9 de jun. de 2021

Poemas de Fernando Ignez


Mais do mesmo 

O que há de novo

Que mereça ser dito?

O que há de novo?

Qualquer coisa

Se tiver verve

Até o velho serve

 

Coloco o que vale

Numa casca de noz

Lembranças sonhos e medos

E dispenso todo o resto

Ralo abaixo

Bueiro adentro

Sem roupa na chuva

 

Que venha o novo

Mesmo que disfarçado de velho

Que venha o novo

Com areia entre os dedos

 

Só a novidade desacelera a roda do tempo

E eu não me canso de procurá-la

Entre peles macias e cabelos brilhantes

Me despi mais uma vez

Acontece que desta vez eu travei

 

Na hora de seguir

Não soube mais

Pra onde ir

 

E continuo parado

O velho não me deixa sair

O novo não vem

E eu, travado, não vou

Fico aqui

O novo está dentro de mim

  

Explosão

Não se aproxime demais

Pois há risco de explosão

Me deixe transbordar aos poucos

Eu sei bem o que guardo

 

Peço atenção ao tato

Olhe de longe

Pare e identifique-se

 

Se decidir entrar

Que entre devagar

Leia os avisos

Em sinal de respeito

 

Não invada

Há um limite claro na entrada

Não ignore as placas

Penduradas no meu peito

 

Se for andar comigo

Acompanhe os passos lentos

 

O caminho pode ser errático

Sem sentido sem destino

Esteja disposto a vagar por um tempo

 

Se me vir recuar

Fique atento

Num piscar de olhos

Eu desapareço

 

De corpo presente permaneço

Mas já bem longe em pensamento

  

Isabel 

Quero amar uma Isabel

Que é nome forte e bonito

Assim como as mulheres

Que carregam este nome

 Que rima com mel

Sem deixar de flertar com fel

 

Quero dizer Isabel vem cá

E ela não vir

Porque ela só vem quando ela quer

Mas quando ela vem

Ah

Ela vem

Ela vem com seu cabelo de Isabel

Vem e me hipnotiza

Isabel vem e fala as coisas

Que precisam ser ditas

Com o charme que só Isabel tem

 

Isabel sabe amar

Isabel já amou muito

Conhece as dores de amor

E deixa você lidar com as suas dores sozinho

Isabel espanta as dores alheias com seus cabelos escuros

Passa por cima delas com suas sandálias de Isabel

Ela encara as dores com seus olhos fortes

E as dores pequenas fogem correndo

Sabendo que não tem chance de magoar Isabel

 

Mas Isabel sente

E Isabel chora as dores do mundo

Quietinha, pra ninguém ver

 

Cadê você, Isabel?

Vem logo

Com sua seriedade profunda

Me ensinar a ver os filmes de arte

Que eu nunca quis ver sem você

 

Vem, Isabel

Que a fumaça do seu chá vai curar a minha rinite

Meus olhos querem se perder na sua pele

E eu quero ficar me perguntando

No que pensas, Isabel

Quando tens o olhar perdido além do portão

 

Quando eu já estiver ficando aflito

Imaginando as besteiras da falta de amor

Você acorda do seu transe profundo

Da sua melancolia intrínseca

E coloca suas pernas sobre as minhas

Me dá um sorriso e me acalma o coração

 

Isabel que sabe de tudo

E faz de conta que não

Isabel que está sempre certa

E pra quem duvida ela explica

Com poucas palavras e uma interrogação

Isabel que pula as horas chatas da vida

Rindo de meia na frente da televisão

Isabel que enfeitiçou Bandeira

Desfilou na frente do poeta

Evaporou e o deixou sozinho

Com a caneta e a imaginação

 

Isabel que entende de música

Que gosta de se arrumar pra sair e dançar baião

Que é música brasileira e faceira

Que ela dança de pés no chão

Mulher que ignora os pretendentes

Quando eles ultrapassam os dedos das mãos

 

Já consigo ver Isabel colocando os cabelos pra cima

Pedindo pra eu ir buscar o pão

Isabel manda e eu vou

Vou à padaria como quem vai a uma missão

De agradar a minha menina

Que ainda não veio

Que está espalhada pela cidade

Esperando alguém aparecer no meio da multidão

  

Fernando Ignez, 39 anos. Paulistano perdido em São Paulo. Graduado em Audiovisual. Tradutor e poeta.