20 de abr. de 2011

'Escrevivendo'

Por Christiane Angelotti

Talvez eu não escreva lá essas coisas. Talvez nem escreva bem. Mas o fato, o importante para mim, é colocar as ideias no papel. De preferência, compartilhá-las. Se eu não fizer isso me sinto como se adoecesse.

Como explicar isso? Dá uma sensação esquisita, um misto de angústia e caos interno. O coração pesa, as ideias se acumulam. A cabeça pesa também, um pouco, às vezes. Parece que vou explodir. Talvez seja bem esta a metáfora mais adequada: quando escrevo, explodo minhas ideias. Acho que Clarice Lispector disse algo parecido. Então, isso deve ser um sintoma comum. Será? Estranho, mas acredito que sim. Bem queria ter seu dom. Clarice colocava sentimentos no papel. Estou muito longe, talvez nunca alcance, mas o importante é viver tentando aproximar o mais possível a palavra do sentir.

Já me perguntaram e também já me questionei, afinal quando resolvi escrever. Não consigo lembrar de um momento. Em minhas lembranças, sempre sou a narradora. Óbvio! Afinal, a vida é minha. Mas sempre me lembro de inventar histórias além das que vivia.

Sempre fiz da minha vida um romance. Numa simples festa de aniversário feita em casa, com todo aquele aconchego familiar e a comida sendo preparada pela minha mãe, eu imaginava outras coisas. Imaginava que o castelo estava sendo preparado para o grande baile noturno. Meu vestido florido virava um vestido de baile, com tules e brilhos dignos de princesa, sempre na cor azul, minha preferida.

Basicamente, sempre fiz isso. A fantasia sempre invadiu a minha realidade. O que me ajudou muito, mas atrapalhou também. Ajudava a superar algo difícil, ajudava a criar momentos divertidos para compartilhar. Atrapalhava quando me tirava a concentração para enxergar que a vida é um pouco mais dura e a realidade nem sempre tem o sabor da fantasia.

Mas sempre fui muito convincente. Entrei em algumas confusões por causa das histórias que inventava. Muitas vezes, até eu acreditava nelas.

Ah, mas eram tão boas, tão reais...

Sempre era eu a menina que inventava a brincadeira. Se fosse alguma brincadeira tradicional, sempre a modificava.

Tenho muitas lembranças de quando morava numa vila, em São Paulo, com os meus pais e irmãos. Tínhamos muitos vizinhos. Devíamos ser uma turma de seis ou oito crianças. Na época, para mim, era quase um batalhão. A maioria na faixa de 5, 6 anos. Minha irmã e mais um ou dois eram bem menores. Eles nos atrapalhavam. Eram café com leite (achavam que estavam brincando, mas na realidade não estavam).

Com tantas crianças juntas, as brincadeiras eram sempre maravilhosas. Lembro de colocar toda a turma sentada no chão imaginando estar a bordo de um tapete mágico voador rumo a alguma aventura. Ou quando nos alternávamos em cima de uma velha mesa de madeira, que ficava no quintal da minha casa. Era o nosso foguete. Explorávamos o universo inteiro, com direito a efeito câmera lenta. Era a ausência da gravidade.

Claro que todas as crianças participavam e era todo um processo de criação coletiva, mas lembro do meu comando, das minhas invenções. Brincar comigo deve ter sido o “céu e o inferno”. Ô, menina para mandar! (sempre escutei isso).

Aliás, creio estar perdendo essa mania de mandar. Agora, com a maturidade e quando encontrei um mestre que me mostrou que não mando em nada mesmo.

Com tanta imaginação, assim que aprendi a escrever, logo fui passando tudo para o papel.

Mais tarde passei a escrever diários, que sempre eram destruídos. Detestava relê-los. Cartas, aliás, mandava carta para tudo, até para mandar bilhetes para os meus paqueras de escola.

Redações premiadas me ensinaram que, às vezes, prêmios nos paralisam.

Depois foram as peças de teatro para serem encenadas na rua. Muitas peças, muitas histórias. Lembro só de uma que foi realmente encenada.

Cheguei a reescrever O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo. A minha versão, do meu jeito. Devia ter uns 13 anos.

Escrevendo, vivi muitas histórias, reelaborei algumas histórias vividas. Tragédias, romances, me prepararam para algumas coisas que viveria depois.

Então, talvez eu seja escritora ou uma pessoa que goste e necessite escrever. Escrever o mundo com o meu lápis ou, talvez, com minha digitação, nas minhas cores, sob o meu olhar. Sonhando e inventando histórias sem esquecer de vivê-las.


Christiane Angelotti é escritora e editora do site educativo ABC KIDS. Paulistana, apaixonada pela cidade de São Paulo. Formada em Fonoaudiologia pela PUC-SP, com pós-graduação em Neuroreabilitação abandonou a área da saúde para viver escrevendo, ou escrevivendo. Publica contos infanto-juvenis para livros didáticos de diversas editoras do Brasil e Portugal. Colaboradora na Fundação Padre Anchieta para material de apoio da Prefeitura de São Paulo. Além do site educativo, escreve para os blogs: http://diariodeumapaulistana.blogspot.com/ e http://lerpraser.blogspot.com/