18 de jul. de 2020

Duas micronarrativas de Adrianna Alberti

Euforia 

Os olhos encheram de água, antes mesmo do cérebro computar completamente o que recebia. O coração disparou na garganta, formando um nó – surpreendentemente adocicado – enquanto o corpo todo aquecia. As pernas moles, a mão inquieta, e pouco a pouco, meus ouvidos eram preenchidos por aquela voz arranhada e profunda, a língua não domada, mas não importa, a harmonização é universal. Eu senti a lágrima antes mesmo do início da terceira frase. E as cores, miríades: pele, cabelo, olhos e lábios, em uma combinação mortal de roupas pretas. Mas em verdade era o sorriso a causa da minha ruína.  


O líder

Ela se mexeu! Atentem-se, ela se mexeu. Saiu daquela cadeira dura e finalmente está andando pela casa. Silêncio e observem! Se ela for para a caixa de água, estejam preparados: ela não pode ficar sozinha! Ela é um pouco inábil quando se trata de fazer suas necessidades. Não, é nossa chance, a comida. Gritem! GRITEM! Sim, conseguimos, ela está nos servindo, comida nova. Onde já se viu? Ela não come comida do dia anterior, mas nos deixa até estarmos famintos com meio prato. Atentos? Agora sim, podemos simplesmente deitar, cheios bem na sua frente. RONRONEM! Ela nunca resiste.