13 de mar. de 2010

'Mulheres' - parte 05

Por Claudio Parreira

MULHER NO BANQUINHO

TARDE QUENTE da porra, nenhum movimento.

Ela simplesmente saiu pra rua e se sentou no banquinho em frente. Não era mais uma menina, a barriga empurrava o vestido e os peitos que antes miravam o sol agora observavam as pedras do calçamento. OK.

Mas o banquinho era um outro universo. Ali ela era outra, plena, capaz, poderosa. Menina outra vez.

No ar quente ela via de novo o seu príncipe, os príncipes, as promessas realizadas. O carro que nunca teve. A casa.

Bastava fechar os olhos e tudo voltava, ali, no banquinho. Algumas coisas esquisitas também, piratas, cavalos verdes, navios flutuantes. Mas tudo aquilo cheirava melhor que o seu lençol.

Como de outras vezes, ela costumava abrir as pernas e esperar. O gozo. Não havia ninguém mesmo ali pra ver. Inundasse a calçada e não haveria nenhuma testemunha. E as imagens se sucediam por detrás dos seus olhos fechados: aquele beijo desconhecido, os filhos de sonho, o abanar de rabos dos cachorros inexistentes.

Mas era sempre assim: quando o tremor começava, quando o vulcão estava prestes a explodir, sempre aparecia um vilão disposto a lhe trazer de volta.

O homem veio, sorriu, segurou pelo braço. No seu bafo alcoólico, a fala objetiva, voz de dono:

— Vem!

Ela levantou, abaixou os olhos, deu dois passos de volta. Aí olhou o homem nos olhos, sorriu, e correu pro outro lado da rua. Havia um pirata sobre um cavalo verde, o navio flutuante à sua espera. Era mesmo uma tarde quente da porra.



O SOL DE TODAS AS NOITES


Para Edelícia


HAVIA UM SONHO em mim antes de você, e subitamente você emprestou carne e voz à fina matéria inebriante desse mesmo sonho que eu achava só meu.

Perplexo, indaguei o vazio, Deus, os silêncios que me preenchiam desde sempre. Um medo. O amor.

Passei dias fugindo de mim, o nariz tentando esquecer o perfume que já estava gravado pra sempre no cérebro. A concretude da pele. Os seus olhos que me ofereciam frescor e abismos.

Eu não acreditava mais. Minhas mulheres de sonho, sempre elas. Mas você se impunha como um a realidade incômoda. Peitos e bunda, os fluidos da nossa rasa experiência comum.

Não me julgava merecedor de uma mulher de verdade. Eu, que sempre amara mulheres inventadas.

Um dia porém resolvi fechar os olhos e abrir os braços. E a luz se fez.

A felicidade é um fardo sorridente. E eu sorri, sorrimos. Experimentamos o sonho de viver de amor.

Agora existe um deserto entre nós. O sol de todas as noites. Mesmo com você ao meu lado, minhas mãos não te alcançam mais. Nossas palavras se perdem no vazio de um rancor amargo.

Mais uma vez me volto para a intangibilidade das mulheres de sonho, agora certo de que a realidade não é suficiente. A solidão é uma doença que não se cura com abraços.

Nunca te conheci de fato, percebo agora; você também nunca me conheceu. Seguimos apenas os dois, perdidos dentro da névoa.