6 de ago. de 2012

A puta - VI

Por Marcia Barbieri

Antonio Conselheiro arrastou muita gente pro seu bando. Não era bonito, mas trazia mel na língua. Aqui é escuro, um mundo em cubículo, um cativeiro, ninho de cascavel chocalho do diabo. As pedras são úmidas, nos encaram sem medo, restos de pele humana servem de ornamento em suas gretas, seus grilos, a fenda é o clitóris da rocha. Tateio por dentro da fenda e procuro o ponto G. Algumas mulheres trazem argolas no pescoço, eu perfuro com platina meus pequenos lábios. Avô, mãe, pai, primo, irmão, dormimos todos juntos. Não conhecemos o conceito de incesto, ele se aniquilou junto com a civilização antiga. À noite sobe um cheiro de carniça, de fêmur humano, de víscera podre. Posso afirmar que não há grandes diferenças entre homens, símios e urubus, estamos todos à caça do próximo jantar. Dormíamos todos dentro dessa caverna escura. Um clã. Um globo em miniatura. Parecia que ele queria despovoar o mundo. Nômade vagabundo. ¿Ou seria um chifrudo inconformado¿. A traição mais dolorida da história, é o que falam as más línguas, sua mulher foi embora com um sargento. Depois disso virou revolucionário, ficou vagando pelo mundo em busca de conforto. O coitado não sabia que a felicidade é um dado viciado. Virou inimigo do Estado. No entanto, na nossa terra ninguém sabia nada sobre as agruras da sociedade, éramos um bocado de gente sem governo. O governo era só uma miragem, nossa terra era abandonada à própria sorte e nós gostávamos disso, a destruição nos deu autonomia. Nascemos todos cangaceiros. Sem crime e sem cadeia. Tiramos o bucho de muito homem, de homem safado que não merecia viver. Deixávamos a tripa secar no sol, empretecer, como se curte couro de touro, as formigas vinham e faziam seu serviço, todas cúmplices dos nossos assassinatos. Então tínhamos certeza, éramos inocentes. Éramos juízes e nossa sentença jamais era contestada. Nenhum homem bom teve a pele riscada ou o corpo atravessado por bala. A morte vinha pros escolhidos de Deus ou do Diabo. Inácio também abandonou o povoado. Inácio não falava, só aprendeu a varrer o terreiro, ficar grunhindo e esfregando uma mão na outra como se fosse fazer uma grande mágica, no entanto, suas mãos eram estéreis assim como seu cérebro de mariposa. A burrice é o pior dos martírios. Aqui os homens costumavam afrouxar as pregas com dez ou onze anos. Suas mãos jamais devem ter presenciado o gozo, não servia nem pra punheteiro. Nunca procurou uma puta pra se aliviar, nunca tinha se deitado com uma mulher nem comido o cu de nenhum homem. Aqui os homens costumavam afrouxar as pregas com dez ou onze anos. O idiota dizia que ia se guardar para a sua esposa. Ele não queria ter a carne suja quando encontrasse a moça certa. E não existe mancha mais escura do que nódoa de amor. Ficou noivo de uma sirigaita do outro lado do povoado. O que vem do lado de lá provoca encanto, guarda segredo em punho fechado. Mal sabia ele que alguns mistérios trazem escorpiões no bolso. Talvez os ingênuos não sofram. O casamento estava marcado. Quando o juiz chegou pra fazer o casamento a moça estava mais gorda que uma porca em véspera de matança. Estava prenha. Jurou que era do espírito santo. Inácio agradeceu e louvou a Deus por tamanha graça. Depois do primeiro filho, vieram mais quatro, todos do espírito santo e Inácio sempre louvando por ser o escolhido. Depois disso começou a bater punheta, já que não podia macular uma mulher santa. Ofereci ajuda abrindo minhas pernas, ele nem sequer olhou de esguelha. Várias vezes tentei descobrir porque ele vivia se escondendo nas barras daquele homem, inútil, ele tinha medo de mim. Dizia que eu era uma bruxa louca sem chapéu, que tinha fugido do hospício e que transformei um povoado santo num prostíbulo. Fiquei feliz com o título, mesmo sabendo que as putas nasceram antes de Deus e eu não era responsável por nada. Além disso, jamais conheci uma casa de loucos, mas imagino que não seja muito diferente dessas encruzilhadas, desses escarros escuros misturados na poeira amarela dos dias.