Por Mauro Siqueira
---...clamor docente me fazendo o favor de ter pensamentos intranquilos. A janela se avultava como uma deliciosa possibilidade de dezesseis andares. Nunca olhei para baixo – nem na vida – sem ficar zonzo, não: seduzido – esse é o termo, mas aquele clima fazia duvidar as minhas sensações do que se passava a minha volta. E se eu fosse uma barata? Ou outro animal rastejante qualquer, teria esse tipo de sensação? Se pintasse quadros, quadros que ninguém, além de mim, gostassem? Ou livros, ikebana, curling ou que guardasse carros? E daí?!
---O professor por detrás dos óculos de tartaruga faz a pergunta. A turma a minha volta: manequins de camisaria de galerias em Copacabana, se olham e se negam, sonegam o que todos sabem: ataraxia. O professor também é manequim. (E se eu fosse uma barata?) Da outra sala, ouço outro esforço incolor: uma cega a gritar no deserto para uma caravana de estrábicos e astigmatas, rumo a uma tempestade. (Outra comédia a ser filmada por Hollywood.)
---Ontem, assim sem querer, ela caiu no meu colo – uma barata. Cascuda e voadora. (Todas as baratas voam?) Era linda. Cinco, sete centímetros, o dorso achatado, de um castanho escuro brilhante, antenas curiosas. Andou pela minha mão. Fechei com força. Limpei o que ela se tornou na minha calça nova de marca. Ontem, assim sem querer, ela caiu no meu colo. Joana mais linda do que a última vez que nos vimos na despedida. Estava mais linda... talvez fosse a nova confiança que deixou ela tão altiva.
---Ela não se assustou, eu sim.
---Eu sim...
---Não foram 3 minutos, mas relógios são inescrupulosamente sinceros; a percepção alterou e percebi os meus erros um a um.
---(Não, não sei a razão dessa proposição, professor... irônico...)
***
---E se eu fosse Platão? Não confiaria nos meus sentidos. Olho os buracos da minha calça sobre o tênis, a velha gorda do outro lado da estação do metrô lambe os dedos, também gordos, besuntados de açúcar. Era uma cena abjeta: duzentos quilos de banha e duzentos gramas de açúcar em perfeita harmonia. A cor da sua íris castanha de um castanho vermelho, brilhante, me lembrou uma barata, ainda se mantém na minha retina. Foram só 3 minutos.
***
---Os dentes dele, do professor, me irritam. O silêncio dos manequins me irritam. E a janela ainda acena como possibilidade. Ela me diz que agora namora alguém-não-eu, com a cara daquele pirata afetado. E se eu fosse o Johnny Depp? O maldito do professor tem todos os dentes certos, em nível, mas e os caninos? Não tem ou são serrados. É um herbívoro, um maldito herbívoro, o professor; feito para ser feito comida dos outros...
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***
---A mulher gorda e abjeta de dedos sujos sumiu, eu acho; ou mudou de lugar, eu acho; do se lugar um senhor de ar gasto faz agora a sua vigília. Os buracos na minha calça são deprimentes, as meninas de colégio olham com atração. Aumento o volume da minha dispersão junto com o volume do MP3. Qual a finalidade do poeta? Deixar a sua voz tatuada na memória de nós. Tatuagens... Ela cobriu as nossas inicias com uma carpa branca e coral – coisa de japonesa. Foram só 3 minutos. Se eu fosse aquele senhor de ar gasto e cansado? Teria ela pena de mim? Ou simplesmente se desfaria de mim com a força da sua mão – e seu eu fosse uma barata? As bolsas quebram. Tóquio. Londres. Paris. Sei lá. Paixões. Amores. Sei lá, também. O meu prazer não. No banheiro foram apenas 3 minutos, podia ser mais, mas ela não quer perder tempo (e eu a esperança). E se eu fosse a bomba de Hiroshima? Saúdam as crianças telepáticas! Não cheguei a gozar (ótimo argumento!), ela quis matar o tédio, me usar, mostrar quem dá as cartas, inverter a ordem natural das coisas – me sinto de dentes nivelados, aqui –, ela não me deixou falar: foi logo me empurrando, abriu a minha calça cheia de buracos que as minhas alunas gostam, alunas como ela, que tem os olhos tão castanhos quanto os dela, quanto os da barata, já faz tanto tempo que não consigo ter certeza se é ela quem lambe os dedos besuntados de açúcar do outro lado da estação, todo esse esforço faz meu peito palpitar, devo parecer gasto, já faz tanto tempo... E 3 minutos destroem anos, anos certos de certezas, anos certos de, certos de... vida em comum. Nunca me disseram que relacionamentos era uma via de mão dupla.
---Eu ainda leio Platão, Kafka... Ela tinha medo de baratas – me fez ler o livro para ela! Eu acho que aquilo é uma tatuagem, meus óculos de tartaruga estão lentos - "lentos", "tartaruga"... entenderam, ah deixa pra lá, você não me ouve mesmo com essa merda emepetrês no ouvido, né garoto? Ou apenas finge. Todos fingem. Quem dá atenção para um velho gasto como eu? Que rememora momentos que já duvida se foram deles e que (re)vê diante dos olhos, tão bem encenado num filme mnemônico por um Johnny Depp qualquer, que não ele – de dentes gastos; a velha gorda tatuada nem sempre fora velha, gorda, mas tatuada sim: um contrato lavrado em pele, sangue e tinta: sangue de ambos, pele de ambos. Agora ela tem a porra de um peixe japonês por cima do nome!; a minha tatuagem sempre visível entre as rugas do tempo no meu braço. Todas as noites, to-das as noi-tes, o nome dela finge que se esqueceu de tudo e de mim e se vira para dentro das rugas, escondendo-se do dono, fazendo doer sempre, mas por mais que a odeie agora (a tatuagem), não sei não-olhar.
---Seus olhos não estão tão gastos assim, como os meus, os dedos de açúcar param de ser sugados, ela se levantou, garoto!, foi até o limite imposto pela faixa amarela da estação, por um instante vislumbro reconhecimento, e a vida vai assim: tudo nesse ritmo: no instante em que uma composição surge e se atravessa no nosso caminho...
---O trem segue o seu caminho, levando-a antes de uma confrontação de fato – e que descubro que definitivamente meus dentes estão serrados e cerrados. Mais outra vez ela se foi. (A esperança é estúpida.)
---Não tenho certeza se era ela.
---Não tenho certeza se ela me viu.
---Não tenho certeza se a sua íris ainda é castanha...
---É apenas mais uma coisa para eu pensar “e se...”
---Me sinto tonto com todas essas luzes e com a velocidade do trem do metrô.
---Eu ainda leio Platão, Kafka... Ela tinha medo de baratas – me fez ler o livro para ela! Eu acho que aquilo é uma tatuagem, meus óculos de tartaruga estão lentos - "lentos", "tartaruga"... entenderam, ah deixa pra lá, você não me ouve mesmo com essa merda emepetrês no ouvido, né garoto? Ou apenas finge. Todos fingem. Quem dá atenção para um velho gasto como eu? Que rememora momentos que já duvida se foram deles e que (re)vê diante dos olhos, tão bem encenado num filme mnemônico por um Johnny Depp qualquer, que não ele – de dentes gastos; a velha gorda tatuada nem sempre fora velha, gorda, mas tatuada sim: um contrato lavrado em pele, sangue e tinta: sangue de ambos, pele de ambos. Agora ela tem a porra de um peixe japonês por cima do nome!; a minha tatuagem sempre visível entre as rugas do tempo no meu braço. Todas as noites, to-das as noi-tes, o nome dela finge que se esqueceu de tudo e de mim e se vira para dentro das rugas, escondendo-se do dono, fazendo doer sempre, mas por mais que a odeie agora (a tatuagem), não sei não-olhar.
---Seus olhos não estão tão gastos assim, como os meus, os dedos de açúcar param de ser sugados, ela se levantou, garoto!, foi até o limite imposto pela faixa amarela da estação, por um instante vislumbro reconhecimento, e a vida vai assim: tudo nesse ritmo: no instante em que uma composição surge e se atravessa no nosso caminho...
---O trem segue o seu caminho, levando-a antes de uma confrontação de fato – e que descubro que definitivamente meus dentes estão serrados e cerrados. Mais outra vez ela se foi. (A esperança é estúpida.)
---Não tenho certeza se era ela.
---Não tenho certeza se ela me viu.
---Não tenho certeza se a sua íris ainda é castanha...
---É apenas mais uma coisa para eu pensar “e se...”
---Me sinto tonto com todas essas luzes e com a velocidade do trem do metrô.
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