29 de mai. de 2021

Meus olhos verdes (folhetim romântico) – Parte 9

Por Rogers Silva

35 – 

Quinze dias se passaram. “Foi uma maneira que ela usou pra superar a insegurança que sentia em relação a você – disse Andressa a Geisel.” Estavam na casa desta, e ele em seu colo. Andressa fazia carinhos, passava as mãos no rosto dele. “Mas... – não completou. – Nesses últimos dias não houve um minuto sequer em que eu não pensei nela; aonde quer que eu ia, eu via seu rosto: nas paredes, na TV, nos rostos de outras moças, em tudo; um minuto em que eu não tentei achar reposta lógica de Jéssica ter feito isso. Não houve um dia sequer em que eu não sonhei com ela.” E acordava atordoado, pois Jéssica e Marina riam sarcasticamente dele. Ora acordava com falta de ar. Levantava-se, pois tinha medo de dormir e sonhar, e sonhar com ela. Sonambulava pela casa, ligava a televisão, e as mesmas porcarias de sempre. Deitava-se com medo, mas também com esperança de dormir rapidamente. Porém, os olhos ao teto, enxergava claramente a fisionomia de Jéssica, e ela ria, e ela chorava, dizendo (de forma hipócrita) que nada fizera. “É pior tentar achar reposta. Esse tipo de coisa não tem explicação...” “Eu acordo e durmo pensando nisso...” “É porque ainda está muito recente...” “Uma dor tão forte e tão constante... Tenho medo de... Um dia, de tanta raiva (acho que nunca senti tanto ódio na minha vida), eu dei um murro tão forte, mas tão forte na parede, que sangrei a mão.” “Para, vai – tentou melhorar o ânimo do rapaz, abaixou o rosto e deu-lhe um beijo. – Me promete uma coisa?” “O quê?” “Que nunca mais vamos falar sobre. Esqueçamos. Bola pra frente.” Geisel sorriu (um sorriso abatido) e disse: “Tudo bem. Prometo.... – mas interrompeu-se. E completou – Tenho certeza, Dressa, não sei por que, talvez uma intuição, mas isso não vai ficar assim.” 

36 – 

“Até que enfim a música ridícula que estava tocando acabou, pois não tem nada a ver com a situação que relembro agora. Quero uma canção que eu possa questioná-la. Talvez esta:

Eu tranco a porta pra todas as mentiras

E a verdade também está lá fora...

Será que existe verdade lá fora?

A porta fechada me lembra você a toda hora...

Que tanto de portas é esse?

Eu tranco a porta pra todos os gritos...

Que música sem sentido é essa?

E o silêncio também está lá fora. Lá fora só há silêncio. Mecanicamente disfarçado por palavras vazias. Que só machucam. Ou para nada servem. Palavras, somente palavras...

Será que eu tô trancado aqui dentro?...

Que música sem sentido!

Será que as perguntas são certas?... Vou tirar da rádio e colocar um CD. Essa não! Não estou entendendo nada! Sem nexo já basta a vida! – mesmo chorando eu penso, indignado com a falta de razão para o que aconteceu. Eu preciso de motivos óbvios! Jéssica, eu preciso saber por que fez isso. Vem aqui agora e me diga! Vem... Não consigo entender... 

Por que eu choro tanto, meu Deus? Talvez com o cair das lágrimas o sofrimento seja aliviado. Que se danem aqueles que queiram explicar meus sentimentos. Que se danem os psicólogos! Jéssica vai ser psicóloga... Que Jéssica se dane! Explique e dê-me solução! Progressos do ser humano, se sofre mais, mais? Me explique isso! Por que o homem, a cada dia, sofre mais e mais vazio fica?

Um CD. Outra música. Uma que me faça relembrar de tudo, mas sem ódio, sem raiva, sem remorsos. Que a mágoa, aos poucos, acabe. Tomara. Ou... Comece. Começa:

 

Não sei por que você se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus não pude dar

 

Você marcou na minha vida

Viveu, morreu na minha história

Chego a ter medo do futuro

E da solidão que em minha porta bate

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você   

O som melancólico e triste do piano ajuda minhas lágrimas caírem. Mas não caem como antes, veloz e desesperadamente. Realmente, eu gostava tanto de você. 

Eu corro, fujo desta sombra

Em sonho vejo este passado

E na parede do meu quarto

Ainda está o seu retrato

 

Não quero ver pra não lembrar

Pensei até em me mudar

Lugar qualquer que não exista

O pensamento em você 

Aqui no quarto, não. Aqui há este espelho estúpido que me olha a todo o instante. Diminuirei o volume da canção. Vou para a sala... 

Enquanto permaneço aqui na sala, nesta mesa pequena, chorando, relembrando do passado, ouço a música distante, baixa. E sorrio chorando quando relembro do sorriso espontâneo de Jéssica. De sua boca falando que me amava. Mas amava? Uma profusão de emoções. Lugares-comuns. Tenho o direito? Enquanto caem as lágrimas, a canção que vem lá do quarto me ajuda a livrar do câncer que me corrói o peito. Ou o estômago? 

Não sei por que você se foi... Não, você não se foi. Você está aqui, pertíssimo de mim. Você marcou em minha vida... Mas um dia esta marca irá embora. Sei. Chego a ter medo do futuro e da solidão que em minha porta bate... Bate. Entra. E toca: 

E eu... gostava tanto de você

Gostava tanto de você... 

Eu corro, fujo desta sombra. Em sonho vejo este passado... Por incrível que pareça, na parede do meu quarto ainda está o retrato de Jéssica. Não quero ver pra não lembrar...

37 –

Vinte dias depois da inexplicável traição, Geisel ainda não falara com Jéssica. Acabara completamente o vínculo. Nem ela nem ele tentaram reatar, dar e pedir explicações, se desculpar nesse tempo que passara. Geisel, no dia do seu aniversário (15 de dezembro), às sete horas da noite, numa sexta-feira, encontrava-se no quarto, deitado na cama, olhando o teto e pensando, quando o telefone tocou. Refletiu... Não. Repensou... Foi atender. Depois de ter ouvido com certa resistência Marina falar, sentou-se no sofá, estranhamente paralisado. “Não é possível. Deus! Meu Deus! Isso não pode ter acontecido”. Não conseguia acreditar no que ouvira. O susto o paralisara. Perplexo ante um mundo, o seu, que desabava, ficou ali, inerte. As palavras de Marina soaram novamente em seus ouvidos. Deixou-se cair no sofá.


* Publicado originalmente no livro Manicômio (2012).

** Continua no dia 04 de junho.