21 de abr. de 2011

Xilogravura

Por Marcia Barbieri


Um gato trafega no fio da navalha. O pelo curto e amarelo duplicado no corte da faca. Não matarás... repete um coro ancestral no meu calcanhar de Aquiles. Memória coletiva copiando velhos assassinatos.

Risco o ventre com a ponta da peixeira. Longitudinal. Retalho. Reverso. Umbigo. Meio. Pélvis raspada. Sanguetinta na madeira. Amor de cordel ou tragédia em 3 atos? A boca amordaçada escapa pelos cantos. Os seios escondem as fraturas do peito. Modernistas, famintos. Antropofágicos nos devoramos. Um cão sem costelas come a si mesmo.

A tíbia parte-se em duas enquanto eu esmago a lesma da solidão. Perna amputada. Firmo a prótese e continuo meu caminho. Nu, agora. O pau duro penetrando as madrugadas. Um rastro. Via-Láctea. Restos de esperma no jeans desbotado. A vulva se abre pra mim. Boca de Lobo. Renascimentos nas caudas dos vermes mortos. Os seus olhos parados eram como castanholas sem mãos. Caranguejos roçando pupilas. Não matáras... Gaguejo com a boca em lama.

- O amor é um punheteiro num bar sujo- grita um negro coçando os bagos - dá a bunda em troca de uma tragada.

A sarjeta continua vertendo mijos. Asfaltos em vigília.

Afia as unhas nas fronhas. Rasgos e lábios arrombados. Faz vergões nas minhas costas na noite íngreme. Xilogravuras de Goeldi. Os pelos atordoam minha língua. Desvio dos buracos profundos. O gozo – líquido amniótico melando as rugas da cara.

Meus dedos são multiplicados num jogo de espelhos. Borges e sua escuridão inutilizando coisas. Jardins, às vezes, não são bifurcados.

Seguro o cabo. Posiciono a faca. Vejo o pulso dobrado na lâmina cega.

Amanheço desparafusando os dias.