Por Geraldo Lima
É público e notório que a internet encurtou a distância entre as pessoas. A facilidade de comunicação através de E-mail, Facebook, Orkut, MSN etc. é a comprovação do que acabo de dizer.
Nesse espaço virtual, a informação circula livre e, às vezes, sem critérios. Um texto pode ser repassado ad infinitum e sofrer, nesse percurso, modificações. Isso, no entanto, não é novidade. Os textos orais, compilados tempos depois, sofrem também esse tipo de intervenção: os copistas podem introduzir ali modificações que alterarão o sentido do texto. Os textos bíblicos são um bom exemplo disso.
Esse preâmbulo todo tem um único objetivo: arejar o ambiente para que eu fale de um fenômeno que tomou conta da internet: os tais textos atribuídos, de maneira equivocada ou não, a alguns escritores e artistas, como Luís Fernando Veríssimo, Arnaldo Jabor, Charles Chaplin, Artur da Távola e, acabo de descobrir, nosso poeta-mor Carlos Drummond de Andrade.
Tocadas pelo caráter positivo de muitos desses textos, as pessoas vão repassando-os, numa cadeia infinita, sem se preocuparem com a veracidade da autoria. O importante, nesse caso, é o teor da mensagem. Logo, o impulso maior é passar adiante essa mensagem tocante, instrutiva e apaziguadora. É um processo contagioso. Como nos diz Jean Baudrillard, “... a mídia moderna tem em si uma potência viral, e sua virulência é contagiosa”. E esse vírus, esse texto de falsa autoria, mas engraçado ou edificante, vai bater, sem dúvida, na sua caixa de mensagens.
A essa altura do texto, alguém já deve estar me indagando indignado: E qual o problema de se repassar esses textos, seu estraga-prazeres, se a intenção é sempre a melhor possível? A princípio, não vejo nenhum problema, mas para alguns autores cujo nome aparece nesses textos talvez haja sim. Alguns sentiram a necessidade de negar publicamente a autoria do texto atribuída a eles. Ariano Suassuna, por exemplo, negou, num programa de TV, a autoria de uma carta que começou a circular na internet após a derrota do Sport na Libertadores. Na carta, entre outras coisas, havia provocações à torcida de outros times pernambucanos, coisa que o autor de O Auto da Compadecida jamais faria, ainda que seja torcedor apaixonado do Sport.
O que me deixa pasmo é a facilidade com que as pessoas vão tomando esses textos como verdadeiros em relação à sua autoria. Se você conhece o texto de Luis Fernando Veríssimo, jamais vai tomar como de sua autoria um texto que apresente um humor grosseiro, sem sutilezas, e de linguagem deselegante. O mesmo pode-se dizer do texto de um Jabor, sempre inteligente. O estilo deve ser inconfundível. A temática também. Desde 1999, circula na internet um poema atribuído ao ganhador do Nobel de 1982. Trata-se do poema La marioneta, ou a despedida de Gabriel García Márquez. De teor sentimental, o poema espalhou-se pela rede e chegou a ser comentando em importantes jornais. Como se descobre a falsa autoria do tal poema? O uso insistente da invocação a Deus. Marxista e humanista, o autor de Cem anos de solidão dificilmente faria uso desse recurso. Linguagem e conteúdo, nesse caso, estão distante do estilo do autor colombiano.
Recebi, dia desses, um texto atribuído a Carlos Drummond de Andrade. O título do poema: Eterno. De cara tomei os primeiros versos como sendo, realmente, do autor de A rosa do povo; os outros, porém, destoavam em muito do seu estilo. Não dava para engolir aquilo como obra do poeta itabirano. Eis os primeiros versos: “Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,/mas com tamanha intensidade, que se petrifica,/e nenhuma força jamais o resgata”. Caramba, isso é lindo! E é lindo não só pela mensagem, mas por apresentar um estilo elegante, refinado. Nota-se, por trás de cada verso, o labor do poeta, o domínio da técnica e da língua. Aí vem a segunda estrofe e a coisa desanda. É como se você saltasse do lombo de um mangalarga marchador para o de um pangaré trotão. Vejam se não tenho razão: “Fácil é ouvir a música que toca./Difícil é ouvir a sua consciência./Acenando o tempo todo,/mostrando nossas escolhas erradas”. Onde que isso é Drummond?! Você pode achar que é bonito, que é construtivo, sei lá, mas a quebra de estilo é violenta. Sai-se do alto padrão de expressão para o simplismo da construção frasal.
Pesquisando na internet, descobri variações desse texto, onde os versos de Drummond ( os verdadeiros!) vêm ora no início, ora no meio, ora no final. O que mostra as intervenções que cada copista faz no texto, adaptando-o, talvez, ao seu gosto e, por que não dizer, ao seu estilo. O poema de Drummond, cujo título é Eterno, passa longe do tom otimista e edificante desse texto ( ou textos) que circula na rede. Nesse poema, Drummond apresenta-se irônico como em muitos dos seus textos, e logo no início deixa isso bem claro: “E como ficou chato ser moderno./Agora serei eterno.” Aqui o eu lírico afirma sua intenção de ser eterno, talvez por enxergar no espírito do moderno apenas o transitório, a precariedade da existência. Nos textos apócrifos, tudo isso desaparece. E continuará desaparecendo na grande rede da globalização.