13 de abr. de 2011

Em defesa de liberdade na Literatura - Malagueta #11

Por Marcia Barbieri

Há semanas estou me questionando sobre as minhas verdades literárias, sobre a minha forma de encarar a arte, esse monstro que nos devora a carne com requintes de crueldade e depois cospe os ossos triunfante. As pessoas normalmente me consideram teimosa; eu diria que a palavra correta é perseverante. Eu levanto a minha bandeira e acerto com o mastro quem estiver com a intenção de derrubá-la.

Nessa minha empreitada de descoberta, durante uma reunião pedagógica, chatíssima e maçante, encontrei em cima da mesa um livro do Luís Fernando Veríssimo. Essa visão me levou para diversos lugares, todos situados na minha adolescência, o que não faz tanto tempo assim, claro. Acredito que o Veríssimo foi o grande responsável pelo meu gosto pelos livros. Comecei a ler e não parei mais, entendi porque ele me conquistou, embora ele não me satisfaça mais como leitora. Vocês devem estar se perguntando: “Mas o que isso tem a ver com conceito literário?”. E eu respondo: quase nada, se não fosse o fato de eu encontrar nesse livro uma crônica intitulada: A orelha. Foi um achado, na hora pensei, está aí o motivo da minha insatisfação. A ornamentação vazia da orelha: “A orelha denuncia uma perigosa tendência latente na criação para o excesso, para a forma pela forma, para o ornamentalismo vazio”. É evidente que Veríssimo critica a afetação exagerada na Literatura, ou seja, a ornamentação em torno do vazio.

No entanto, isso me remete à tendência da nova crítica, enfatizo que me refiro à crítica sem escrúpulos, à crítica que emburrece e massifica a arte. Eles pensam a Literatura como um sistema, no qual um grupo de escritores precisa escrever da mesma maneira, coloca-se um bolo de idéias em uma forma e pronto, se tem mais um texto.

Não é preciso um sistema de Literatura onde todos falem a mesma língua, sou mais a explosão da torre de babel. O Machado também afirmou, não é fundamental seguir uma regra, o texto do autor está, direta ou indiretamente, vinculado ao seu tempo e a sua história. Ou seja, não é necessário fingir. A espécie humana só existe até hoje por causa da variabilidade genética. Não seria diferente com a Literatura, uma forma única de construir arte, com certeza faria tal arte se aniquilar feito um escorpião encalacrado, que come a si mesmo num momento de desespero extremo.

Agora somos obrigados a encarar o texto pré-formulado. Você coloca na forma e o sucesso é certo. Uma verdadeira linha de produção. Você tateia o objeto e jamais conseguirá adivinhar quem o inventou. Um escultor de mãos amputadas, esse é o papel do escritor hoje.

Lembro-me do poema No caminho, com Maiakovski: “Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. / Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso / medo, arranca-nos a voz da garganta. / E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.”. Assim que me sinto em relação à escrita, querem que devoremos nossas palavras, nossos riscos tortos.

Os maus críticos clamam por uma arte sem excessos. Desculpe, mas o escritor a cada texto precisa cortar os pulsos e sentir o sangue jorrar, escutar seu ritmo íntimo. Arte também é pêndulo. Não existe Literatura contida, assim como não existe suicida que não seja louco pela vida. Quanto excesso de vida nos versos de Sylvia Plath: “eu sofri as atrocidades do poente”.

Voltando à anatomia da orelha, depois do texto do Veríssimo descobri que os orientais perceberam que a orelha é semelhante a um feto. Veja você mesmo, observe seu companheiro ao lado. Tão profunda semelhança já não seria suficiente para provar a utilidade da sua arquitetura? Impossível não citar Van Gogh, o pintor holandês ao cortar a orelha não está simplesmente se mutilando, está negando seu incompreendido processo criativo.

Não me admiro que não tenham enxergado a genialidade das pinceladas de Van Gogh. E sinceramente? Se ao pintar “A moça com brinco de pérolas” Vermeer estivesse acompanhado por algum desses críticos de hoje, ele diria: “Pra que o brinco de pérola? Isso é um excesso!!!! Arranque já!”.