“You're the fugitive but you don't know what you're running away from.”
Old yellow brick – Arctic Monkeys
Todo o lugar era chamado de Mirante, Alice e Alex deixaram para trás um chinês agonizante azarado e o seu Opala destruído e seguiram o coelho branco, agora, estavam numa espécie de platô, construído à beira da estrada, um pouco após o acostamento e aonde pararam para observar o que sobrara do animal.
Com a ponta de um graveto, Alex remexia as entranhas do coelho, eviscerando o bicho órgão a órgão. Alice olhava a distância, mas não via o rapaz subitamente curioso pela anatomia dos leporídeos, que agachado junto aos restos do bicho, agora levantava com cuidado a boca do coelho, os enormes dentes saltavam a vista, Alex olhava fixamente a fenda entre os dentes e a gengiva, instintivamente o rapaz levou à mão aos seus próprios lábios...
Ainda pasma, Alice estava irritada. Sentia-se estúpida e perguntava-se como caíra no ardil da velha senhora chinesa. Pensava assim sentada numa pedra, joelhos tocando joelhos. Tinha o estranho cachimbo nas mãos, olhava e olhava para ele sem entender ao certo as artimanhas daquilo. Cansou-se da cena de autocomiseração: pegou o cachimbo, depositou calmamente sobre a pedra em que estava sentada, pegou uma outra, enorme, ergueu-a com as duas mãos sobre a cabeça. Tomou distância... impulso... e correu. A sua raiva se dissiparia com a sua ideia: com a força que possuía e o pedregulho: o alvo: o cachimbo. Não saberia o que aconteceria se o destruísse, mas iria fazê-lo – como um símbolo.
A pedra atingiu bem do alto, bem em cheio e...
Nada.
Esfarelou-se, mas para a surpresa do imaginário de Alice, nada de especial aconteceu: luzes, raios cósmicos, espíritos orientais, fumaça sequer. Nada nada aconteceu – Alice se sentiu frustrada e cansada. Era hora de andarem. (E acertar contas).
– Alex, vamos... Temos que ir, estou farta desse leugar! E quero esganar aquela velha.
– E para onde vamos, voltar para o Ásia?
– Não sei... Antes vamos aonde essa trilha de tijolos nos leva.
– Igual na história que leva o seu nome!
– Não, idiota! A dos tijolos é O Mágico de Oz...
– Ah tá...
***
“...ferido e em estado de choque, Ruãn Martinez foi levado às pressas ao Hospital. Passou por duas cirurgias: a primeira, mais urgente, para a remoção de um grande coágulo cerebral e a segunda, com certeza, mais bizarra, enxertiva: a polícia encontrou o zelador do Ásia com o rosto coberto de sangue e para o choque dos socorristas, parte da sua bochecha fora retirada: os primeiro laudos indicam que por uma mordida. Os peritos ainda não sabem se essa mordida foi feita por algum animal ou... algum psicótico ou dois. Sim. Depoimentos anônimos apontam para um casal de jovens que estiveram no Ásia hoje, no início da tarde.
Eu sou Cláudia Vargas e esse o nosso Plantão; é com você Silveira.”
Acho que como todo ouvinte, ficamos em choque àquele relato. A reportagem falava de mais episódio, provavelmente, envolvendo Alice e Alex. Eu ouvi tudo. Minha avó parou de costurar e minha de cozer e ficamos estáticos diante do rádio.[1]
***
– Isso é doideira, Cláudia?! Você não pode entrar no ar e levantar hipóteses não confirmadas pela polícia! Isso é crime...
– Crime? Qual?
– Ah, deve ser! Ao menos é incitação de histeria, sei lá... Sei que é um caminho perigoso para se seguir.
– Não me importa, farei desses perigos a minha estrada de tijolos amarelos. O que me importa de fato é que serei eu a primeira repórter a tirar uma foto de casal de malucos. Ou não me chamo Cláudia Vargas.
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» No próximo episódio, Alice e Alex tem uma tarde de puro tédio em uma sessão de cinema em "8 e ¹/²".
» Anteriormente em A Balada Imprudente de Alice e Alex: A Invasão Chinesa - ep.03 [parte final]
[1] Notas do Caderno Azul.
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[1] Notas do Caderno Azul.