27 de dez. de 2010

Um microconto, do livro inédito 'Tesselário' (Reprise)

Por Geraldo Lima
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VIII. ZEZÃO.
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A figura atravessou a ponte e veio no rumo de casa. Menos que um homem visto assim mais de perto: um espantalho, um bicho.
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Corremos pra dentro de casa. De lá, espiando pela greta da janela o ser desgrenhado especado ali no terreiro. Nosso pai veio lá do curral e se aproximou dele. Com certa alegria, a voz do nosso pai: Ora, mas se não é o Zezão de guerra! Quem é vivo sempre aparece... Abrimos então a janela: ali, à nossa frente, no ser maltrapilho, a lendária figura de Zezão. Com quantas festas acabara? Havia roubado a mulher de quem? Duas mortes nas costas, nenhum peso na consciência.
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Louco. Andara pelas estradas e pelos ermos. Nos campos, entre o gado, roendo coco e chupando ingá — João Batista, no deserto, sobrevivendo com quase nada. Noção nenhuma de vida e morte. De cócoras, quase nu diante da nossa casa. Por pudor, as mulheres lá na cozinha. Em troca da roupa limpa, a mão suja estendida cheia de coco indaiá. Um quase sorriso em meio à barba cerrada. Ruína de dentes. Tudo o que lhe restara: o silêncio e uma generosidade insana.