Mais do mesmo
O que há de novo
Que mereça ser dito?
O que há de novo?
Qualquer coisa
Se tiver verve
Até o velho serve
Coloco o que vale
Numa casca de noz
Lembranças sonhos e medos
E dispenso todo o resto
Ralo abaixo
Bueiro adentro
Sem roupa na chuva
Que venha o novo
Mesmo que disfarçado de velho
Que venha o novo
Com areia entre os dedos
Só a novidade desacelera a roda do tempo
E eu não me canso de procurá-la
Entre peles macias e cabelos brilhantes
Me despi mais uma vez
Acontece que desta vez eu travei
Na hora de seguir
Não soube mais
Pra onde ir
E continuo parado
O velho não me deixa sair
O novo não vem
E eu, travado, não vou
Fico aqui
O novo está dentro de mim
Explosão
Não se aproxime demais
Pois há risco de explosão
Me deixe transbordar aos poucos
Eu sei bem o que guardo
Peço atenção ao tato
Olhe de longe
Pare e identifique-se
Se decidir entrar
Que entre devagar
Leia os avisos
Em sinal de respeito
Não invada
Há um limite claro na entrada
Não ignore as placas
Penduradas no meu peito
Se for andar comigo
Acompanhe os passos lentos
O caminho pode ser errático
Sem sentido sem destino
Esteja disposto a vagar por um tempo
Se me vir recuar
Fique atento
Num piscar de olhos
Eu desapareço
De corpo presente permaneço
Mas já bem longe em pensamento
Isabel
Quero amar uma Isabel
Que é nome forte e bonito
Assim como as mulheres
Que carregam este nome
Que rima com mel
Sem deixar de flertar com fel
Quero dizer Isabel vem cá
E ela não vir
Porque ela só vem quando ela quer
Mas quando ela vem
Ah
Ela vem
Ela vem com seu cabelo de Isabel
Vem e me hipnotiza
Isabel vem e fala as coisas
Que precisam ser ditas
Com o charme que só Isabel tem
Isabel sabe amar
Isabel já amou muito
Conhece as dores de amor
E deixa você lidar com as suas dores sozinho
Isabel espanta as dores alheias com seus cabelos escuros
Passa por cima delas com suas sandálias de Isabel
Ela encara as dores com seus olhos fortes
E as dores pequenas fogem correndo
Sabendo que não tem chance de magoar Isabel
Mas Isabel sente
E Isabel chora as dores do mundo
Quietinha, pra ninguém ver
Cadê você, Isabel?
Vem logo
Com sua seriedade profunda
Me ensinar a ver os filmes de arte
Que eu nunca quis ver sem você
Vem, Isabel
Que a fumaça do seu chá vai curar a minha rinite
Meus olhos querem se perder na sua pele
E eu quero ficar me perguntando
No que pensas, Isabel
Quando tens o olhar perdido além do portão
Quando eu já estiver ficando aflito
Imaginando as besteiras da falta de amor
Você acorda do seu transe profundo
Da sua melancolia intrínseca
E coloca suas pernas sobre as minhas
Me dá um sorriso e me acalma o coração
Isabel que sabe de tudo
E faz de conta que não
Isabel que está sempre certa
E pra quem duvida ela explica
Com poucas palavras e uma interrogação
Isabel que pula as horas chatas da vida
Rindo de meia na frente da televisão
Isabel que enfeitiçou Bandeira
Desfilou na frente do poeta
Evaporou e o deixou sozinho
Com a caneta e a imaginação
Isabel que entende de música
Que gosta de se arrumar pra sair e dançar baião
Que é música brasileira e faceira
Que ela dança de pés no chão
Mulher que ignora os pretendentes
Quando eles ultrapassam os dedos das mãos
Já consigo ver Isabel colocando os cabelos pra cima
Pedindo pra eu ir buscar o pão
Isabel manda e eu vou
Vou à padaria como quem vai a uma missão
De agradar a minha menina
Que ainda não veio
Que está espalhada pela cidade
Esperando alguém aparecer no meio da multidão
Fernando Ignez, 39 anos. Paulistano perdido em São Paulo. Graduado em Audiovisual. Tradutor e poeta.