Por Milton Rezende
Um sorriso
Um dia ainda vou sorrir
mostrar meus dentes
para aqueles que me acham sem eles.
Será um sorriso assim
sem sorriso
sem graça
como o próprio ato de sorrir.
Mas será um sorriso
ainda que
pálido-amarelado-mofado.
Virá do acaso
do asco
de existir.
Um sorriso amofinado
para ser rido talvez
no dia de finados.
Um sorriso sarcástico
irônico e crônico
como o tédio de sorrir.
Virá do inesperado
pode ser numa festa
numa mesa de bar
numa missa ou
num velório de um amigo.
Não haverá contração do rosto
e muito menos
sinais de rugas nos olhos.
Será assim
como uma contração de parto,
nascido suado.
Expressão do estômago ao vomitar.
Luzes noturnas
Com algumas luzes
que roubei do dia,
edifico um palco
e nele instalo minha alquimia.
Expliquei,
com meu silêncio,
a descendência do erro
e continuei sendo uma incógnita
para mim mesmo.
Observei,
com minha ausência,
a natureza mesma das coisas
e na aparência em que elas se apoiam
sem contudo deixarem de ser neutras.
Passei despercebido
pelos camarotes
e toquei fogo
na indumentária
dos figurantes.
Depois deixei o palco,
circunspeto com as luzes
que teciam o óbvio de seu lume
para uma plateia inexistente.
E quando o dia incorporou
as poucas luzes que dele roubei
com sua claridade geral,
eu percebi o equívoco
de minha mágica noturna
ao acordar sozinho no vestiário.
Do livro O
acaso das manhãs (Edicon, 1986). Pedidos de exemplares pelo
e-mail coisasprobule@gmail.com. Preço: R$ 20,00 + R$ 10,00 frete = R$
30,00.