20 de jul. de 2011

Desventuras no baixo meretrício

Por Rafael Malard

Sexo, drogas e rock’n’roll. A galera do São Pedro defendia essa filosofia de vida com unhas e dentes. E pra fortalecer o sexo, nada melhor que uma boa descida na zona. Era o típico programa de adolescente. Não estou me referindo à turminha da crisma ou ao conselho dos CDF’s, mas à horda de tarados mentais desajustados e seriamente perturbados como o Kako e eu...

Lá por volta das seis da tarde... É nessas horas em que o sol desce que os hormônios começavam a purular dentro da gente com mais violência. Aí sim... Zarpávamos rumo ao baixo meretrício do centrão para fazer uma visitinha às tias.

Kako e eu éramos menores de idade. Essa condição propícia para singelas irresponsabilidades e eventuais vandalismos levava nosso tesão acumulado a níveis perigosíssimos. Antes mesmo de descer para as bagunças do centro, ao aguardar no ponto de busão da Viçosa, as genitais já arquitetavam nas surradas bermudinhas de tactel dolorosas barracas... Não era de se surpreender que o Kako, tranquilamente acostumado a zanzar sem cueca, fizesse o percurso todo com as duas mãos enfiadas dentro dos bolsos, na inútil tentativa de “segurar a onda”.

Àquela época, a falta de noção do Kako já era verdadeiramente perturbadora. Ir à zona com ele era enfrentar uma série de constrangimentos que poderiam ser facilmente evitados. Depois do dia em que Kako, buscando alívio temporário, socou uma punheta em plena luz do dia, esparrando as partes íntimas atrás de uma arvorezinha na descida da Viçosa, resolvi chamá-lo no canto para um papo sério.

Passei um autêntico sermão no desvairado. Disse claramente que não aceitaria mais esse tipo de comportamento durante nossas descidas para a zona. Sugeri que passasse a usar cuecas e que de preferência fossem justas o suficiente.

Kako ainda não havia fechado seu destino nas pedrinhas de crack... Nesses dias ele ainda tinha lá alguma lucidez e juízo, ainda que a título precário... Portanto, para minha surpresa ele aceitou sem muita resistência minhas críticas a seus excessos indecorosos. Ele até propôs uma solução de compromisso que aceitei de pronto... Daquele dia adiante, decidimos inserirmos um ritual obrigatório na rota para zona. Para evitar estresses libidinosos nas iminências da putaria, pitaríamos um beck nos fundos da casa dele. Foi a forma sugerida por Kako para mitigar o aspecto tarado que rondava suas partes baixas. Depois de umas bolas, poderíamos seguir com mais discrição rumo a uma bela tarde devassa.

Pegando o balaio nas encostas da Viçosa, dali para a famosa e tumultuada Rua Guaicurus era um pulo. Começando na rodoviária e se estendendo por longos e fétidos quarteirões até a Praça da Estação, surgia pelos becos mal alumiados, pelos botecos e pelas lojinhas suspeitas uma enxurrada de gente suada e de passos ágeis.

Confesso que, na minha primeira visita à Guaicurus, eu, moleque zona-sul, fiquei meio perturbado com o que vi: pivetinhos felizes na cola, cegos dissimulados, ilusionistas de ocasião, obreiros agressivos, aleijados de nascença, acidentados de ocasião, malandros de fala-mansa, vendedores de picolé caseiro e um ou outro policial frustado doidinho para a enfiar a mão na cara do primeiro infeliz que lhe abrisse a boca.

Mas o curioso é que – nas primeiras visitas a essas bandas que até então me eram estranhas – foi justamente a falta de noção habitual do Kako e seu comportamento perturbador (que tanto me incomodava na pacata Rua Viçosa) que me permitiu aos poucos criar as coragens para roletar indecorosamente por esses espaços depravados.

Na área em que a prostituição se escancarava à solta pipocava uns dez bordéis na Guaicurus e mais uns dez na São Paulo. Todos verdadeiros mausoléus... Eu tinha alguma barba. Rala, porém o suficiente para passar batido por praticamente todos porteiros de zona. Já o Kako, com aquela carinha de bebê tarado, sempre era barrado logo na entrada. Mas o malandro era precavido... Ele andava pra baixo e pra cima com a identidade de seu falecido irmão mais velho. Pouco lhe importava escrúpulos de luto; e pouco lhe importava o fato do falecido não se parecer em nada com ele...

Tampouco os porteiros se davam ao trabalho de dar uma examinada decente na foto... Esses homens de fibra tinham obrigações muito mais urgentes... Esmurrar cachaceiros inconvenientes, tranqüilizar travestis em momentos de histeria e aterrorizar usuários de drogas pesadas... Pirralhos como o Kako e eu éramos peixe pequeno na visão dessa respeitada estirpe de xerifes do centro ou – como preferem que lhes chame os saudosistas de uma longínqua era dourada e salubre do centrão – leões-de-chácara, senhores do meretrício, homens dos murros, barra-cachaça, fiscais de buceta, etc.

Na Guaicurus, tinha puta de todo preço... Eu me lembro de que tinha mulher de 3, 5, 7 e 10 conto. As de 3 eram senhoras que já tinham um bom tempo de estrada. As de 5 eram meia bala, algumas até bonitas. Já as de 10 conto eram verdadeiras beldades. As maravilhosas trabalhavam no Brilhante ou no Catete. Até jogador de futebol famoso, montado na grana, pirava com o naipe das garotas – nível capa de revista.

O problema era que as de 10 conto quase sempre eram frescas. Horrorizavam com algumas posições e, por algum motivo, não tiravam os peitos pra fora. Com tanto protocolo, ao pegar uma de 10 conto, o risco de rolar um estresse e o pau não subir era maior. Isso sem contar as filas... Numa época em que o dragão da inflação estava provisoriamente sob controle, os quartos das de 10 conto ferviam. Era por essa e por outras que eu preferia variar entre as de 5 e as de 7.

Numa terça-feira, por volta das 3 da tarde, Kako me ligou chamando para dar um pulo até à zona. Ele estava com duas semanas de mesada acumuladas. Achei aquele horário meio cedo demais... Mas o Kako parecia bastante excitado... Quando era assim nada no mundo que não fosse uma boa trepada paga lhe tiraria as putarias da cabeça...

Pedi ao meu pai uma grana para um cinema e um lanche no McDonald´s e segui para a casa do Kako... Cumprindo o combinado de praxe, fumamos um beck atrás da casa dele. Mas mesmo assim o Kako continuava de barraca armada... Não tinha jeito de sair andando com ele na rua naquele estado... O demente permanecia irredutível quanto ao uso de cuecas na descida para zona... Eu apelei. Mas aí ele me veio com um papo que o avô dele o alertou que se o sujeito usar cueca apertada e tiver ereções contínuas poderia ficar com o pau torto para o resto da vida...

– Marca aí! – pediu o Kako, enquanto entrava rumo à cozinha.

Em questão de segundos ele voltou com uma garrafa de Velho Barreiro na mão e tomou dois tragos da pinga.

– Agora vou ficar de boa... – sorriu com uma carinha de safado.

Zarpamos rachando para a Guaicurus...

Chegando lá, costuramos com agilidade nosso caminho em meio à multidão e subimos meio desbaratados no primeiro bordel que vimos. Por ser ainda umas 4 da tarde, horário de expediente para a maioria do pessoal, o movimento estava bem tranqüilo. Kako gostou de uma loira da bunda torta e avantajada. Ele virou pra mim com sua cara de bebê cafajeste e disse:

– Marca aí, eu gradei dessa aqui!

– Quando você sair, desce e me marca na porta da lanchonete para a gente tomar uma vitamina de abacate – respondi dando linha.

Pobre Kako... Ainda sob o efeito da erva e do álcool, não deveria estar ciente de que pegar aquela loira era uma jogada de risco... Tratava-se de uma cobiçada puta de 10 conto. Seu afobamento poderia colocar tudo a perder. Uma palavra fora de lugar, uma posição incômoda à moça e o programa todo poderia ir pro saco... sem direito a reembolso, é claro! Não seria difícil ele acabar enxotado da casa, após levar do porteiro um belo murro no meio da fuça...

Meti pé dali meio preocupado com o Kako e segui para a casa ao lado, onde o nível era mais modesto. Acabei gostando de uma linda morena de sorriso convidativo. Entrei no quarto e sem muito papo tirei a roupa toda e dependurei num preguinho enferrujado que havia na parede. O cômodo era um modesto cubículo recheado de mofos, ácaros, poeiras e teias de aranha. No banheiro, azujelos estraçalhados. Na pia ao lado da cama, uma goteira irritante dava o tom daquela tarde devassa.

A menina pegou os 7 contos que eu deixei em cima da cama e, sem dizer uma só palavra, me veio passando um pano com álcool na minha barriga e coxas. Gelei todo com o álcool vaporando. Meu pau encolheu na hora e murchou até virar uma ervilha.

– Eu tomei banho em casa! – protestei discretamente, pisando em ovos...

A morena me olhou com uma cara de preguiça e desprezo, então achei melhor não dizer mais nada... Havia grandes possibilidades de rolar um bate-boca, um estresse e meu pau não subir. E como ela já tinha pegado a grana... Eu acabaria saindo no prejú.

Só para sacanear ela esticou o preservativo e, com toda a ignorância, enfiou na minha genitália. Não foi a primeira vez que eu vivi aquela cena bizarra. Mas eu não encarei aquele gesto brutal como algo aceitável. Na propaganda da televisão, as pessoas ensinavam de forma diferente...

A morena tirou a roupa com certo constrangimento – notei. Começando nos ombros e descendo até o seio direito ela tinha uma tatoo gigantesca e muito mal executada. Típico trabalho de amador... Uma coisa tosca mesmo. Traços borrados e contornos indefinidos. Nem à luz que entrava pela única janelinha do cômodo, pude distinguir do que se tratavam aquelas formas.

Fingi naturalidade, para deixá-la mais à vontade. Creio, no entanto, que ela percebeu que eu dei uma broxada momentânea, bem de leve... Para quebrar o gelo ela pagou um oral e assim que meu pau enrijeceu seguimos para a trepada. Pagando 7 conto eu só tinha direito ao piço vaginal. Só consegui fazer três posições: papai-mamãe, cavalinho e de quatro. A minha ejaculação precoce descartava qualquer possibilidade de ouvir puta pedindo pra gozar logo... Bombei uns cinco minutos com a morena de quatro e gozei...

– Valeu! – tentei ser educado, mesmo apesar da rispidez e da falta de tato social da menina.

Meu pau ainda estava duro e eu queria dar uma mijada. Segui para o banheiro, mesmo sabendo que seria difícil tirar água do joelho com aquela ereção...

– Não pode ir aí! O banheiro é só para a minha higiene!!! – ela falou alto e num tom desaforado.

Fiquei meio sem graça e muito puto por dentro.

– Pode mijar na pia se quiser... – dissimulando mais calma, ela me concedeu essa liberalidade. Mas preferi segurar na bexiga.

Ela não disse mais nada. Eu também não. Rapidamente vesti minhas roupas e vazei daquele quarto fedendo a buceta. Eu agora precisava encontrar um local para urinar a todo custo.

Segui então para a lanchonete para encontrar o Kako. Descobri que lá também, como na maioria dos estabelecimentos do centrão, não era permitido ao cliente usar o banheiro. Mesmo bastante apertado, eu decidi pedir minha vitamina de abacate...

Foi quando o Kako apareceu... Eu não estava preparado para a cena que presenciei. Eu nunca havia visto o Kako naquele estado. O menino estava sem camisa, com duas olheiras gigantes, pingando suor e muito, muito transtornado... Gesticulando desordenadamente, ele gritava para todo mundo que ali estava:

– Puta merda! Cê acredita que eu não gozei?! A desgraçada da puta ficou reclamando de tudo!

Os fritadores de pastel e a menina do caixa horrorizaram com o estado do garoto. Tentei tranqüilizar o Kako. Passei minha vitamina de abacate para ele. Mas tudo que eu fazia ou falava parecia deixá-lo ainda mais louco:

– Nunca mais pego puta de 10 conto... Escreve isso! Prefiro comer aquela véia ali – gritou apontando para uma idosa maltrapilha e encurvada que, com dificuldades, atravessava a rua.

Cheguei a pensar que o Kako entraria em colapso a qualquer momento... que ele cairia em convulsão bem ali, naquele chão imundo da lanchonete. Fiquei muito neurado com a forma como ele me olhava. Dava até um frio na espinha... A raiva do Kako parecia lhe alimentar uma fome animal... Só depois que ele começou a comer ele pareceu se acalmar. Comendo feito bicho, ele mandou duas coxinhas de catupiry, um quibe e um pão de batata recheado com alguma coisa... Ele canalizava todo seu ódio nas frituras. Inclusive cheguei a suspeitar que ele sofria uma larica, um revertério de algo mais pesado. No mínimo, o desgraçado deve ter fumado escondido de mim a pontinha do beck que ficou com ele. No mínimo...

Demos linha depois do lanche. Não consegui convencer o Kako a vestir sua camisa. Preferi nem insistir... Ele estava bem agressivo. Seguimos arrastados, caminhamos em silêncio para o ponto do balaio. Eu estava ainda preocupado com aquela paranóia toda. A respiração ofegante do Kako.. os calafrios esquisitos que ele dava... e seu rosto completamente petrificado. Já caía a noite, nas ruas formigava aquela gente estranha e sem rumo. Eu não parava de pensar em como talvez aquele cara que seguia descamisado ao meu lado realmente precisava de algum tipo de ajuda... E eu, de algum lugar para mijar com discrição.


Rafael Malard é servidor público. Nenhuma obra publicada. Um blog sem leitores. Vários projetos abandonados. Na repartição, divide meticulosamente as horas mortas do expediente entre a revisão de texto e a diagramação de Planeta Droga (autoria de Daniel Malard, ainda sem editora). Bloga em http://oburrocrata.blogspot.com/