ELENILSON NASCIMENTO - A crítica critica sem ler as obras? Muitos supostos
leitores idem. Dizem que você é um autor politicamente incorreto e avesso ao
marketing (adorei isso!) e que tem uma “imensa vocação de incomodar os leitores
e supostos críticos”. Não acha que isso já é um fator positivo num país de
bitolados e parasitas?
ROGERS SILVA - Não sei quem disse isso, mas realmente sou avesso
ao politicamente correto, que acho algo perigosíssimo disfarçado de “boas
intenções”. A liberdade de expressão deveria ser algo sagrado, porque é uma das
poucas coisas que nos resta. No entanto, há uma onda aí de cerceamento das
opiniões. Se alguém hoje diz que não aceita a prática homossexual, por exemplo,
é tachado, agredido verbalmente, especialmente por aqueles que a defendem ou
praticam. É perigoso, dependendo da opinião, ser até processado, preso. Particularmente
acho que a pessoa deve ter a liberdade de não aceitar a prática homossexual,
por exemplo (e estou dando apenas um exemplo em meio a tantos outros...), desde
que respeite as pessoas que pensam e agem diferente dela. Ou seja, tudo se
resume a tolerância e respeito, sobretudo a ideias, atitudes e opiniões
diferentes das suas. O evangélico deve respeitar e aceitar os homossexuais, por
exemplo, e não querer criar leis que os impeçam de viver sua homoafetividade,
mas o mesmo vale para os últimos, que devem respeitar e aceitar as ideias,
opiniões e crenças dos evangélicos. Se não for assim, lutamos então por uma
grande hipocrisia conveniente tão-somente aos nossos interesses particulares...
Sobre a outra questão: o dia em que eu fizer uma
literatura que não mexa com o leitor, que não o comova, que não o provoque,
realmente não vejo mais sentido em escrever...
ELENILSON NASCIMENTO - Você tem acompanhado a nova dramaturgia e
literatura brasileira? Quais novidades que mais te agradam e desagradam?
ROGERS SILVA - A nova dramaturgia não tenho acompanhado, mas a
nova literatura, sim. O BULE, o site do qual falamos antes, publica bastante
novos autores, muitos deles já publicados em livro. Ademais, já entrevistamos
renomados autores da literatura contemporânea, como Luiz Rufatto, André de
Leones, Esdras do Nascimento, Marcelo Mirisola, Luís Henrique Pellanda, Italo
Moriconi, Ana Paula Maia, Moacir C. Lopes e Nelson de Oliveira. Há muito
escritores de que gosto atualmente. O Nelson de Oliveira é um deles. Acho que
faz uma literatura inventiva, que é a que mais me agrada.
ELENILSON NASCIMENTO - De uma maneira geral, quais são os escritores de
todos os tempos que mais te seduzem?
ROGERS SILVA - Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Lygia
Fagundes Telles, Campos de Carvalho, José Saramago, Milan Kundera, Edgar Allan
Poe, Guimarães Rosa, Dostoiévski, Tchecov, Roberto Drummond e tantos outros...
ELENILSON NASCIMENTO - O sistema educacional brasileiro de hoje favorece
um cara da periferia das grandes cidades ou lá do “cu do mundo” a querer fazer
literatura?
ROGERS SILVA - De forma alguma. Falo por experiência própria, pois
eu sou esse indivíduo da periferia de uma média cidade, ou seja, do “cu do
mundo”, que estudou a vida toda em escolas públicas. Para mim (e para os meus
irmãos, por exemplo) tudo foi mil vezes mais difícil do que para alguém de
classe média, ou classe média alta, que estudou em escolas particulares. O
esforço que nós que tivemos que fazer para conseguir algo é substantivamente
maior que os que possuíram condições, financeiras e educacionais, melhores do que
as nossas. O sistema escolar público, e a família de classe social baixa,
normalmente não incentivam a leitura, a escrita, as artes. São poucos desse
meio em que vivi, por exemplo, que se tornam (tornaram) artistas. Só os loucos
mesmo.
ELENILSON NASCIMENTO - Eu não acredito mais em política e em muitas outras
coisas. Não há reajuste de salário mínimo que faça o senso comum acreditar em
falas políticas dessa natureza, quando o que se vê na TV é uma quadrilha de
prefeitos presos por, literalmente, roubar comida de criancinha. Você ainda tem
esperanças de que o Brasil venha tomar vergonha na cara e mudar de rumo?
ROGERS SILVA - Talvez o Brasil melhore, sim. Minha dúvida é saber
se ainda estarei vivo para aproveitar essa mudança...
ELENILSON NASCIMENTO - Dizem que nossas leituras nos mudam. Talvez a
mudança não dure para sempre. Só o tempo de viajar em outro livro. O que
fascina o Rogers nas suas leituras?
ROGERS SILVA - Gosto de livros que me comovem, que me façam
refletir, que sejam um soco no estômago, que façam diferença em minha vida,
mesmo que seja apenas por alguns minutos. Os aguinha-com-açúcar não me
interessam...
ELENILSON NASCIMENTO - E quanto a escrever? Essa capacidade de viver
várias vidas dentro de uma só te incomoda?
ROGERS SILVA - Escrever é uma maneira de (como você disse) viver
minhas várias vidas e personalidades. Se eu não escrevesse (e quando não
escrevo), essas vidas precisam ser vividas de outras maneiras, e é aí que a
porca torce o rabo, já que não é possível viver tanta vida na vida real.
ELENILSON NASCIMENTO - Você, de alguma forma, também questiona a opressão
da religião no seu livro Manicômio,
especificamente no conto “A última revolta de Jesus Cristo” (“O
pranto sobre a cidade condenada. A figueira estéril. As profecias doíam. A
ambição dos humanos. A agonia passada”). Adorei esse texto! O
retardado do Silas Malafaia, por exemplo, diz que seus pastores ganham até R$
22 mil por mês, então, o que você acha dessa remuneração de pastores, muitas
vezes, semi-analfabetos? Podemos dizer que religião hoje no século XXI virou
títulos capitalista e comercial?
ROGERS SILVA - Acho que qualquer pessoa que se dedique a alguma
coisa, que trabalha em algo, que gaste seu tempo, deve receber, e isso inclui
lixeiros, artistas, escritores, domésticas, pastores. Não sou contra pastores
receberem pelo que fazem, até porque todos eles têm estômago, necessidades como
qualquer outro ser humano (alguns, inclusive, famílias para sustentarem). Receber
pelo esforço do seu trabalho é bíblico, inclusive. Não sou, muito menos, contra
semi-analfabetos ganharem dinheiro, ainda mais no Brasil, um país que destitui
(e destituiu) o direito de muitos estudarem e se formarem. Não sou tão
reacionário ao ponto de defender apenas aqueles que possuem formação acadêmica
estarem em grandes postos, ganhando muito dinheiro. No entanto, no que se
refere à ligação da religião com questões financeiras, realmente há uma
deturpação total dos ensinamentos da Bíblia, dos ensinamentos de Cristo. Sem
querer generalizar, já que há igrejas muito diferentes uma das outras, mas muitos
pastores ou não leem a Bíblia ou leem apenas o que convém ou, o que é pior,
leem e a deturpam segunda a sua conveniência e interesses. É uma pena, porque
se todos vivessem os verdadeiros ensinamentos de Cristo, e fossem espelhos
dele, o mundo com certeza seria muito melhor. No entanto, isso não acontece e,
com certeza, nunca acontecerá.
ELENILSON NASCIMENTO - O ator Pedro Cardoso é contra a nudez no teatro, na
TV e no cinema, mas ele já protagonizou vários filmes em que apareciam cenas de
sexo. Ele acha que é só uma questão estética, ética e, por fim, moral, que a
nudez provoca uma crise na narrativa. Qual a sua posição com relação a esse
tema?
ROGERS SILVA - A nudez (ou o erotismo), quando contextualizada e
necessária, realmente deve fazer parte da arte, da narrativa enfim. No entanto,
logicamente que há muita gente que a usa de forma apelativa, apenas para chamar
a atenção. No teatro, mais especificamente, muitos só conseguem criar uma obra
artística no Brasil se alguém tirar a roupa. Acho de uma falta de criatividade muito
grande.
ELENILSON NASCIMENTO - Você assinaria um manifesto que dissesse que as
atrizes brasileiras estão sendo subjugadas por uma pornografia disfarçada de
entretenimento?
ROGERS SILVA - Provavelmente eu só assinaria um manifesto que eu
mesmo escrevesse...
ELENILSON NASCIMENTO - Escrever literatura no Brasil é uma tarefa ingrata?
É uma atividade marginalizada?
ROGERS SILVA - Sim, escrever literatura no Brasil é extremamente
ingrato, sobretudo no sentido financeiro e no que se refere ao reconhecimento.
Aqui, escrever uma letra de música que diz algo do tipo “tcherê tchê”, ou
“uhná-unhá”, ou “blu-blu-gá-gá”, ou qualquer coisa parecida com uma linguagem
primitiva e infatilizante, é muito mais recompensador e proporciona muito mais
dinheiro e reconhecimento. Não subestimemos a importância da imbecilização da
população: é algo que traz vantagens enormes. Pena que não estou disposto a promovê-la.
ELENILSON NASCIMENTO - Qual seria realmente a melhor alternativa para um
escritor (sem mídia) que quer se fazer notar nos círculos literários? Ter um
blog? Participar de bienais e festas literárias?
ROGERS SILVA - Há várias alternativas. Ter um blog e/ou site é
essencial hoje em dia para um escritor. Estar atento às redes sociais (e
usá-las bem), também. Participar e promover eventos são importantes. Enfim, o
escritor precisa se mostrar, “aparecer”, publicar e divulgar sua obra. Só assim
ele se tornará conhecido, primeiro, dos seus pares e, quem sabe, do grande
público (de literatura).
ELENILSON NASCIMENTO - Um jornalista arrogante de um jornaleco de Salvador
me perguntou se ainda existia gente que escrevia em blogues e que (ele) pensou
que o Facebook havia acabado com todos os blogues. O que você acha sobre isso?
ROGERS SILVA - Certa arrogância da mídia tradicional, um pouco de
preconceito e falta de conhecimento. A mídia tradicional deve dialogar com a
internet, pois não são coisas excludentes, como alguns pensam. Muitos –
equivocadamente – ainda não perceberam isso. Hoje em dia não é inteligente
subestimar a importância da internet, das redes sociais, dos blogs, do Facebook
enfim. O Facebook, a meu ver, é uma onda que passará como todas ondas passam. O
difícil é saber quando e o que virá depois.
ELENILSON NASCIMENTO - O cinema americano foi feito porque antes dele a
sociedade americana havia produzido uma enorme literatura. Cerca de 90% dos
filmes americanos são baseados na literatura americana. A literatura americana
inundou o cinema americano com um manancial de excelentes ideias. Então o
Brasil – atrasado como sempre – começou também a adaptar a sua literatura para
o cinema, seja ela baseada em teatro ou no romance. Como você encara o fato das
pessoas ainda terem muito preconceito com relação ao cinema e à literatura
nacional?
ROGERS SILVA - O preconceito é fruto de uma colonização
não-percebida e histórica: de considerar tudo que vem de fora melhor do que é
criado aqui. No caso da literatura, não acredito que a dos EUA seja melhor do
que a brasileira. Já o cinema estadunidense, nas questões especificamente técnicas,
realmente está muito à frente do brasileiro, o que não quer dizer que o cinema
nacional seja ruim. Particularmente não acho. Gosto muito do cinema nacional,
que tem se preocupado mais com as questões estéticas e de conteúdo. Além do
preconceito, da colonização, há toda uma explicação mercadológica, que é
difícil de tratar aqui e que já tratei, superficialmente, no texto Literatura estrangeira é muito melhor.
ELENILSON NASCIMENTO - Como é você lidar com esses dois lados: sucesso e
deserto?
ROGERS SILVA - Até hoje só sei como é lidar com o deserto...
ELENILSON NASCIMENTO - Definir-se como artista não soa pretensioso ou
pejorativo no Brasil?
ROGERS SILVA - Depende... Artista, para a grande maioria da
população, é quem aparece na televisão, principalmente na Globo. Nesse caso,
ser artista é uma honra, já que pode tudo e ganha todos os louvores de todo
mundo, na vida e na morte. Agora, na concepção verdadeira de artista, é um
fardo, já que o artista é aquele indivíduo solitário e sensível, que vive por
conta da sua arte e não se preocupa muito com o retorno financeiro sobre ela. Resumindo,
na cabeça da maioria é assim: eu não tenho o direito de ser artista, já que sou
apenas um escritor iniciante e desconhecido, mas a Viviane Araújo tem, já que
ela aparece (sobretudo sua bunda) na televisão. Ela pode se auto-intitular
artista; eu não. Os valores andam
mudados...
* Esta entrevista foi publicada originalmente no blog Literatura Clandestina, do escritor Elenilson Nascimento.
** Confira a primeira parte da entrevista AQUI.