7 de jul. de 2010

Os colunistas d'O BULE entrevistam Marcelo Mirisola


Marcelo Mirisola formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É conhecido por escrachar a sociedade através de uma linguagem escatológica, recheada de humor e muita ironia e também por manifestar o seu desagrado em não ser lembrado para as feiras literárias e prêmios. É autor de Memórias de uma sauna finlandesa (Editora 34), Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros. Atualmente, Mirisola vive na cidade do Rio de Janeiro.
.
.
RODRIGO NOVAES DE ALMEIDA – Quem ou o que você lê hoje, entre vivos, mortos, objetos inanimados etc.?
MARCELO MIRISOLA – Não tenho mais o prazer que tinha aos 20, 30 anos. O prazer da descoberta, e isso vale tanto para os autores que não li como para os textos que não escrevi. Os únicos que ainda me dão algum prazer (caso contrário é melhor não seguir na leitura, eu ach0) são os livros do Tanizaki, os prólogos do Borges porque a ficção dele não me pega mais, Philip Roth que é um autor especial para ler em saguão de aeroporto e Cioran que eu leio e releio para rir e me distrair quando o ar está muito pesado. Às vezes é bom reler um pouco de Cortázar também, porque não fumo maconha. Ah, e o blogue do Mario Bortolotto todo dia.
RODRIGO NOVAES DE ALMEIDA e GERALDO LIMA – “Para mim, escritor que faz projeto, pesquisa, essas coisas, é picareta”, você disse numa entrevista publicada na revista virtual Submarino, em 2000. E concluiu dizendo que não fazia pesquisa para escrever seus livros, que era um “processo íntimo”. Você poderia explicar melhor esse seu processo de criação? Como é a sua rotina de trabalho? Há uma rotina?
MARCELO MIRISOLA – Se você fizesse essa pergunta prum motorista de ônibus, ele diria: ligo a chave, engato a primeira, a segunda e vou aos trancos e barrancos até o ponto final. É isso, com a diferença que escrevo livros.
.
.
CLAUDIO PARREIRA – Em 1998, no lançamento de Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia, o editor da Estação Liberdade botou lá na orelha que você veio pra quebrar. Veio mesmo? Era essa a sua intenção desde o começo?
MARCELO MIRISOLA – Frase de efeito, que ele não assinou embaixo quando mostrei o Herói Devolvido, disse que o livro tinha muito palavrão, você acredita nisso?
CLAUDIO PARREIRA – Você vive (e escreve) dando foda-se pra todo lado — e ainda assim te consideram um dos mais representativos autores da nova geração. O que você acha disso? Esse povo todo não passa de baba-ovo ou não tem mesmo coragem de encarar você e o que você escreve?
MARCELO MIRISOLA – Essa babação de ovo, como você diz, transformou-se em vamos fingir que o Mirisola não existe. Faz muito tempo que o Marcelino Freire, por exemplo, não me puxa mais o saco. O Manuel da Costa Pinto é outro: escrevia editoriais todo o mês na Cult dizendo que eu era o maior escritor do Brasil, depois que quebrei o pau com ele por conta da armação que fizeram no Portugal Telecom (Bangalô), não deu mais nem um pio. O que eu acho disso? Tudo pessoal, meu caro Cláudio. Uma palhaçada.
.
.
JEAN ROBERTO e MAURO SIQUEIRA – 2008, ano do Proibidão. Como se sentiu ao não ser lembrado na mídia? Você se revolta por não ser lembrado em premiações literárias? Você se considera um escritor marginal em relação a outros escritores contemporâneos?
MARCELO MIRISOLA – Faz umas três semanas, publiquei uma crônica no Congresso em Foco que falava da morte de Wilson Bueno. Tratava disso. No intervalo entre uma falsidade e outra, o Estadão encomendou uma resenha do Proibidão pro Fabiano Calixto. Calixto elogiava o livro, e a resenha não foi publicada. Por quê será?
Mas eu acabei me acostumando. Na estréia do Monólogo da Velha Apresentadora, Mônica Bérgamo deu uma página inteira na Ilustrada e não citou o autor da peça. Cazzo! Até peça espírita tem autor! Reclamei pro bispo, pro ombudsman, pro dono do jornal e nada. O Marcelino Freire ganhou o Jabuti no ano que escrevi Notas da Arrebentação ... é tanta mas tanta sacanagem, que eu vou até perdendo a conta. Procuro esquecer, porque senão teria que contratar uma secretária para fazer inventários, arquivar por pasta. Sabiam que sou suplente da Andréa del Fuego no Pacc? Meu livro de contos mais recente, Memórias da Sauna Finlandesa, não pegou nem qüinquagésimo quarto lugar na Prêmio Piada de Português Telecom de Literatura.
Uma aberração seguida da outra. No caso desse prêmio Piada de Português Telecom, resolvi cometer a indelicadeza de ir atrás dos jurados para perguntar: em quem você votou? Sabem o que descobri? Que tem gente que consta da lista inicial, e não votou. Estão usando o nome dessas pessoas indevidamente. Ítalo Moriconi não votou, e o nome dele está lá. João Gilberto Noll não votou e o nome dele também está lá. A mesma coisa aconteceu com Edson Cruz. Aí eu me pergunto: se o nome de quem não votou tem peso, imaginem o nome de quem votou (dezenas de jurados que são meu desafetos...)... Enfim, como é que se pode acreditar nessas coisas?
Antes, eu me contorcia de raiva, hoje dou risada: prefiro acompanhar o desfile de 7 de setembro. Sinceramente – se não fosse pelo dinheiro, que é uma merreca se comparado a um sorteio do Programa do Ratinho, diga-se de passagem – eu teria vergonha de ganhar um treco desses. Eu penso que as pessoas que dão verniz a um Portugal Telecom (jurados e autoridades de palanque), estão involuntariamente participando de uma Piada de Português. Depois, não vai adiantar nada chorar pelo Leite Derramado.
JEAN ROBERTO – Prefere escrachar a sociedade literária ou a sociedade como um todo?
MARCELO MIRISOLA – Eu não escracho, eu somente faço a contabilidade, o documentário.
.
.
MAURO SIQUEIRA – Se pudermos apontar com clareza uma tendência na literatura contemporânea – senão como clareza, mas ao menos como temática recorrente –, bem seria a autoficção. Pelo apresentado, suas obras estão nesse âmbito. Por que você acha que é tão valorizada essa preferência? Questões de mercado? Possibilidades mais interessantes de (re)criação?
MARCELO MIRISOLA – Porque o pessoal não sabe escrever. E Mirisola só tem um.
.
.
GERALDO LIMA – O que há de Bukowski, John Fante, Hilda Hilst, Nelson Rodrigues e Libertinos do Século XVIII em sua literatura?
MARCELO MIRISOLA – Sou místico, sabe? Acredito em Borges. E aí eu sou obrigado a usar a tese dele, aquela que diz que existem autores (você esqueceu de Machado de Assis) que influenciam seus predecessores e, a partir daí, poderíamos inverter essa questão. Ou seja: o que existe nesses autores de MM?
GERALDO LIMA E ROGERS SILVA – No romance Joana a contragosto, em determinado momento, você se diz merecedor do Nobel de Literatura: “...por minha prosa ser oceanicamente melhor que a de Lobo Antunes e Saramago, juntos...” Em outras passagens, você se refere aos seus livros como “cinco livros geniais”. O que há de esteticamente genial nos seus livros que o leva a se declarar melhor que a maioria dos escritores contemporâneos? Ou seja, em que exatamente sua literatura se diferencia das demais literaturas para que você, ou qualquer outro, a considere genial?
MARCELO MIRISOLA – Eu escrevi isso num livro de ficção!!! Se vocês dão crédito a uma passagem dessas (que serve a um propósito estético, diga-se), bem, sou obrigado a concordar – embora a contragosto – que realmente existe um gênio que me inspira, e cujo nome é Marisete. O que vocês desejam? Cada um tem direito a três pedidos.
GERALDO LIMA – Durante um bom tempo, creio que até os 34 anos, você foi sustentado pela sua mãe. Hoje, essa situação mudou? Os direitos autorais dos seus livros já lhe permitem uma independência financeira? Enfim, os seus livros são um sucesso de venda?
MARCELO MIRISOLA – Minha mãe é a única pessoa que entende de literatura no Brasil.


HOMERO GOMES – O Julio Daio Borges, editor do site Digestivo Cultural afirma que você "é, no máximo, um cronista – daqueles que destilam suas misérias". O que do Marcelo podemos encontrar na literatura de Mirisola? Se para o Julio você "está lá (em sua ficção) em todas as folhas", há alguma razão para dividir e para juntar o que é ficção do que é realidade? Por que a crítica sempre mistura o escritor com o autor e narrador de seus livros? E o que você acha disso?
MARCELO MIRISOLA – O Julio tem uma certa razão, e reafirma o que eu disse acima: faço a crônica, ou melhor, a contabilidade das minhas misérias, a mesma coisa, aliás, que ocupava o tempo de Nelson Rodrigues, Machado de Assis e Lima Barreto. Se você não encontrasse o Marcelo no Mirisola, encontraria o Borges no Julio, e o efeito seria no mínimo broxante. Caramba! Se você quiser a companhia de fantasmas inodoros, procure ler os chatos que ganham os prêmios telecons da vida. Essa gente, aliás, dá cursos na Usp e na Casa do Saber. Eles ensinam como não ter alma e como desfilar havaianas em Paraty. Com relação à crítica, eu penso que eles estão me consagrando quando misturam autor e narrador, coitados, são tão ingênuos, estão perdidos.
HOMERO GOMES – Você afirma em “Escritores: 43 entrevistas” da Revista Submarino, cuja organização é de Eduardo Maretti, que escreve "porque sou um inválido para qualquer outra atividade". A escrita literária se reserva a quem, então? Aos inválidos? E como estão se saindo os inválidos contemporâneos?
MARCELO MIRISOLA – A quem tem talento, Homero. E isso não tem nada a ver com a atividade que o fulano exerce ou deixa de exercer. Veja o meu caso. Eu não tenho o talento para singrar mares poliglotas como um Conrad, mas posso perfeitamente alcançar os mesmos lugares que ele alcançou. Inclusive, fazendo a mesma coisa que você, isto é, usando sofismas inocentes para tentar encalacrar meu interlocutor. Mas eu prefiro Sócrates, já ouviu falar em maiêutica? O Horror! O Horror!
HOMERO GOMES – Em 2008, você escreveu que "o talento é imperdoável. Ou você tem vocação para costureiro, relações públicas, releases, resumos e tapinhas nas costas... ou você está morto". Esse novo mundo literário, baseado mais em purpurina do que em palavras, em sua opinião, está caminhando para onde? Considerando as mudanças tecnológicas que estão acontecendo rapidamente, o que podemos esperar para o futuro da literatura e da chamada vida literária?
MARCELO MIRISOLA – Dá uma olhada nas livrarias. Veja os livros que estão em destaque. O futuro chegou e Paraty está aí.
.
.
ROGERS SILVA – Um dos seus contos mais hilários é exatamente um dos mais politicamente incorretos: “Pepê, um cara legal”, do livro O herói devolvido. Nele, o narrador defende – ironicamente – a vida sexual dos mongolóides (esse é o termo usado), e defende sobretudo porque ele ganha com isso, uma vez que é chupado pelo Pepê, o “mongolóide”. Além de sexualmente, o narrador o explora financeiramente. Houve alguma ressonância/reclamação, por parte de leitores ou da crítica, por causa do discurso desse conto, ou de quaisquer outros – de outros livros – também considerados politicamente incorretos?
MARCELO MIRISOLA – Nada. Ninguém reclamou, talvez porque tenham se identificado.
ROGERS SILVA – O conto “Basta um verniz para ser feliz” é uma crítica ácida às famílias de classe média brasileiras. Nele, o pai de família é homossexual e tem um amante. Sugere-se que sua esposa seja lésbica. A filha de quinze anos, uma biscate. O filho de dezessete, um veadinho. Você não se preocupa em ser visto como um autor moralista quando critica – em sua literatura ou em seu discurso pessoal – os deslizes (ou o que considera como deslizes) dos seres humanos, como se eles tivessem a obrigação de ser incólumes e incorruptíveis? Por mais paradoxal que possa parecer, há influência do discurso religioso em sua literatura?
MARCELO MIRISOLA – Sou um carola, Rogers. Cristão. Moralista como Henry Miller e Nelson Rodrigues, mas o meu “discurso pessoal ou político” – embora possa ter alguns pontos comuns – não é necessariamente o meu “discurso literário”, pensei que isso fosse óbvio.
ROGERS SILVA – Pergunto o oposto do que foi perguntado antes, por outros colunistas: quem você se recusa a ler hoje? Dentre os autores contemporâneos brasileiros, quais considera pouco merecedores da fama que possuem?
MARCELO MIRISOLA – Todos aqueles que, para o meu gosto, são chatos. E aqui, vamos fazer um exercício de imponderabilidade: se um Rufatto fosse um James Joyce, eu não o leria da mesma maneira. Tem tanta merda por aí... tanto Arnaldo Antunes...