Por Bruno Bandido
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Whisky devagar e ela por ali, distraída de um papo qualquer com sei lá quem e bebendo cerveja. Os outros detalhes acabam num flash, as respostas cínicas sem maiores pretensões do que levar alguém pra cama e o último gole já colocando a mão no bolso e mirando a comanda – o último gole é sempre o maior de todos. No outro dia, aqui em casa, saio pro campus cedo e levo a única chave porque acho que não vou demorar. Não me importo se ela tem compromissos, pelo tipo de garota e por beber até tarde numa terça-feira abafada com prenuncio de chuva, suponho que não. Volto às onze da manhã e ela finge dormir e eu finjo que não sei que ela tá fingindo e me sento na cama.
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Tem um restaurante aqui perto da tua casa, eles fazem umas pizzas em cones deliciosas. Já comeu?
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Puta merda, ela tá querendo comer pizzas em cones, que porra é essa? É claro que eu nunca comi pizzas em cone e que jamais vou ter saco pra nada do tipo. Digo que não, que nem sabia que existiam pizzas nesse formato. Daí as perguntas chegam, eu sabia, elas tavam demorando, sempre um bocado de perguntas idiotas pra caralho - é assim que se conhece uma pessoa, não é? É assim que o livro padrão nos ensina. Perguntas idiotas. Respondo todas do jeito mais curto possível, e, às vezes, coloco um “e tu?” desleixado no final das frases.
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Definitivamente, não sou um cara simpático - as garotas que não querem nem papo comigo sempre sacam a minha real antipatia logo de cara, as que querem alguma coisa, qualquer coisa que seja, tentam se convencer de que eu seja só mais um tipo fechado. Aí tudo ocorre nos conformes até acordarem, em um dia qualquer, coa nítida impressão de que não vão conseguir me transformar num tio que faz churrasco pra toda a família no domingo e que tem piscina em casa e que deixa as crianças brincarem no jardim. Não há nada mais ridículo do que um antipático forjando simpatia.
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Como cê consegue morar sozinho?
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Que espécie de pergunta é essa? Digo que eu gosto e começo a remendar uma corda arrebentada do meu violão. Ela pergunta sobre o violão e me conta que dança jazz contemporâneo, seja lá o que isso queira dizer. Descobri que a música que toca pra se dançar esses jazzes não é jazz, loucura né? Ela volta ao assunto sobre morar sozinho e pergunta se eu ligo a televisão quando chego em casa, mesmo que eu não vá olhar, só pra ficar escutando alguma coisa. Digo que não e ela fala que quando não tem ninguém na casa dela, costuma fazer isso. Percebo que a coisa não vai parar por ali e decido bancar o cara que entra no jogo. E quando tu tá sozinha, liga o som no teu quarto e fica treinando uns movimentos de dança?
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Abre um sorriso, responde que sim e tudo o mais, conta algo sobre ter quebrado o seu espelho por causa de um movimento espalhafatoso e que não acredita naquela história de sete anos de azar. Resolvo, não sei por que cargas d’água, dizer que eu acredito e ela ri de novo e se espreguiça na cama e alonga suas pernas de jazz.
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Viu? É só a gente começar a conversar que cê já não fica tão fechado assim.
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Eu mereço. O que posso fazer? A garota é legal, o problema é comigo. Digo, ela deve ser bacana prum cara que não seja tão idiota - uma fã da carreira solo do John Lennon, uma doce pequena dançarina que jamais se perdoará por não ter ido a nenhum show do Oasis no Brasil.
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Todo esse monte de merda em meia hora de conversa, eu sei a porra da vida dela inteira e não fiz questão nenhuma. De mim, ela sabe que moro sozinho e acha que eu acredito nos sete anos de azar e que eu sou fechado, mas me solto, aos poucos, com o decorrer da conversa. Pois é, guria, sou assim mesmo. E tem um monte de gente que acha que eu sou antipático, acredita?
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Ela acredita, não é estúpida nem nada, ela é bacana, porra. Bebe nas terças à noite quando a maioria dos meus amigos tão dormindo, não acorda cedo, prefere o John Lennon ao Paul McCartney (grande falha), mas também curte algumas coisas do Lou Reed. Já disse que eu é que sou o merda por aqui e não vou repetir de novo, se não, é capaz de eu acabar acreditando.
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Noite passada, a gente teve uma foda bacana e ela disse que aqueles movimentos malucos eram por causa do Jazz. Eu ainda não sabia sobre a dança e imaginei que fosse o boogie woogie alucinante que saía da vitrola e rolava pelas paredes do quarto - daí fiquei procurando alguma relação entre a mão esquerda sincopada do pianista e a levada pipocada da bateria com aquela puta elasticidade da mina.
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Bruno Bandido - Escritor e uruguaio de 20 anos. Vive em Porto Alegre e acredita que é só mais um jovem caipira que leu os livros errados e apanhou para um tabuleiro de xadrez. Prepara o seu primeiro livro de contos, Guia subterrâneo de relações arrasadas. Bloga em http://brunobandido.wordpress.com/ e edita e faz entrevistas para o Língua Pop (http://linguapop.wordpress.com/).
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Whisky devagar e ela por ali, distraída de um papo qualquer com sei lá quem e bebendo cerveja. Os outros detalhes acabam num flash, as respostas cínicas sem maiores pretensões do que levar alguém pra cama e o último gole já colocando a mão no bolso e mirando a comanda – o último gole é sempre o maior de todos. No outro dia, aqui em casa, saio pro campus cedo e levo a única chave porque acho que não vou demorar. Não me importo se ela tem compromissos, pelo tipo de garota e por beber até tarde numa terça-feira abafada com prenuncio de chuva, suponho que não. Volto às onze da manhã e ela finge dormir e eu finjo que não sei que ela tá fingindo e me sento na cama.
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Tem um restaurante aqui perto da tua casa, eles fazem umas pizzas em cones deliciosas. Já comeu?
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Puta merda, ela tá querendo comer pizzas em cones, que porra é essa? É claro que eu nunca comi pizzas em cone e que jamais vou ter saco pra nada do tipo. Digo que não, que nem sabia que existiam pizzas nesse formato. Daí as perguntas chegam, eu sabia, elas tavam demorando, sempre um bocado de perguntas idiotas pra caralho - é assim que se conhece uma pessoa, não é? É assim que o livro padrão nos ensina. Perguntas idiotas. Respondo todas do jeito mais curto possível, e, às vezes, coloco um “e tu?” desleixado no final das frases.
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Definitivamente, não sou um cara simpático - as garotas que não querem nem papo comigo sempre sacam a minha real antipatia logo de cara, as que querem alguma coisa, qualquer coisa que seja, tentam se convencer de que eu seja só mais um tipo fechado. Aí tudo ocorre nos conformes até acordarem, em um dia qualquer, coa nítida impressão de que não vão conseguir me transformar num tio que faz churrasco pra toda a família no domingo e que tem piscina em casa e que deixa as crianças brincarem no jardim. Não há nada mais ridículo do que um antipático forjando simpatia.
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Como cê consegue morar sozinho?
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Que espécie de pergunta é essa? Digo que eu gosto e começo a remendar uma corda arrebentada do meu violão. Ela pergunta sobre o violão e me conta que dança jazz contemporâneo, seja lá o que isso queira dizer. Descobri que a música que toca pra se dançar esses jazzes não é jazz, loucura né? Ela volta ao assunto sobre morar sozinho e pergunta se eu ligo a televisão quando chego em casa, mesmo que eu não vá olhar, só pra ficar escutando alguma coisa. Digo que não e ela fala que quando não tem ninguém na casa dela, costuma fazer isso. Percebo que a coisa não vai parar por ali e decido bancar o cara que entra no jogo. E quando tu tá sozinha, liga o som no teu quarto e fica treinando uns movimentos de dança?
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Abre um sorriso, responde que sim e tudo o mais, conta algo sobre ter quebrado o seu espelho por causa de um movimento espalhafatoso e que não acredita naquela história de sete anos de azar. Resolvo, não sei por que cargas d’água, dizer que eu acredito e ela ri de novo e se espreguiça na cama e alonga suas pernas de jazz.
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Viu? É só a gente começar a conversar que cê já não fica tão fechado assim.
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Eu mereço. O que posso fazer? A garota é legal, o problema é comigo. Digo, ela deve ser bacana prum cara que não seja tão idiota - uma fã da carreira solo do John Lennon, uma doce pequena dançarina que jamais se perdoará por não ter ido a nenhum show do Oasis no Brasil.
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Todo esse monte de merda em meia hora de conversa, eu sei a porra da vida dela inteira e não fiz questão nenhuma. De mim, ela sabe que moro sozinho e acha que eu acredito nos sete anos de azar e que eu sou fechado, mas me solto, aos poucos, com o decorrer da conversa. Pois é, guria, sou assim mesmo. E tem um monte de gente que acha que eu sou antipático, acredita?
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Ela acredita, não é estúpida nem nada, ela é bacana, porra. Bebe nas terças à noite quando a maioria dos meus amigos tão dormindo, não acorda cedo, prefere o John Lennon ao Paul McCartney (grande falha), mas também curte algumas coisas do Lou Reed. Já disse que eu é que sou o merda por aqui e não vou repetir de novo, se não, é capaz de eu acabar acreditando.
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Noite passada, a gente teve uma foda bacana e ela disse que aqueles movimentos malucos eram por causa do Jazz. Eu ainda não sabia sobre a dança e imaginei que fosse o boogie woogie alucinante que saía da vitrola e rolava pelas paredes do quarto - daí fiquei procurando alguma relação entre a mão esquerda sincopada do pianista e a levada pipocada da bateria com aquela puta elasticidade da mina.
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Bruno Bandido - Escritor e uruguaio de 20 anos. Vive em Porto Alegre e acredita que é só mais um jovem caipira que leu os livros errados e apanhou para um tabuleiro de xadrez. Prepara o seu primeiro livro de contos, Guia subterrâneo de relações arrasadas. Bloga em http://brunobandido.wordpress.com/ e edita e faz entrevistas para o Língua Pop (http://linguapop.wordpress.com/).