Por Ramon Carlos
O enredo da porta ao lado
A
tampa da panela que cai
Dando
voltas sobre a mancha
No
azulejo frio e úmido do dia vinte
O
forno do fogão inutilizado
Pela
válvula protetora de gás para crianças
Mas
nunca houve criança, nem costela assada
O
prato quebra
Como
inimigo público número um
John,
João, o rato suplica um martelo na ratoeira
O
vestido foi tingido pela empregada
Que
misturou uma camiseta laranja nas roupas brancas
John,
João, o rato ainda se debate com os dentes cravados no queijo
E
eu ainda estou acordado
Porque
minha toalha de banho 100% algodão
Esteve
molhada desde ontem
Por
que separar o garfo da faca?
Era
sopa
O
guardanapo terminou
Por
limpar marcas de sangue nas frutas
Tem
uma batata podre embaixo da pia
Eu
ouvi, mas não falei
Os
banhos são maravilhosos
Até
gosto daquela música
Mas
nunca cantaram até o final
Ou
será que fui interrompido pelo carteiro sem botas?
John,
João, Joana, Jô, Jó
Eu
recolhi a batata
Terminei
com o sofrimento do rato
E
imaginei vocês
Em
um transatlântico
Durante
a manhã
Falando
sobre o vizinho
Que nunca estava
Sobre nada
Mesmo
que o grão disseminado
Conteste
a singularidade do plantio
E
a terra em desuso
Combata
o florescer obscuro
Delírios
ácidos acentuarão
Debalde,
a irrigação nos poros
Latentes
em cada movimento
Mesmo
que imortalizar os vícios
Signifique
simpatizar a paranoia
Ramas
plácidas infinitas
Ainda
codificarão o instinto
E
os pressupostos doutrinarão a culpa
Se os sapos tivessem asas
Não bateriam com o traseiro no chão
Sempre que pulam
Mesmo
que as pupilas dilacerem o razoável
E
as bigornas sirvam de peso para papel
Alguma
coerência ainda restará
E
vibrará como uma víbora
No
forno aceso
Jogar fora a própria vida
Significa usá-la da melhor forma
Mesmo que confrontar
medo com medo
Seja um blefe da
consciência
A confusão enrijece o
apetite
Por tudo que se ganha
sem razão
Admita que sempre foi hipócrita!
Sendo hipócrita, como posso admitir?
Ousar ou usar
Se em qualquer momento da minha vida
Eu depositar toda minha esperança em alguém
Então podem ter certeza
De que perdi a esperança
Mesmo que nada seja
atributo de tudo
Tudo que se escreve
sobre nada
Sobretudo
Sobre nada, esse poema
Não quer dizer tudo
Um peixe de sobretudo
Nada nada
Em seu aquário
Plano cartesiano
A
luz da lâmpada cobriu meus temperos
Já
não encontro minha doença dentro do pote
Procuro
em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei
bolo de formiga, chá de astronauta
Um
chiqueiro novo, ferraduras de anjos
Uniformes
despejados, cinzeiros desbotados
Alqui
mia, cheia de bigode e pose
Está
tão gorda e peluda quanto seu dono
Encontrei
alguns remédios contra-indicação
Quando
bisbilhotava a construção ao lado
“Ei”
gritou-me o proprietário lá da rua
“Se
acabar com minhas pílulas
Sou
bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já
não encontro minha doença dentro do pote
A
luz da lâmpada, a luz da lâmpada
Alqui
não veio mais aqui
Procuro
em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei
molho de algodão, rocambole de eutanásia
Fissuras
cerebrais acrobáticas, miúdos elétricos
Ultrajes
simbólicos, medo do escuro
Encontrei
um pato e um tapete
Quando
bisbilhotava a construção ao lado
“Ei”
gritou-me o proprietário lá da rua
“Se
acabar com minhas pílulas
Sou
bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já
não encontro minha doença dentro da lâmpada
Procuro
em vão, um dia sóbrio no pote
Alqui
mia, algo dão
Alqui
mia, algo dão
Alqui
mia, algo dão
Alqui
não veio mais aqui
Se
Alqui mia
Algo dão
Ramon Carlos é coautor do livro estrAbismo (Editora Viseu, 2018). Escreve no site: www.estrAbismo.net. Tem materiais diversos espalhados em revistas como: Mallarmargens, LiteraturaBr, Acrobata, Philos, Amaité Poesias & Cia, InComunidade, LiteraLivre, Subversa, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, Jornal Plástico Bolha, A Bacana e Cidadão Cultura.