Me aparece, esbaforido, o Romualdo – 20h45: entra no bar com a camisa arremangada, apesar do frio.
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Romualdo era um tipo magrizel, aloirado, lábios finos e boca murcha – típico teuto-rio-grandense. O risco e o fedor. A boca murcha lhe rendeu o apelido de “Cu de Galinha”, que foi sofrendo alterações até chegar no afrancesado “Dirrã” – diminuição de “Cu di Rã”. O Romualdo, naturalmente, não gostava de ser chamado de Cu de Galinha, nem de Dirrã, nem de Cu di Rã, e, evidentemente que por isso mesmo, os apelidos, todos, pegaram. Eu, por sermos mui amigos, não o chamava assim. Pensava, às vezes, mas não falava. Outra coisa, que de vez em quando pensava, é que se o Romualdo soubesse o verdadeiro significado de “dirrã”, poderia adotar o apelido, e ainda se sair bem. Mas é claro que ele não sabia. Eu mesmo só descobri por acaso, quando folheava uma revista na sala de espera do dentista. A publicação apresentava uma matéria sobre as moedas do mundo, e aí entrou o “dirrã”: moeda de prata usada em Portugal no início do domínio mouro – ou qualquer coisa assim. Bueno, o fato é que me aparece, esbaforido, o Romualdo. Entra no bar com a camisa arremangada, apesar do frio. 20h45 – eu já disse, né?
Vem direto à minha mesa, se acotovelando no adensado de gente. Diz:
__ Oi.
Respondo:
__ Oi.
Romualdo se senta e, com um gesto, pede um copo. Acendo um cigarro, em silêncio. Naquela época eu só fumava Carlton, ou Free (era a modinha do momento). Estava estranho, o Romualdo: os olhos esbugalhados, mais quieto que guri cagado. Dou uma longa tragada no careta e pergunto:
__ E aí?
Olha para os lados, e responde:
__ Cara, que foda, meu.
Indago:
__ Hã?
__ Nem te conto – ele disse.
Pego o maço de cigarros com a mão direita e bato-o levemente no indicador esquerdo para que se afrouxem dentro da carteira, e lhe ofereço um. Ele pega. Acendo (eu só acendia cigarros com isqueiro Bic, ou com fósforo: era o que se tinha para o momento). Romualdo dá uma tragada nervosa, soltando a fumaça pelo nariz. Com o copo na mão, olha para os lados (mais uma vez) e dispara:
__ Acabo de matar um cara.
__ Quê? – pergunto.
__ Um cara – responde. — Acabo de matar um cara – reforça.
__ Como? – quero saber.
__ Atropelado – diz.
__ Quem? – interrogo.
__ O Maravalha – fala.
__ O Maravalha? – digo.
( O livro está em pré-venda no site da Editora Coralina. )
Cláudio B. Carlos é poeta, prosador e comunicador. Nasceu em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, Rio Grande do Sul. Atua no mercado literário como editor, preparador e revisor de textos. Apresenta o podcast Balaio de Letras. Vive em Cachoeira do Sul. Escreve para sites, revistas e jornais, do Brasil e de Portugal. Publicou Um arado rasgando a carne – narrativas (Editora Maneco, 2005), O aprendiz de poeta – infantil (Editora Maneco, 2005) e O uniforme – narrativas (Editora Maneco, 2007).