Por Ricardo Novais
Sabe quem é o homem mais feliz do mundo, leitor? Aquele homem, bem-sucedido, alinhado, refinado, cabelo aparado, cara rapada, bem apessoado, sorriso fácil à mostra, que calado não fica mal? Aquele que hasteia bandeira grande, ostensiva, que tem uma multidão de dependentes, desgraçados, amarelos, velhos e crianças? O homem à beira da eterna glória, que tem o testemunho da fama, que enrosca-se e desata-se, confundindo-se e, depois de algum tempo, encontrando-se? Sabe quem é ele? Aquele homem, senhor leitor, que mesmo com o tédio consumindo-lhe as entranhas e corroendo-lhe a pele consegue quebrar a própria monotonia existencial, desavisado do pobre-diabo que, tão à vista, degusta suculento churrasco-grego com cachaça numa praça pública sintomática, indiferente também ao crente desocupado, tão exaltado, a perseguir bela jovem passante e aventureira do metrô que, concentrada e preocupada com o atraso alquebrado, vai algum seu compromisso marcado pela rotina?
Não sabes quem é este homem tão feliz e ao mesmo tempo tão resignado que transborda toda luz proveniente de cômoda debilidade? Aquele ente humano de ideias tão livres e que ainda assim sofre de censura moral?
É o mesmo homem melancólico ao jantar, combalido e amarelo ao almoço, magro de ideias de dia, talentoso de julgamentos à noite, que come pouco e suspira muito. É aquele mesmo desgraçado que deixa frases pela metade, elevando os olhos ao céu, com pouca luz de aurora e outra tanta artificial; que guarda tesouro de ouro de tolo, glamour em gaveta rasa para que salte aos olhos de algum visitante, fortuna em estante espelhada que a duplique e esconda algum sofrimento passado ou presente de lágrimas ou saudade; é o mesmo homem que carrega o próprio cadáver às costas, com vida boa e que, mesmo bem-sucedida, é irrealizada, incompleta daquilo que se poderia ter sido, mas não se foi; que se pode ser, mas não é; que se quer ser, mas não será; é tão-somente o resto de tudo que fica estacionado nos primeiros estágios – esperando por algo que ainda está por fazer, quando der e se der. Vida boa; sim! Vida boa e muito ordinária... Talvez até medíocre.
Já adivinhou? Já sabe quem é este homem, homem verdadeiramente, sobretudo, humano? Ora, como não? Mas se este homem és tu, leitor.
* Publicado originalmente no livro Perfumes da Pátria, S. Paulo, 2011, Bookess.