Por Marcia Barbieri
O mundo não precisa de uma Literatura bem comportada. A boa Literatura não pode ter falsos pudores, nem se preocupar com aparências. Ela deve ser representada por um jardim labiríntico, fálico e de seres fictícios bem dotados. Viva Humbert Humbert e sua Lolita.
Quando o assunto é Arte, é preciso a mão em punho. Arrancar o feto com rancor e não acariciá-lo. Não peçam que o artista seja politicamente correto, que omita a palavra obscena que escorre fervorosa da boca ou suprima um personagem devasso. A Literatura é uma puta batendo punheta. Como mulher, socialmente condicionada eu disfarço o decote, porém como escritora eu trago os seios em exposição.
O homem pode julgar ingenuamente o mundo apenas pelo que enxerga do buraco da fechadura. Já o escritor precisa olhar o buraco e reinventar o universo e suas cópulas, disfarçar a morte em cada prazer infecundo. O gozo é branco, erótico e trágico, traz em si a promessa de finitude: “A sua vida é uma repetição ininterrupta de gestos inaugurados por outros".[1] Essa citação do Mircea Eliade me faz lembrar o quanto somos voláteis, plágios, pouco originais, impulsionados pela angústia da perpétua influência primitiva.
O sexo na Literatura também é uma afronta a Deus, uma tentativa de reconstrução de Sodoma e Gomorra. Recordemos da obra de Sade Os 120 dias de Sodoma. O homem não esconde sua maior virtude: a cópia. Não conseguimos nos desvincular do divino. O autor se finge de Deus e através dessa teatralidade se reconhece.
O ato sexual é antropofágico, vampiresco, deseja devorar as características do outro, aniquilá-lo, na intenção de ganhar uma sobrevida. A pedofilia em Gabriel Garcia Márquez , por exemplo, não pode ser vista como imoral, antes é um sintoma de desespero que a proximidade da morte causa. Ela é encarada como um livramento, uma distração. O sexo é uma tentativa de volta às origens. O homem através do pênis volta ao útero materno. E nada representa com maior verdade a figura da mãe do que uma jovem virgem.
O livro A casa das belas adormecidas de Yasunari Kawabata também traz o gosto nostálgico da velhice, do sexo como resgate de algo já inerte, a redenção através da carne de uma jovem:
“Dobrou os braços e cruzou os dedos na frente do busto. Seus dedos então tocaram o peito do velho Eguchi. As palmas das mãos não estavam juntas, mas a forma era de oração. Parecia uma prece suave. Com as palmas das mãos, o velho envolveu as da menina, que tinha os dedos cruzados. Enquanto isso, pareceu-lhe que ele mesmo começou a sentir que orava e fechou os olhos. Seu gesto não era senão a tristeza de um velho em contato com as mãos de uma jovem adormecida.”
Assim como afirma Octavio Paz em Labirinto da solidão que a mulher é exposta através da vagina, também a Literatura ao abrir as pernas se vê contaminada pelo mundo real. Os personagens querem ser homens e nada mais humano do que a cópula e a morte. Eles se apropriam do ato sexual não para chocar, como sugerem alguns ignorantes, o intuito é se tornar homem e não apenas representá-lo, é a vontade visceral de ser. Expulsos do mundo das ideias, se apresentam como verdade, concreto, vomitam a árvore do bem e do mal. Análogo ao homem que se quer divino: “(...) é que o mundo que nos rodeia, civilizado pelo homem, só é válido pelo protótipo divino que lhe serviu de modelo.”[2]
Dessa forma podemos dizer que o modelo exemplar do ser fictício é o homem gerando vida e toda nostalgia que cabe nesse estado orgástico: “tudo que não possui um modelo exemplar é desprovido de sentido, isto é, não possui realidade.”[3]
Segundo Henry Miller, descrever o homem e sua sexualidade era um dever da Literatura Moderna, afinal, poucas coisas são permitidas a ele.
Outra obra que mostra o quanto é próxima a ligação do sexo com a morte é Decameron. As orgias narradas não são gratuitas, obscenas, apenas revelam o medo evidente da morte precoce e uma forma de castigar Deus. Para que servem tantos pudores se fomos castigados com a peste?
Só posso chegar à conclusão que a Literatura é um ato mastubatório, uma preparação para a terceira margem do rio. Definitivamente, a Arte satiriza Deus.