Por Geraldo Lima
Ativa todos os sensores. Como um cão de caça, apura o olfato. Checa os arredores nos mínimos detalhes. Rastreia a memória em busca de parâmetros. Mesmo assim escapa-lhe ainda a realidade que emergiu, em questão de segundos (ou milionésimos de segundo), diante dos seus olhos. É como se um mágico cobrisse a paisagem à sua frente com um pano e, ao retirá-lo, aparecesse outra bem diversa. Isso já está acontecendo há dias. Talvez anos. Séculos, quem sabe.
Está andando à deriva?
É ainda um humano?
Precisa de respostas urgentes, mas tem quase certeza de que não as terá nunca. Há muito tempo já não consegue falar com ninguém. O mundo já não é palpável. O corpo perdeu suas bordas. Algo mudou bruscamente, e ele não se deu conta.
Há poucos instantes, lembra-se bem, estava lá, naquela casa, entre pessoas cujos traços fisionômicos e cujo timbre de voz já começam a se dissolver no ácido do esquecimento. Luta contra essa corrosão, esse desmoronar do passado, esse mergulho no Letes. Quer reter tudo isso para que funcione, quem sabe, como um fio de Ariadne, porque acredita piamente que um dia ainda irá voltar ao ponto de origem, o ponto de onde saiu, talvez (e esta é uma boa hipótese) para comprar cigarros, e para onde nunca mais voltou.
>Continua no dia 12/9.