7 de out. de 2012

Entrevista


A entrevista abaixo foi concedida ao Alberto Alves da Acíbel, Associação Literária de Santa Bárbara d'Oeste, pelo Colunista dO Bule Daniel Lopes: 

1)Quando descobriu que tinha vocação para ser escritor? Fale um pouco de seu início nas escritas.

R: Antes de tudo era o desencaixe. A sensação de espanto diante do mundo. Lembro de uma vez que estava na igreja com minha mãe, ela era catequista, e fiquei espantado de ela existir e ser alguém, e ter um rosto, uma personalidade e de estarmos ali, naquele exato lugar, naquele exato momento, lançados neste planeta doido e doído, e eu me perguntava: pra quê, afinal de contas? Não seria mais natural o nada? Por que existíamos e sabíamos, e tínhamos certeza, de que um dia não existiríamos mais? Enquanto o homem é, está na aporia da morte. Foi o que desesperou Buda. Se eu fosse um homem de fé verdadeira, se tivesse certeza de que Deus existe, então tudo estaria resolvido, e eu talvez não escrevesse uma linha sequer, mas não consigo acreditar com este fogo. Todas as coisas podem não ser mais que mera coincidência. Talvez não tenha sentido algum as milhares de pessoas que já pisaram neste planeta e sofreram, e amaram, e morreram e... Drogas... Alcoolismo... Incestos... Amores mal resolvidos... Mais incestos... Humilhações... Assassinatos... A minha escrita é só o registro, com sangue e plasma, deste desconforto: a materialização de tantas questões que, apesar de tudo, não podem ser respondidas, sequer formuladas com palavras. Talvez a música toque. A escrita, entretanto, começou efetivamente na adolescência, em vários cadernos que eu preenchia, só porque registrar a angústia aliviava. Não há respostas, só o constante arranhar a face do enigma.

2) Em seus livros você gosta de usar uma ordem cronológica ?

 R: Não, não me preocupo com o tempo ou com questões formais. Tanto pode haver uma ordem cronológica como não. Minha preocupação não é inovar a prosa, mas tocar o plasma, o humano. Não é uma literatura para a cabeça, mas para o espírito. Não quero ser inovador, quero ser verdadeiro, embora, às vezes, para ser verdadeiro, precisemos inovar. Mas não vem de fora para dentro e sim de dentro para fora.


3)Ao escrever PIANISTA BOXEADOR buscou inspiração em alguma historia cotidiana ou usou alguma técnica que facilitasse a criação?

R: Acredito que o artista parte do cotidiano, mas enxerga o interior das coisas onde os outros enxergam a casca. Van Gogh só precisava de um girassol murcho e de seu próprio quarto pra revelar sua verdade. O artista enxerga o brilho de todas as coisas e percebe nelas portas para o Absoluto, uma espécie de panteísmo no qual tudo é santo. Para o arquiteto, ou engenheiro, ou político, uma janela é só uma janela. Para o artista, a janela pode ser o lugar onde um cachorrinho vira-latas esperava o dono todos os dias voltar da escola, até o dia em que o dono morreu atropelado e o cachorrinho continuou esperando. A Arte, a literatura, são humanas e o humano tem o dom de Mundificar a Terra, Larificar a Casa, enfim, encher de sentido a matéria, a primeira vista, opaca. Um balanço seria só um balanço, não houvesse crianças, a madeira seria para sempre opaca, mas o menino pode brincar nele e sonhar, enquanto vai e vem, e sentir saudades do pai separado que não o visita há muito tempo. Tanto o médium quanto o artista podem perceber isto. Também se pode tomar um ácido, ou ler Heidegger... Nosso planeta está destruído porque expulsamos o sagrado para o além. Começou com Platão e o processo só se intensificou com o cristianismo, que Nietzsche dizia não ser mais que platonismo para a ralé. Tinha razão. As sociedades primitivas respeitam cada árvore porque todas elas SÃO. Nossos Deuses estão no além, a Terra é o domínio do Mal, consequência da metafísica, podemos destruí-la de consciência tranquila. Jeová ainda fazia suas visitas à Terra, depois silenciou, retirou-se.

4) O livro  PIANISTA BOXEADOR traz em seus trechos partes interessantes de um personagem que retrata sua realidade e algumas vezes ficções , como "... ver brotar na sua barriga ... um botão de rosa" , há alguma momento em que você fica em duelo entre continuar a escrever com essa riqueza que traz a ficção ou escrever mais sobre a realidade?

R: O que é a realidade? A imaginação é parte da realidade. Não é o mundo historicamente instituído, ou o que é científico, que é real. A desgraça de nosso tempo é que as crianças já nascem científicas. O real é o mundo que se constrói sobre a Terra. Os pré-socráticos chamavam de physis o abraço entre o ser e o ente, não havia uma separação metafísica entre o transcendente e o temporal. O mundo não era opaco, pois tudo tinha o brilho de ser e de abrir-se para o Ser. Não é o racional que é real. Não é o científico que é real. Não é o social que é o real. O real é o Todo. Neste sentido, sou o mais realista dos escritores. Ainda que seja um péssimo escritor, sou um um bom amanuense e vejo coisas que enganam a lógica e driblam a razão.

5)O que o leitor pode esperar de mais surpresa no livro e onde adquiri-lo? 

R: Antes de terminar, gostaria de agradecer profundamente à Acibel. O que o leitor pode esperar do livro é que não seja um artifício técnico, ou uma mentira bem embalada. Foi um livro escrito por um homem, não por um autor. Durante a revisão, cada palavra que precisava ser cortada, era como uma parte do meu próprio corpo que era arrancada. Não moro só no corpo, moro no que vejo e no que escrevo. O livro é um abraço, um amigo que espera o encontro com aqueles que passaram pelos mesmo lugares. Pianista Boxeador pode ser comprado pela internet em quase todas as livrarias ou no site da editora Confraria do Vento.