6 de out. de 2012

Elenilson Nascimento entrevista o colunista Rogers Silva - Parte II




ELENILSON NASCIMENTO - A crítica critica sem ler as obras? Muitos supostos leitores idem. Dizem que você é um autor politicamente incorreto e avesso ao marketing (adorei isso!) e que tem uma “imensa vocação de incomodar os leitores e supostos críticos”. Não acha que isso já é um fator positivo num país de bitolados e parasitas?
ROGERS SILVA - Não sei quem disse isso, mas realmente sou avesso ao politicamente correto, que acho algo perigosíssimo disfarçado de “boas intenções”. A liberdade de expressão deveria ser algo sagrado, porque é uma das poucas coisas que nos resta. No entanto, há uma onda aí de cerceamento das opiniões. Se alguém hoje diz que não aceita a prática homossexual, por exemplo, é tachado, agredido verbalmente, especialmente por aqueles que a defendem ou praticam. É perigoso, dependendo da opinião, ser até processado, preso. Particularmente acho que a pessoa deve ter a liberdade de não aceitar a prática homossexual, por exemplo (e estou dando apenas um exemplo em meio a tantos outros...), desde que respeite as pessoas que pensam e agem diferente dela. Ou seja, tudo se resume a tolerância e respeito, sobretudo a ideias, atitudes e opiniões diferentes das suas. O evangélico deve respeitar e aceitar os homossexuais, por exemplo, e não querer criar leis que os impeçam de viver sua homoafetividade, mas o mesmo vale para os últimos, que devem respeitar e aceitar as ideias, opiniões e crenças dos evangélicos. Se não for assim, lutamos então por uma grande hipocrisia conveniente tão-somente aos nossos interesses particulares...
Sobre a outra questão: o dia em que eu fizer uma literatura que não mexa com o leitor, que não o comova, que não o provoque, realmente não vejo mais sentido em escrever...

ELENILSON NASCIMENTO - Você tem acompanhado a nova dramaturgia e literatura brasileira? Quais novidades que mais te agradam e desagradam?
ROGERS SILVA - A nova dramaturgia não tenho acompanhado, mas a nova literatura, sim. O BULE, o site do qual falamos antes, publica bastante novos autores, muitos deles já publicados em livro. Ademais, já entrevistamos renomados autores da literatura contemporânea, como Luiz Rufatto, André de Leones, Esdras do Nascimento, Marcelo Mirisola, Luís Henrique Pellanda, Italo Moriconi, Ana Paula Maia, Moacir C. Lopes e Nelson de Oliveira. Há muito escritores de que gosto atualmente. O Nelson de Oliveira é um deles. Acho que faz uma literatura inventiva, que é a que mais me agrada.

ELENILSON NASCIMENTO - De uma maneira geral, quais são os escritores de todos os tempos que mais te seduzem?
ROGERS SILVA - Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Campos de Carvalho, José Saramago, Milan Kundera, Edgar Allan Poe, Guimarães Rosa, Dostoiévski, Tchecov, Roberto Drummond e tantos outros...

ELENILSON NASCIMENTO - O sistema educacional brasileiro de hoje favorece um cara da periferia das grandes cidades ou lá do “cu do mundo” a querer fazer literatura?
ROGERS SILVA - De forma alguma. Falo por experiência própria, pois eu sou esse indivíduo da periferia de uma média cidade, ou seja, do “cu do mundo”, que estudou a vida toda em escolas públicas. Para mim (e para os meus irmãos, por exemplo) tudo foi mil vezes mais difícil do que para alguém de classe média, ou classe média alta, que estudou em escolas particulares. O esforço que nós que tivemos que fazer para conseguir algo é substantivamente maior que os que possuíram condições, financeiras e educacionais, melhores do que as nossas. O sistema escolar público, e a família de classe social baixa, normalmente não incentivam a leitura, a escrita, as artes. São poucos desse meio em que vivi, por exemplo, que se tornam (tornaram) artistas. Só os loucos mesmo.

ELENILSON NASCIMENTO - Eu não acredito mais em política e em muitas outras coisas. Não há reajuste de salário mínimo que faça o senso comum acreditar em falas políticas dessa natureza, quando o que se vê na TV é uma quadrilha de prefeitos presos por, literalmente, roubar comida de criancinha. Você ainda tem esperanças de que o Brasil venha tomar vergonha na cara e mudar de rumo?
ROGERS SILVA - Talvez o Brasil melhore, sim. Minha dúvida é saber se ainda estarei vivo para aproveitar essa mudança...

ELENILSON NASCIMENTO - Dizem que nossas leituras nos mudam. Talvez a mudança não dure para sempre. Só o tempo de viajar em outro livro. O que fascina o Rogers nas suas leituras?
ROGERS SILVA - Gosto de livros que me comovem, que me façam refletir, que sejam um soco no estômago, que façam diferença em minha vida, mesmo que seja apenas por alguns minutos. Os aguinha-com-açúcar não me interessam...

ELENILSON NASCIMENTO - E quanto a escrever? Essa capacidade de viver várias vidas dentro de uma só te incomoda?
ROGERS SILVA - Escrever é uma maneira de (como você disse) viver minhas várias vidas e personalidades. Se eu não escrevesse (e quando não escrevo), essas vidas precisam ser vividas de outras maneiras, e é aí que a porca torce o rabo, já que não é possível viver tanta vida na vida real.

ELENILSON NASCIMENTO - Você, de alguma forma, também questiona a opressão da religião no seu livro Manicômio, especificamente no conto A última revolta de Jesus Cristo” (“O pranto sobre a cidade condenada. A figueira estéril. As profecias doíam. A ambição dos humanos. A agonia passada”). Adorei esse texto! O retardado do Silas Malafaia, por exemplo, diz que seus pastores ganham até R$ 22 mil por mês, então, o que você acha dessa remuneração de pastores, muitas vezes, semi-analfabetos? Podemos dizer que religião hoje no século XXI virou títulos capitalista e comercial?
ROGERS SILVA - Acho que qualquer pessoa que se dedique a alguma coisa, que trabalha em algo, que gaste seu tempo, deve receber, e isso inclui lixeiros, artistas, escritores, domésticas, pastores. Não sou contra pastores receberem pelo que fazem, até porque todos eles têm estômago, necessidades como qualquer outro ser humano (alguns, inclusive, famílias para sustentarem). Receber pelo esforço do seu trabalho é bíblico, inclusive. Não sou, muito menos, contra semi-analfabetos ganharem dinheiro, ainda mais no Brasil, um país que destitui (e destituiu) o direito de muitos estudarem e se formarem. Não sou tão reacionário ao ponto de defender apenas aqueles que possuem formação acadêmica estarem em grandes postos, ganhando muito dinheiro. No entanto, no que se refere à ligação da religião com questões financeiras, realmente há uma deturpação total dos ensinamentos da Bíblia, dos ensinamentos de Cristo. Sem querer generalizar, já que há igrejas muito diferentes uma das outras, mas muitos pastores ou não leem a Bíblia ou leem apenas o que convém ou, o que é pior, leem e a deturpam segunda a sua conveniência e interesses. É uma pena, porque se todos vivessem os verdadeiros ensinamentos de Cristo, e fossem espelhos dele, o mundo com certeza seria muito melhor. No entanto, isso não acontece e, com certeza, nunca acontecerá.

ELENILSON NASCIMENTO - O ator Pedro Cardoso é contra a nudez no teatro, na TV e no cinema, mas ele já protagonizou vários filmes em que apareciam cenas de sexo. Ele acha que é só uma questão estética, ética e, por fim, moral, que a nudez provoca uma crise na narrativa. Qual a sua posição com relação a esse tema?
ROGERS SILVA - A nudez (ou o erotismo), quando contextualizada e necessária, realmente deve fazer parte da arte, da narrativa enfim. No entanto, logicamente que há muita gente que a usa de forma apelativa, apenas para chamar a atenção. No teatro, mais especificamente, muitos só conseguem criar uma obra artística no Brasil se alguém tirar a roupa. Acho de uma falta de criatividade muito grande.

ELENILSON NASCIMENTO - Você assinaria um manifesto que dissesse que as atrizes brasileiras estão sendo subjugadas por uma pornografia disfarçada de entretenimento? 
ROGERS SILVA - Provavelmente eu só assinaria um manifesto que eu mesmo escrevesse...

ELENILSON NASCIMENTO - Escrever literatura no Brasil é uma tarefa ingrata?  É uma atividade marginalizada?
ROGERS SILVA - Sim, escrever literatura no Brasil é extremamente ingrato, sobretudo no sentido financeiro e no que se refere ao reconhecimento. Aqui, escrever uma letra de música que diz algo do tipo “tcherê tchê”, ou “uhná-unhá”, ou “blu-blu-gá-gá”, ou qualquer coisa parecida com uma linguagem primitiva e infatilizante, é muito mais recompensador e proporciona muito mais dinheiro e reconhecimento. Não subestimemos a importância da imbecilização da população: é algo que traz vantagens enormes. Pena que não estou disposto a promovê-la.

ELENILSON NASCIMENTO - Qual seria realmente a melhor alternativa para um escritor (sem mídia) que quer se fazer notar nos círculos literários? Ter um blog? Participar de bienais e festas literárias?
ROGERS SILVA - Há várias alternativas. Ter um blog e/ou site é essencial hoje em dia para um escritor. Estar atento às redes sociais (e usá-las bem), também. Participar e promover eventos são importantes. Enfim, o escritor precisa se mostrar, “aparecer”, publicar e divulgar sua obra. Só assim ele se tornará conhecido, primeiro, dos seus pares e, quem sabe, do grande público (de literatura).

ELENILSON NASCIMENTO - Um jornalista arrogante de um jornaleco de Salvador me perguntou se ainda existia gente que escrevia em blogues e que (ele) pensou que o Facebook havia acabado com todos os blogues. O que você acha sobre isso?
ROGERS SILVA - Certa arrogância da mídia tradicional, um pouco de preconceito e falta de conhecimento. A mídia tradicional deve dialogar com a internet, pois não são coisas excludentes, como alguns pensam. Muitos – equivocadamente – ainda não perceberam isso. Hoje em dia não é inteligente subestimar a importância da internet, das redes sociais, dos blogs, do Facebook enfim. O Facebook, a meu ver, é uma onda que passará como todas ondas passam. O difícil é saber quando e o que virá depois.

ELENILSON NASCIMENTO - O cinema americano foi feito porque antes dele a sociedade americana havia produzido uma enorme literatura. Cerca de 90% dos filmes americanos são baseados na literatura americana. A literatura americana inundou o cinema americano com um manancial de excelentes ideias. Então o Brasil – atrasado como sempre – começou também a adaptar a sua literatura para o cinema, seja ela baseada em teatro ou no romance. Como você encara o fato das pessoas ainda terem muito preconceito com relação ao cinema e à literatura nacional?
ROGERS SILVA - O preconceito é fruto de uma colonização não-percebida e histórica: de considerar tudo que vem de fora melhor do que é criado aqui. No caso da literatura, não acredito que a dos EUA seja melhor do que a brasileira. Já o cinema estadunidense, nas questões especificamente técnicas, realmente está muito à frente do brasileiro, o que não quer dizer que o cinema nacional seja ruim. Particularmente não acho. Gosto muito do cinema nacional, que tem se preocupado mais com as questões estéticas e de conteúdo. Além do preconceito, da colonização, há toda uma explicação mercadológica, que é difícil de tratar aqui e que já tratei, superficialmente, no texto Literatura estrangeira é muito melhor.

ELENILSON NASCIMENTO - Como é você lidar com esses dois lados: sucesso e deserto?
ROGERS SILVA - Até hoje só sei como é lidar com o deserto...

ELENILSON NASCIMENTO - Definir-se como artista não soa pretensioso ou pejorativo no Brasil? 
ROGERS SILVA - Depende... Artista, para a grande maioria da população, é quem aparece na televisão, principalmente na Globo. Nesse caso, ser artista é uma honra, já que pode tudo e ganha todos os louvores de todo mundo, na vida e na morte. Agora, na concepção verdadeira de artista, é um fardo, já que o artista é aquele indivíduo solitário e sensível, que vive por conta da sua arte e não se preocupa muito com o retorno financeiro sobre ela. Resumindo, na cabeça da maioria é assim: eu não tenho o direito de ser artista, já que sou apenas um escritor iniciante e desconhecido, mas a Viviane Araújo tem, já que ela aparece (sobretudo sua bunda) na televisão. Ela pode se auto-intitular artista; eu não.  Os valores andam mudados...


* Esta entrevista foi publicada originalmente no blog Literatura Clandestina, do escritor Elenilson Nascimento.
** Confira a primeira parte da entrevista AQUI.