19 de jul. de 2011

Ao som noturno de Chopin

(Ilustração: Gabrielas Pas)


Por Márcia Barbieri


Ele sempre começava com o mesmo papo, eu conhecia a velha história e sabia exatamente aonde tudo terminaria: ducha fria. Assim mesmo puxava a blusa para que ele pudesse olhar meus peitos, seu pau endurecia na hora. Toda vez que a gente saía eu colocava uma blusa branca de alcinha e dispensava o sutiã. Gostava do jeito que ele molhava os lábios enquanto colocava as mãos por baixo da mesa e me bulinava, puxando devagar a renda da minha calcinha. Às vezes, me mandava abrir bem as pernas e enfiava o dedo inteiro, ali mesmo, a lanchonete lotada, os garçons apressados pareciam nem se importar com a putaria. Ficava excitada, mas fingia reprovação e dizia que só não lhe dava uma bifa porque tinha muita gente conhecida perto. Mas ficava tão molhada que ele devia saber que era 171. Manda duas lora bem gelada aí negão pra refrescá. Odeio quando ele começa a palitar os dentes em cima da mesa. Parece um desses atorzinhos de filme pornô.

Ele tinha um histórico longo e uma ficha suja. Primeiro começou como vendedor de carros, o que rendeu algumas piranhas e muita moça regatada de bucho cheio. Logo depois partiu para a política, era o revolucionário do bairro, vivia distribuindo panfletos e passadas de mãos nas ancas das vizinhas. Che, era chamado assim pelos companheiros de botecos. Ele e sua boina de lã num sol de 40 graus. A moda durou dois anos, comeu anarquistas, democratas, petistas, tucanos e apartidárias, quem afinal se importa com essas diferenças?

A sua mais nova invenção era a poesia, agora era conhecido como Neruda, começou a sair poraí recitando versos, não conhecia muitos, repetia os mesmos, só invertia as ordens ou declamava em francês, pelo menos ele fazia aquelas tolinhas da rua acreditarem que aquilo era língua estrangeira. Nacional ou não, o certo é que sua língua caía bem mesmo era entre as pernas das vadias. Nunca conheci ninguém que chupasse com tanta vontade, se lambuzasse tanto.

Tirava do bolso o maço de cigarros baratos. Fumava enquanto contava suas vantagens, sua descoberta como gênio do subúrbio, conhecia os mistérios da escrita, estava pensando em escrever um livro que mudaria os rumos da história. O Fausto brasileiro. Escutava todo aquele blá blá fingindo interesse, eu queria mais era ser comida e ele tentando me impressionar, certo que eu não daria por trás, ele nunca tinha ousado pedir, mal sabia ele que eu estava doida pra ser enrabada. Esfregava a mão na virilha e dizia que faria uma tatuagem com alguns versos de Bocage. Eu ficava calada com a cerveja amarga esquentando na mão.

Deixava a conta pendurada e me convidava pra ver alguns livros. Ele fazia questão de ler alguns trechos de Neruda, sempre tão romântico. Eu aceitava, sabia que não haveria tempo para bobagens. Depois enchia dois copos americanos de vinho barato e me falava das noites de orgia de Baco, eu fingia ignorância. Não demorava muito e ele começava a sussurrar obscenidades no meu ouvindo, passava a língua pelo meu pescoço, nos meus seios e terminava por percorrer todos os buracos do meu corpo. De quatro, eu me submetia feliz aos seus caprichos. Depois de me foder de todas as formas, deitava ao meu lado enquanto brincava com o próprio gozo, dizia baixinho que eu parecia com Nocturne de Chopin. Eu estremecia e adivinhava, agora ele só comerá as menininhas de microfone na mão. Nunca mais atendi seus apelos, nem quis saber se existiram apelos.

Me casei; às vezes ainda me masturbo pensando nos versos de Bocage. Toda tarde compro pão na padaria da esquina e de esguelha observo ele. João da Chapa, seu novo nome. Ganhou uma barriga bem familiar, respeitosa. Tem dois filhos lindos e uma mulher muito direita. Vai à igreja todo domingo e ninguém nunca mais ouviu falar sobre suas andanças. Desconfio que nem ele se lembra mais dos seus dias de glória.