21 de jun. de 2011

Notas dispersas: prólogo de um livro desfeito

por Marcia Barbieri

Lâminas sem corte brincam encavalam nas vértebras dos loucos. Apenas os homens ordinários são invertebrados, marionetes, moluscos utilizados para o consumo diário. Os outros caranguejos deslocados no mangue.

Assumo meu papel de coadjuvante, pego a peça e decoro minhas falas, apesar da dislexia. A penumbra esconde as circunvoluções do meu cérebro confuso. Palavras coalhadas. Memórias soltas de criança.

Eu beirava os dez anos, subia nos telhados, roubava cigarros, contava as moscas ao redor dos olhos dos cavalos e buscava água fresca na biqueira. Nessa época era comum me deparar com aquelas carcaças. Ainda conseguia enxergar as grandes mandíbulas ruminantes. Escutava os estalos feito dentes vivos. As raízes se espalhavam pelo muro bambo do meu rosto. A juventude passou depressa.

Ao conhecê-lo foi a primeira coisa que percebi: seu abraço fedia como o lodo próximo dos matadouros. Não me causou estranhamento.

Ele deslizava as mãos sobre os torrões de terra. Depois percorria perpetuava os buracos do meu corpo, semeadura, certo que todo desnível recordava a foda o coito – uma pêra esquecida no pé aguarda resignada sua podridão.

Quando Caio me tocava lesmas saltavam do meu umbigo e disfarçavam a secura da minha pele. Éramos a tal ponto idênticos que nosso sexo se assemelhava a uma masturbação adolescente. Ele me beijava e o espelho tão escuro não refletia o suicídio assombroso das minhas órbitas.

A fenda na parede já previa denunciava sua partida. Não fui capaz de fazer embriões ou fetos esmorecerem seu útero. Amoras negras secavam no quintal. Eu devia desconfiar, mulheres com falo exalam o leite da desgraça. Meu pau ameaça se derramar. O desamor se paga com muita punheta.