Por Cláudio B. Carlos
Ele não conhecia os filmes de caubói, por isso, quando os novelos de cisco rolavam pela imensidão do terreiro seco, não fazia a óbvia analogia. Ali não tinha Clint Eastwood, nem Lee Van Cleef, nem Burt Lancaster – tinha o Durvalino, o Deodato e o Deoclécio. Ali não tinha Marianne Koch, nem Claudia Cardinale, nem Carla Mancini – tinha a Jandira, a Jurema e a Jeneci. Ennio Morricone era o guaipeca magricela, sonolento, pulguento e mais uns dois ou três entos. Talvez Morricone fosse o bem-te-vi, o sabiá, o quero-quero, o mugido do gado (coitado – magro que só) ou o relincho do pingo amarelo – que mascava o freio, num devaneio, quiçá, de verde capim. Talvez o Ennio fosse tudo isso misturado – tudo ao mesmo tempo. Ali não tinha saloon – tinha a venda do Doca, a pensão da Deolinda e o puteiro da Durvalina. O som grave do cello era, ali, o ronco da fome – dentro das cordas frouxas das tripas vazias, da barriga vazia. As cenas, ali, não eram dirigidas por Sergio Leone – eram arranjadas por um deus melenudo, representado num calendário velho que insistia sempre no mesmo mês do eterno ano. Ali não tinha orquestra – tinha o Telmo de Lima Freitas, o Cenair Maicá e o Pedro Ortaça – que se quarteavam nas fugidias ondas da estação de amplitude modulada. Ele não conhecia os filmes de caubói, por isso, quando rebrilhou, ao longe, a espora de prata do cavaleiro que, a galope, levantava poeira na estradinha sinuosa, não fez a óbvia analogia.