6 de mar. de 2010

'Mulheres' - parte 04

MALTE CLUBE

Por Claudio Parreira



RENA, ESSE O NOME DA ZINHA. Toda noite no Malte Clube, as botas escondendo as canelas, o vestidinho exibindo as coxonas, o cabelão quase na bunda. Mas perdia a viagem quem chegava com lero-lero e finalmente. Rena dançava com qualquer um que pagasse, bebia, jogava bilhar. Mas nada de ir para o quarto como as outras, ficar no bem-bom. Era mulher da patroa, dizia pra todo mundo ouvir – e quebrava a cara de quem se metia a besta.

Conhecedor dos usos e costumes do Malte, eu ficava na minha. Pegava uma menina, outra, e assim ia levando. A patroa, monstra de tetas firmes, confiava em mim:

— Você é o único que respeita a minha casa. Te considero como um filho.

Um filho, sim, mas eu botava os olhos na sua mulher. Até um cego botaria. As outras meninas, sambadas, faziam o trivial. Bonita mesmo era Rena, os peitos olhando pra mim, os cabelos espalhando perfume no ar. Acho que é por isso que me foi crescendo um fogo aqui por dentro, um fogo bom.

Fiquei então meses e meses de conversa fiada, cercando. Tudo com muito respeito, é claro, porque não queria me estrepar nem perder a estima da patroa.

— Você é um filho pra mim — repetia ela, toda noite.

Rena, sabida, percebeu logo as minhas intenções. Numa noite de pouco movimento, ninguém pra dançar, ela me puxou prum canto mais retirado:

— O que é que anda passando pela tua cabeça?

Eu ia explicar, mas as palavras eram tantas que resolvi ir direto ao assunto: soquei-lhe um beijo daqueles, comprido, sufocante. Ela relutou, bateu com as mãos no meu peito, fez que ia me morder a língua. Eu segurei, forte, e ela acabou se entregando, o fim do beijo já com ela enroscada em mim. A mulher da patroa, a que batia e acontecia, aonde? Faltava alguém como eu na sua vida, um homem.

— Loco? Tá loco, cara? — bufou ela.

— Acho que te amo — foi o que eu consegui dizer.

Por dois dias ela não me olhou na cara. Ficava de fuxico com uma e outra, cochichava com a patroa, sua mulher. Logo depois, porém, ela mesmo veio se chegando, mansa, gata macia. Eu, sabedor do perigo por ali, falava qualquer coisa e saía de perto, ia tomar cerveja, apertar os peitos das meninas solteiras. Pelo canto do olho eu via que Rena espumava. Isso era a minha garantia.

No Malte não tinha jeito, e o jeito então era marcar os encontros onde dava: no mato, na beira do rio, no hotel da cidade, no meu quarto de pensão. Rena, corpinho lindo, pouco uso de homem, gemia embaixo de mim feito menina, baixinho, e eu sonhava: já via a mulher cuidando da casa, dos pirralhos, me esperando de noite pra comer, essas coisas. Só que o sonho durava pouco, ela devia ir, voltar pro Malte antes da patroa acordar, manter as aparências. Isso me irritava mais que tudo, mas ela, esperta, falava eu te amo no meu ouvido e resolvia o assunto.

No Malte, a mesma história de sempre: a patroa de conversa comigo, matraca velha:

— Um filho pra mim, um filho.

Eu não conseguia nem sentir vergonha de estar enganando a mulher. Sentia, isso sim, raiva dela, raiva por ela estar empatando o meu amor, raiva por ela dormir com a mulher que eu queria só pra mim. Mas fazer o quê? A patroa dava a Rena uma casa, cama, dinheiro, vestidos caros da cidade, tudo isso. E eu, o que eu dava? Dava só o meu corpo e sabia que isso não bastava. Era preciso mais e eu não sabia por onde conseguir.

— O meu amor tá tão quieto hoje. O que foi? Não tá gostando da sua mulher?

O cigarro aceso, eu olhando pro teto e vendo a fumaça subir.

— Nada não. Tô aqui pensando numas coisas.

Rena se vestindo novamente, ia voltar para o lado da bruxa velha.

— Rena...

— O que foi?

— Nada não.

Cabeça quente, naquela noite eu entrei no Malte decidido. Passei pela patroa sem cumprimentar, fui direto pra Rena. Ela me olhava como quem não via, e eu, nervoso, abri o jogo:

— Quer casar comigo?

Ela riu, a patroa riu, os homens e mulheres do clube riram. Fiquei ali perdido, sonso no meio daquela gente. A patroa, rindo ainda, se aproximou, abraçou Rena na minha frente e lhe deu um beijo daqueles. Eu quis apartar as duas, brigar, mas um homem me segurou por trás.

— O sujeitinho aí quer casar com você, menina — falou a patroa. — O que você acha?

— Acho que o otário caiu direitinho — respondeu Rena, seca.

— Mas Rena — falei —, e nós?

Riram de novo, todos. Ela, aproveitando que eu tava seguro, largou uma porrada na minha boca. Vi prazer em seus olhos — e cuspi sangue, dentes.

— Filho, filho — falou a patroa. — Não sabia que mulher minha é mulher minha? Ou pensou que tava me enganando, eu, que fui criada na viração?

Senti raiva: tudo armado desde o início, eu tinha sido o bobo, o palhaço de todo mundo. Rena veio, o golpe final:

— Você é um tonto, cara. Homem nenhum vale a mulher que eu tenho. Ela é melhor que você em tudo, tudo mesmo.

Ingênuo ainda, falei, despedaçado:

— Mas Rena, e o meu amor?

— Enfia o teu amor no cu! E some logo daqui, antes que eu te quebre o resto dos dentes.

O homem me soltou os braços, me empurrou, quase fui de cara no chão. De cabeça baixa, atravessei o salão do Malte Clube como um cachorro sem dono. Na rua, ainda ouvia as risadas lá atrás. Devagar eu entrei na noite, devagar eu desapareci.