24 de abr. de 2021

Meus olhos verdes (folhetim romântico) – Parte 3

Por Rogers Silva

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Sábado à noite. Aquela moça morena – os antigos cabelos crespos agora alisados, com um vestido preto que permitia a Geisel ver as formas antes não percebidas, um lindo sorriso (não um sorriso disfarçado ou forçado, mas um sorriso autêntico) e uma delicada maquiagem no rosto, sandália de salto alto delineando suas pernas – aquela moça ali, em frente a sua casa (grande, aliás), esperava Geisel. E ao vê-lo, sorriu. O rapaz saiu do carro, fechou a porta e disse: “Nossa! Você está linda!” “Muito obrigada. Só não vou falar que eu sei senão seu elogio perde a graça. E pode me achar pretensiosa.” Ele também sorriu. Depois: “Você também está muito bonito – olhando fixamente os olhos dele. – Não vai abrir a porta para eu entrar?” Voltando o rosto para trás, completou: “Pode abrir.” Geisel, sorrindo, abriu a porta. Jéssica entrou. Ele a fechou o mais suavemente possível e se direcionou à do motorista. Do bairro Jardim Patrícia ao shopping eles foram conversando. Não ficaram em nenhum momento sem assunto, sem graça. Falaram sobre música (Cássia Eller, Marisa Monte, Djavan) e cinema. “Adorei Titanic – disse Jéssica.” “É... ele é muito bem feito – retornou Geisel. – Também gosto muito de suspense. Adorei o... – e dizia o nome do filme. – Já assistiu?” “Nossa. Aquele filme é ótimo. Também gosto muito de suspense. Odeio terror.” “Eu também.” “Você está é querendo me agradar.” “Juro que não. A verdade é que gostamos quase das mesmas coisas. Os estilos de filmes são os mesmos. E daí vai... – Geisel, alternando entre Jéssica e a pista.” “É... muita coisa em comum... – finalizou ela, colocando sua mão em cima da mão direita do rapaz, que estava no câmbio de marchas.” No momento em que sentiu a mão fria de Jéssica em cima da sua, desviou a atenção da avenida para a moça. Olhou-a tão fixamente, as sobrancelhas arqueadas, que ela reagiu: “Olhe para frente, senão nem o filme vamos assistir.” O que ela quis dizer com nem o filme? – ficou pensando Geisel por um tempo.

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Escolheram o filme Louco por você por ser o único romântico em cartaz. Geisel sugerira um de suspense, mas Jéssica: “Ah, vamos assistir esse outro – apontando o indicador para o cartaz da fita pretendida. – Vamos?... – aquele jeito cativante.” “Por mim, tudo bem. Pode ser qualquer um.” “Pode?” E puxou-o pelo braço para comprar o bilhete. Estavam no shopping. Louco por você – o filme. O rapaz se espantava com a naturalidade da moça. Após Jéssica agarrar-lhe o braço, indo ambos comprar o bilhete, não o soltou até chegar às cadeiras do escuro do cinema. Passara do braço à mão espontaneamente. Jéssica, às vezes olhando a tela, outras vezes virando o rosto para Geisel, ora tirando a mão da mão dele, ora a colocando, parecia gostar do filme. Ele tentava prestar atenção à história, mas a moça, às vezes fazendo-lhe carinho, tirava-lhe a atenção. Ele não retribuía o carinho recebido. Não a achara tão bonita no primeiro momento em que a vira na praça Tubal Vilela. No entanto, hoje, achava-a a moça mais bonita da cidade – exagerava. Sempre Geisel, nas relações, fora o primeiro a dar carinho, a dar conselho, a ajudar, a se sacrificar. Quando recebia a troca, recebia menos do que oferecia – achava. Mas com Jéssica tudo parecia ir por um novo caminho. Não. Meu Deus, ainda não tive tempo de concluir isso – pensou o rapaz.

11 –

Sentimento que ficava entre o pudor do desconhecimento e a vontade de estarem juntos, uma pequena afinidade surgiu um pelo outro. Assim, depois do filme, o embaraço (fruto da pouca intimidade) não os deixou se aproximarem mais do que um simples prender de mãos e um abraço. Foram embora sem se beijar. Por timidez, medo? Os olhos dela, durante todo o passeio, pediram o beijo, mas em hora alguma Geisel dera abertura. Houve um momento em que as bocas quase se encontraram quando, ao findar o filme (Muito bom! – Jéssica exclamara), os dois foram à porta principal do shopping. Escoraram-se numa pilar redonda, um perto do outro, começaram a conversar. Aproximavam-se sem perceber: chegavam mais perto, mais perto. Quando parecera que o beijo sairia, Geisel (intencionalmente?) virara o rosto e a abraçara. “Que abraço mais gostoso – Jéssica falara.” “Humrum...” “Muito tempo eu não sentia um abraço tão gostoso.” Eles demoravam a se afastar. Ela o impedia. O moço achou a atitude de Jéssica extraordinária. Como uma pessoa pode agir tão naturalmente a tudo? – se perguntava.

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A questão acima o instigava. Como? – se perguntava, agora deitado na cama, no aparelho de som tocando Lady in red, olhando o teto, pouca iluminação que vinha da janela aberta. O pouco discernimento que tinha da fisionomia de Jéssica também o instigava. Que estranho. Ele tentava, nessa mesma noite do passeio, fugir do sentimento que começava a se originar no meio do peito. Esfregava o peito tentando expulsá-lo, fazê-lo sumir. Isso não pode ser. Faz tão pouco tempo. Tão pouco tempo! O jeito é dormir. Amanhã estarei melhor... Dormiu com o som ligado. Tocava Words do Bee Gees.

* Publicado originalmente no livro Manicômio (2012).

** Continua no dia 29 de abril.