6 de out. de 2012

Elenilson Nascimento entrevista o colunista Rogers Silva - Parte I



ELENILSON NASCIMENTO: Rogers, antes de mais nada, muito obrigado por essa oportunidade e pelo livro que você me deu. Queria logo saber se esses temas sobre comportamentos sexuais, loucuras, feridas, devaneios, paranoias, sedução e, de certa forma, solidão, tão trabalhados nos seu livro Manicômio, são atemporais ou se já não causam o mesmo impacto?
ROGERS SILVA: Oi, Elenilson, eu que agradeço pela entrevista. Vamos lá. Acho, sim, que esses temas são atemporais/universais, juntamente com outros como amor, morte, paixão, desencontros familiares e/ou amorosos, que no livro são a causa de toda essa solidão, loucura, paranoia, feridas. Há, hoje em dia, poucos livros de literatura que se propõem a tratar desses temas. Talvez porque os autores tenham medo de parecerem démodé ou porque não consigam tratá-lo de forma diferente, original. É o que tento (não sei se consigo) com o livro Manicômio.

ELENILSON NASCIMENTO: Quais foram os primeiros livros que leu? Esses livros chegaram a lhe marcar de alguma forma? Influenciam até hoje?
ROGERS SILVA: Eu, se comparado a tantos outros escritores, comecei a ler – literatura – muito velho, com 18 anos. Naquela época os livros que mais me marcaram foram Dom Casmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; A noite escura e mais eu, de Lygia Fagundes Telles; Farewell, de Carlos Drummond de Andrade; Angústia, de Graciliano Ramos; O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Não sei se todos, mas alguns desses influenciaram enormemente a escritura do livro Manicômio. Drummond, Machado e Lygia estão lá: explicitamente.

ELENILSON NASCIMENTO: Estou me divertindo horrores com o Manicômio, debochado e narcisista. Contos como Clarissa e Um voo entre as estrelas e o chão são imperdíveis. Como está sendo a receptividade do público e da crítica com esse trabalho?
ROGERS SILVA: A crítica especializada ainda pouco se manifestou sobre o livro, até porque sua publicação ainda está muito recente e a divulgação se iniciou somente agora, com o lançamento do meu site (www.rogerssilva.com). Um ou outro crítico (formador de opinião) escreveu ou comentou sobre o livro comigo. Por outro lado, do público em geral (inclusive o que podemos considerar o “leitor médio”) estou recebendo muito feedback, muitos comentários. Particularmente não pergunto sobre o livro, sobre o que o leitor está achando etc. Prefiro que esses comentários surjam espontaneamente, e isso está acontecendo muito, para minha felicidade. Estou recebendo ótimos comentários sobre o livro, de jovens de 14 anos a pessoas mais velhas. Essas pessoas me mandam torpedo, conversam comigo no MSN ou mesmo pessoalmente, criam posts no Facebook ou Orkut, divulgam o livro no Twitter, e tudo espontaneamente. O mais interessante é que cada pessoa gosta de uma narrativa diferente. Algumas dessas narrativas, inclusive, estão me surpreendendo, porque eram as que eu menos gostava e, no entanto, são das quais mais recebo retorno positivo.

ELENILSON NASCIMENTO: O conto A ambiguidade do sol: uma viagem ruim parece dedicado ao Bukowski. Ele é uma das suas referências? 
ROGERS SILVA: Não, não. Nunca li uma linha desse autor.

ELENILSON NASCIMENTO: Como é feita a direção do seu trabalho? É uma autodireção?
ROGERS SILVA: Não sei se entendi bem a pergunta, mas se for em relação à escrita, à feitura dos contos, dos livros, infelizmente não tenho escrito nada. O Manicômio foi escrito entre 2002 e 2006 (e, posteriormente, bastante reformulado, revisado, revisto). Bem que eu queria ser dedicado e disciplinado como alguns escritores, mas não ando conseguindo: muitos compromissos, muita correria, pouco tempo para leitura e escrita. Ideias para contos e/ou romances tenho de monte, quase todas devidamente esboçadas. Espero que um dia essas ideias se transformem em boas estórias.

ELENILSON NASCIMENTO: Você não acha que a literatura contemporânea está em crise?
ROGERS SILVA: Não acho, não. Há muita coisa boa sendo escrita e publicada tanto no Brasil quanto lá fora. Há bons escritores na ativa. E muitos, ainda não publicados, com potencial enorme. O difícil é saber quais desses vão (e se vão) se tornar clássicos. Só o tempo irá dizer.

ELENILSON NASCIMENTO: A literatura entrou definitivamente na sua vida em que momento?
ROGERS SILVA: É difícil responder essa pergunta... A escrita (e não a literatura) está em minha vida desde os 14 anos, quando escrevia composições (letras de música) influenciado – sobretudo – por bandas de rock e música gospel. A literatura, propriamente dita, entrou na minha vida mais tarde, aos 18 anos. No entanto, a semente da contação de estórias está em mim, creio, desde minha infância, quando ouvia as estórias da Bíblia, as de caça e pesca do meu avô e lia alguns gibis, sobretudo da Turma da Mônica. Mas, como contador de estórias, creio que existo desde os 16, 17 anos, quando ensaiei as primeiras páginas de um romance, que sumiram.

ELENILSON NASCIMENTO: Por que é tão difícil fazer literatura no Brasil? O que está faltando para as coisas acontecerem? 
ROGERS SILVA: É uma pergunta complicada. A divulgação e distribuição de literatura, no Brasil, realmente são processos ainda muito complicados. Mesmo as grandes e médias editoras têm dificuldade de fazerem seus livros chegarem em todas as livrarias. Imagina o quão é difícil para um autor iniciante e independente fazer com que seu livro chegue em vários estados do Brasil. É algo praticamente impossível. Há também uma questão de índice de leitura, que no Brasil ainda é baixo. Se mais pessoas lessem, talvez não fosse tão difícil fazer literatura por aqui. Creio serem esses os aspectos em que devemos focar nossa atenção: divulgação/distribuição e formação de leitores.

ELENILSON NASCIMENTO: Você acha que falta às autoridades abrirem os olhos e verem o quanto é importante a cultura para o nosso País ou isso é querer demais – uma utopia?
ROGERS SILVA: Não é utopia, não. Falta, sim, boa vontade ou interesse por parte da grande maioria das nossas autoridades. Em época de campanhas eleitorais praticamente não se ouve falar em planos de incentivo à leitura, às artes e cultura. É uma pena. Eis uma dica: vote naqueles políticos que, além de se preocuparem com uma educação de qualidade, possuam planos de incentivo às artes, à cultura, à formação de leitores.

ELENILSON NASCIMENTO: É bom lembrar que a iniciativa privada também tem responsabilidade, igual a qualquer governante. Tem que patrocinar escritores, cineastas, cantores, compositores e as produções culturais. É uma negligência dos empresários achar que não devem patrocinar a cultura. E a culpa é também dos artistas, que não se manifestam. Para que o Brasil seja um centro de cultura todos têm que abrir os olhos. Comenta.
ROGERS SILVA: Legalmente a iniciativa privada não tem responsabilidade sobre o incentivo às artes e à cultura, não. No entanto, para a marca de uma empresa é ótimo que ela patrocine e incentive a cultura. Infelizmente são poucos os empresários que conseguem enxergar isso. Mesmo alguns empresários que patrocinam eventos artístico-culturais, só querem patrocinar por meio de permuta, oferecendo estrutura, desconto, salgados, enfim. Com dinheiro poucos entram, e eventos necessitam – também – de dinheiro para serem realizados. A questão mais importante não é “Quem é o culpado”, mas sim “Como convencer a iniciativa privada a patrocinar artes e cultura?”.

ELENILSON NASCIMENTO: Como funciona a campanha UM LIVRO, VÁRIAS MÃOS que você promoveu?
ROGERS SILVA: Tenho a sorte de ganhar muitos livros (sobretudo de literatura), seja de autores e editoras, seja como presente de amigos e parentes. Leio - dentro do possível - aqueles que mais me chamam a atenção (se eu tivesse mais tempo, com certeza leria todos). Mesmo gostando de alguns dos que leio, provavelmente a chance de voltar a lê-los é mínima, quase inexistente, uma vez que há muitos na lista de espera. Sendo assim, normalmente costumo passar muitos livros para frente, para outras mãos, para outros (possíveis) leitores. Considerando essa realidade, decidi criar (exclusivamente para os seguidores do meu blogue: http://rogerssilvaoriginal.blogspot.com.br/) a campanha UM LIVRO, VÁRIAS MÃOS.
Sorteio (e sortearei) frequentemente livros clássicos e contemporâneos, estrangeiros e nacionais (mas sempre de literatura) entre os seguidores do blogue. Como acredito que livros devem ser lidos, e não guardados, então a única exigência é: ganhou o livro, ok?, boa leitura!, mas após lê-lo também passe o livro para frente, seja doando para algum amigo, seja sorteando entre os leitores do seu blogue ou site. Mais informações aqui >>> http://rogerssilvaoriginal.blogspot.com.br/p/um-livro-varias-maos.html

ELENILSON NASCIMENTO: Porque você não abre espaço para que outros colaboradores inteligentes, como eu, possam contribuir no seu site O BULE?
ROGERS SILVA: O BULE é um projeto que abre espaço para qualquer um contribuir com seu texto, tanto é que já publicamos quase 130 autores diferentes. Isso sem falar nas entrevistas, nos sorteios, nas campanhas, séries, etc. Estamos, por enquanto, parados com alguns projetos, campanhas, séries e sorteios, mas em breve (talvez ainda em outubro) voltaremos com as atividades normais do site. Pretendemos convidar mais uns três colunistas fixos para comporem o time d’O BULE.

ELENILSON NASCIMENTO: Você disse que a literatura foi uma descoberta tardia em sua vida, que virou leitor mesmo com uns 18, 19 anos. Mas num país de analfabetos como o Brasil, não acha que pelo menos você começou a ler? O Lula já disse que leitura lhe dá azia.
ROGERS SILVA: Como formador de opinião, o Lula (e qualquer outro formador de opinião e pessoa pública) deve se preocupar com o que fala e faz, porque isso tem um poder enorme sobre as pessoas. Considero essa afirmativa dele, independente que seja verdade ou não, um equívoco. No entanto, particularmente não acredito que ele não seja um leitor. Ele não é tão burro e inculto quanto alguns pensam...

ELENILSON NASCIMENTO: Falando em governo, o governo, qualquer governo, faz mal à imprensa. A imprensa, toda a imprensa, faz bem ao governo – principalmente quando critica. Governo não precisa do “sim” de imprensa nenhuma. Governo evolui com o “não” da imprensa. Contudo, esse governo do PT acha justamente o oposto. Comenta.
ROGERS SILVA: Não concordo que todo governo faz mal à imprensa nem, muito menos, que toda imprensa faz bem ao governo. É muita ingenuidade acharmos que a imprensa é um meio de comunicação neutro, saturado de pessoas com boas intenções. Muitos dos veículos de imprensa/comunicação estão de “rabo preso” a interesses, sejam políticos ou financeiros. Assim, criam suas matérias para corroborarem e defenderem esses interesses, e não necessariamente os do leitor/expectador ou da população. No Brasil, a imprensa ainda é muito criança (se é que podemos usar esse termo), e do tipo pirracenta, o que é pior. Não acredito que ela esteja sempre com a verdade, até porque qualquer meio de comunicação é composto por pessoas, e qualquer pessoa possui sua verdade particular, que não necessariamente é a verdade universal. O cidadão crítico é aquele que consegue, também, inclusive duvidar das “verdades” da imprensa. Se eu duvido das minhas próprias verdades, por que acreditaria na verdade da imprensa?

ELENILSON NASCIMENTO: O que você pensa sobre as leis de incentivo à arte (Rouanet, Mendonça, etc...)? Elas realmente funcionam?
ROGERS SILVA: Eu as considero um ótimo meio de incentivar as atividades, eventos e produtos culturais. No entanto, há nessas leis muitos vícios que devem ser extirpados. Um deles é dar à iniciativa privada, mesmo com dinheiro público, o poder de escolher o que ela vai patrocinar. Outra é, em alguns casos, a falta de neutralidade na escolha dos projetos culturais a serem beneficiados. Enfim, com algumas reformulações creio que essas leis seriam excelentes meios de apoiar a diversidade artística e cultural de um país.

ELENILSON NASCIMENTO: É possível viver exclusivamente de literatura no Brasil? Qual seria a melhor alternativa para aqueles que sonham em viver da escrita?
ROGERS SILVA: É realmente muito difícil viver de literatura no Brasil. Mesmo os escritores que publicam por grandes e médias editoras, com edições de 5 ou 10 mil exemplares, não ganham muito, porque ganham a menor fatia do bolo, normalmente 10% do valor de capa. É só fazer as contas: 10% de 5 mil exemplares (com preço de capa por R$ 29,90, por exemplo), divididos por 12 meses, que é o tempo normalmente necessário para esgotar uma edição. Essa, no entanto, é uma visão otimista. Normalmente as edições são de 1.000 ou 2.0oo exemplares. Não sei qual sugestão dar para quem quer viver de literatura. Sou meio pessimista quanto a isso...

ELENILSON NASCIMENTO: De onde vem sua inquietação artística, as inspirações criativas?
ROGERS SILVA: De tudo, mas sobretudo da vida.


* Esta entrevista foi publicada originalmente no blog Literatura Clandestina, do escritor Elenilson Nascimento.