Sono
Estava deitada, dormia imersa no REM, quando a porta rangeu de leve, forçada por mão matreira. Um corpo levitou e ganhou o interior da casa sem fazer ruído algum. Não podia vê-lo, apenas sentir seu hálito quente bafejando-lhe a nuca. Enquanto a presença do outro crescia dentro do seu sono, tentava, em vão, reencontrar a voz, os braços e as pernas inutilizados pelo pânico.
Fenda
Era
preciso então só começar para que tudo se desarranjasse. Um primeiro gesto, arcaico,
corroído pela raiva, quase impensado: a mão que se desprende do tampo da mesa e se ergue guindada pelo
braço longo e forte. E depois um estalo. Um ai
agudo que se prolonga na memória durante anos e anos, como uma faca que fosse
penetrando lenta e meticulosa a alma, para dentro sempre, no mais profundo do
ser, aí, onde o carnegão se formou.
Foi a
partir dessa fenda aberta na alma que ela começou a vazar.