – Era... Não sabia o
que exatamente sentia naquele quarto branco, a ex-namorada deitada naquela cama
branca. Era estranho estar ali depois de tudo que sofrera, de tantas respostas
buscadas sozinho, ora no quarto pequeno de sua casa, ora na rua, andando como
um zumbi, ou em qualquer outro lugar em que estivesse. Era muito desconfortável
estar ali perto dela se o que mais quisera, até então, foi que pelo menos
telefonasse (Mas eu... – justificaria ela) pedindo perdão por tudo que fizera,
pela traição, pela dor que a traição lhe causara. Enquanto ele sofria, Jéssica deve
que aproveitava com a amiga (amante?). Isso era o que mais doía: a dor que não
demonstrava, a dor que ninguém vira nela, nem colegas em comum, que a viam
sempre, nem Andressa, que um dia a vira passeando com Marina no shopping. Mas,
no fundo, ele achava interessante essa alternância de sofrimento – antes ele,
agora ela. Porém, Geisel em hora alguma fora consolado por ela (agente da dor),
e agora a moça buscava sua ajuda, mandara chamá-lo. “Não percebe que é muito
estranho estar aqui perto de você depois de tudo? – ele disse serenamente. É
muito estranho...” A jovem esboçou palavras, mas ele: “Hoje – continuou –
quando soube o que tinha acontecido, fiquei desesperado. Só melhorei quando
soube que não era tão grave assim. Ainda bem... Você tá bem?... – um silêncio
forçado. – Como... Quem foi? – perguntou, esperando com curiosidade (mas não
expressa no semblante) a resposta.” Jéssica começou, agora explicitamente, a
chorar. Passava as mãos nos olhos tentando enxugá-los. Geisel olhava-a sério.
Paciente. Ela não queria falar sobre o assunto. No momento, não. Ele ansiava
pela resposta. Apenas queria ouvir a confirmação. E continuava ali, sério, com
uma raiva disfarçada. Constrangido. Mas atencioso. Era mesmo tão difícil assim
falar sobre o assunto? Pensava em perguntar pelos motivos que a fizeram
traí-lo, mas preferiu não dar margem à questão e sofrer mais. Após vinte
minutos de conversa, ele quis sair daquele quarto, ir embora, pois não queria
dar vazão para que as intimidades surgissem e penetrassem na maltratada relação
dos dois. “Eu lhe chamei aqui para pedir-lhe perdão – disse Jéssica, estendendo
a mão direita.” “Depois conversamos sobre isso – pegando a mão dela. – Você tem
coisa mais importante pra se preocupar neste momento. Um dia, quem sabe... –
não completou.” “Espero que um dia me perdoe... Apesar de...” “Não se preocupe
– interrompeu, seco.” Geisel soltou sua mão, afastou-se um pouco, virou-se e se
preparava para sair quando: “Eu ainda te amo – disse a moça.” Ele estava de lado.
Parou. Virou o rosto, ficou olhando-a, o semblante sério, e pensou: Não
acredito em você. Nunca mais acreditarei em você – só pensou. Nada disse. – Por
mais que seja difícil, nunca mais acreditarei em você e em mais ninguém... – continuou
pensando (mas nada disse), ainda a mirando. Jéssica também o olhava, meio meiga,
meio tímida, meio séria, meio tudo. Talvez esperasse algo vindo do rapaz... (a
única expressão que poderia vir dele era um sorriso irônico, julgando a
situação em que se encontrava. Mas não sorriu. Segurou-se). “Até mais... –
disse Geisel, passou pela porta e, de costas, a trouxe, fechando-a.”
40 –
Hoje, véspera de Natal, nove dias após o mencionado antes, Geisel está do mesmo jeito que o encontramos no começo desta narrativa, refletindo, sentado numa cadeira, prostrado sobre uma mesa pequena, se perguntando dos porquês de Jéssica demonstrar tanto amor por ele. Perguntando-se do motivo de existir dor se tem apenas vinte e um anos. Perguntando-se... Assim o encontramos neste exato momento. Depois de sair do hospital, ele veio embora intencionado em mudar de vida, esquecer o passado, bloquear o telefone (o que de fato fez) para não ser procurado por pessoas com quem não estava a fim de conversar. Procurou não ficar em casa (e pouco ficou. Vinha, quase sempre, somente para dormir), não conversar com ninguém acerca do assunto passado (Jéssica), fazer de tudo para esquecê-la. É muito cedo para dizer se conseguiu, se os artifícios adiantaram. Deixemos o tempo passar... (Enquanto isso, riamos dele. Que seja um riso irônico ou sem graça. Mas riamos).
41 –
Há pouco ele tentou (em vão) encontrar palavras para a feitura de um poema. Forçou bastante, mas não as encontrou. “Não, eu não sou poeta”. À beira da pequena mesa em que estava prostrado, de súbito, sobreveio-lhe uma grande vontade de gritar. Não gritou. Levantou-se. Foi para o quarto. Ao olhar por alguns minutos ao espelho, surge-lhe (não mais que repentinamente) uma frase de efeito. Voltou à mesa. E para terminar o seu conto (habilmente disfarçado em terceira pessoa. E agora, riamos? Não. Não tenho motivos para risadas. Ria sozinho) – para terminar o conto escrevo o que há pouco me veio, subitamente, ao ver minha triste e patética imagem refletida:
“É por esses
olhos vermelhos, Jéssica
Que eu te
odeio”
* Publicado originalmente no livro Manicômio
(2012).
** Continua no dia 04 de junho.