3 de mar. de 2010

Os colunistas d'O BULE entrevistam Moacir C. Lopes

Com o nome de batismo Moacir Costa Lopes, nasceu em 11 de junho de 1927, em Quixadá, Ceará. É autor consagrado da literatura brasileira, com seus livros traduzidos para vários idiomas. Além de romances com a temática do mar, escreveu ensaios e literatura infanto-juvenil. Deu aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e na Faculdade Hélio Alonso, nas áreas de Comunicação Social, Jornalismo, Relações Públicas. Em 1969, fundou a Editora Cátedra, com a escritora Eduarda Zandron, editora pela qual publicam cerca de mil autores nacionais, a maioria estreantes. Moacir C. Lopes completou 50 anos de carreira literária. Em 1959, Moacir publicava o seu primeiro romance, Maria de cada porto, livro elogiado pelos maiores críticos e escritores nacionais e estrangeiros. Seu trabalho mais popular é A ostra e o vento, obra adaptada para o cinema por Walter Lima Jr. Tem participado de congressos, simpósios e conferências sobre literatura em todo o país, jurado de concursos literários, inclusive do “V Cine Ceará – Festival Nacional de Cinema e Vídeo”, em 1995. Possui escritos, para publicação oportuna, dois volumes de suas memórias, ainda sem título definitivo, e prepara seu décimo segundo romance, entre vinte e um livros já editados. Atualmente, vive no Rio de Janeiro com sua esposa, a escritora Eduarda Zandron. Site do autor: http://www.moacirclopes.com.br/ Site do agente literário do autor: http://www.andreydoamaral.com/
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JEAN ROBERTO – Achei fantástico o romance Por aqui não passaram rebanhos. Li e me defrontei com assuntos como o existencialismo humano e eternidade. Esse romance poderia ser considerado de cunho filosófico? Se sim, ainda há espaço para filosofia na literatura nos dias de hoje?
MOACIR C. LOPES – Toda obra literária possui cunho filosófico, a partir da idéia a ser desenvolvida. A própria trama já é sua mensagem filosófica, sem a necessidade de o autor praticar no texto ilações filosóficas, o que é desaconselhável, mas sim deixar que os personagens vivenciem a idéia que ele quer transmitir. Há, lógico, o romance de idéias, à semelhança de O admirável mundo novo, de Aldoux Huxley, ou o de acusação de um problema, como Madame Bovary, de Gustave Flaubert, ou romances do absurdo, como O processo, de Franz Kafka. Por aqui não passaram rebanhos é filosófico nesse sentido, porque o personagem central vivencia um problema existencial, principalmente porque ele encontra uma moça, Selene, que está imersa numa eternidade que ele precisa alcançar a fim de a ela unir-se. O problema de haver ou não espaço para filosofia na literatura nos dias de hoje, dependerá do escritor: o livro é bom ou ruim, essa é a questão central para a literatura.
JEAN ROBERTO – A ressurreição de Conselheiro era esperada pelos conselheiristas, mas quando a ela se refere o senhor sugere que a realidade que levou à rebelião de Canudos continua viva em nosso país. Por quê?
MOACIR C. LOPES – Sim, a ressurreição de Antônio Conselheiro era e ainda é esperada pelos conselheiristas. A realidade que os levou à rebelião continua viva em nosso país. E cada vez mais viva. Eles foram massacrados em Canudos, mas o ideal não pode ser vencido à custa de fuzis e baionetas. E aqueles elementos derrotados em Canudos, que chegaram ao Rio de Janeiro e criaram a primeira favela, são os mesmos infelizes que multiplicaram suas frustrações e hoje estão descendo dos morros para cobrarem a cidadania que nunca usufruíram. Foi essa a idéia que quis transmitir – ou a linha filosófica do livro –, e estou acompanhando essa guerra que vem de Canudos.

GERALDO LIMA – O seu primeiro romance, Maria de cada porto, publicado em 1959, teve ótima recepção, merecendo elogios de escritores ilustres como Jorge Amado, Rachel de Queiroz e do grande crítico Wilson Martins. Naquele momento, como autor estreante, o senhor sentiu o peso da responsabilidade em relação às obras futuras?
MOACIR C. LOPES – Realmente, foi grande a repercussão à saída do meu Maria de cada porto. Senti o peso da responsabilidade, principalmente porque eu pretendia seguir uma carreira literária, e teria que escolher da melhor maneira os temas de meus futuros romances. Para poder estrear com algum acerto, reescrevi esse romance mais de seis vezes, até que consegui um estilo próprio. Sua pergunta é bem procedente, porque há incontáveis casos de escritores que jogam tudo no seu primeiro livro e os posteriores vão carecer desse valor inicial. No meu caso, embora explorando o tema de mar na maioria de meus romances, tenho procurado variar de linguagem. Exemplo, existe grande diferença entre Maria de cada porto e A ostra e o vento, entre Belona, latitude noite e Por aqui não passaram rebanhos, sem levar em conta os dois romances de cunho histórico, que, já em si mesmos, exigem uma linguagem inteiramente diferente dos demais de pura criação.
GERALDO LIMA – O senhor acompanha a produção dos novos autores ou se mantém distante do frenesi da cena literária contemporânea?
MOACIR C. LOPES – Tenho acompanhado, na medida do possível, a produção de novos autores, porque são a continuação da literatura brasileira, trazem novas posturas, novas linguagens, mas não tanto quanto necessário, mesmo porque em cada estado brasileiro existe um tipo de efervescência de renovação de linguagem que, infelizmente, não tem cobertura da mídia literária nacional, e a maioria se perde como escritores regionais, o que é lamentável.

CLAUDIO PARREIRA – O senhor conviveu com diversos autores importantes do século XX, como Jorge Amado, Câmara Cascudo e Campos de Carvalho. Qual ou quais autores destacaria no painel da literatura contemporânea?
MOACIR C. LOPES – Sim, nestes 50 anos, convivi com a maioria dos grandes escritores brasileiros, como os que você citou, Jorge Amado, Luís da Câmara Cascudo e Campos de Carvalho, com os quais mantive vínculos de amizade. Destacaria também Dalcídio Jurandir, José J. Veiga, Octávio de Faria, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Lúcio Cardoso, Amando Fontes, Cornélio Pena, João Guimarães Rosa e, acima de todos, Graciliano Ramos, que considero o mais importante escritor brasileiro.
CLAUDIO PARREIRA – Como está o seu mais novo romance, a ser lançado agora em 2010? Pode nos adiantar alguma coisa?
MOACIR C. LOPES – Meu novo romance talvez nem seja editado em 2010, porque este ano será reeditado meu terceiro romance, Cais, saudade em pedra. Nem título definido tenho ainda, e já escrevi seis versões, em busca de uma linguagem a ele apropriada, porque o tema está exigindo esse rigor. Nele eu mergulho no tema do amor universal, eterno, trágico, insiro a parte trágica dos grandes amantes. Transcorre num barco supostamente fantasma, com um pequeno grupo de pessoas a bordo. Além desse romance, tenho ainda inéditas minhas memórias, já escritas mas sem título definitivo, que serão lançadas em dois volumes, não sei ainda em que ano.

MAURO SIQUEIRA – É por hábito, por vezes didático mesmo, de compartimentalizar [demorei uns 20s para escrever essa palavra] os diversos períodos da nossa literatura. Tomando isto por base, com que outras obras a sua, ao longo da nossa historiografia, dialoga?
MOACIR C. LOPES – Sou contra a compartimentalização (também me foi difícil escrever essa palavra) dos diversos períodos de nossa literatura. É ainda comum estabelecer-se a geração de 30, a geração de 45, a geração de 60, mas em relação à poesia, com exceção da geração de 30, que deu alguns dos nossos maiores romancistas, a moderna, a pós-moderna. Creio que essas fórmulas são para engessar o escritor e sua obra, quando a literatura é muito mais ampla, mais universal. Acho que minha obra não dialoga com nenhuma corrente literária. Quando muito, poderá haver alguma parecença com escritores que exploram o tema do mar, o que são muito poucos. Em termos de linguagem, não vejo semelhança.
MAURO SIQUEIRA – Quem é o leitor Moacir C. Lopes? O que lê e indica?
MOACIR C. LOPES – Tenho sido um bom leitor durante a vida inteira, até aqui. Tenho lido por prazer estético e por aprendizagem literária. São inúmeros os mestres da literatura brasileira e universal, cada um com sua marca registrada. Não aconselharia este ou aquele, a não ser aquelas obras de leitura indispensável, como Divina Comédia, Dom Quixote, As mil e uma noites, Shakespeare, Dostoievski, Leon Tolstoi, Balzac, Gustave Flaubert, Victor Hugo. No Brasil, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa.

RODRIGO NOVAES DE ALMEIDA – Quais foram os livros e autores que mais o influenciaram?
MOACIR C. LOPES – Não posso apontar um ou mais autores que mais me influenciaram, mesmo porque o tema mais abrangente de minha obra, a literatura do mar, não recebeu influência de nenhum autor, nem mesmo de Joseph Conrad, o maior escritor desse tema. Citaria Graciliano Ramos como o autor que mais me cativou pelo seu estilo, sua visão do mundo, sua linguagem literária, sua técnica de manobrar a língua portuguesa, no uso de parágrafos e diálogos. Há outros autores que me ajudaram a formar meu estilo, dentre eles destacaria Dostoievski, Gustave Flaubert, Victor Hugo, Guy de Maupassant. E existem obras isoladas que mais me tocaram, como leitor, e que eu gostaria de ter escrito, sendo, em primeiro lugar, Dom Quixote, de Cervantes, seguido de Morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë, Iracema, de José de Alencar, Sinfonia Pastoral, de André Gude, Fausto, de Goethe, O velho o mar, de Ernest Hemingway, Moby Dick, de Herman Melville, vários contos de Jorge Luís Borges e poucas outras obras.
RODRIGO NOVAES DE ALMEIDA – Cinco décadas de fazer literário; como o senhor vê os caminhos e os percalços de um escritor em nosso país?
MOACIR C. LOPES – São os mais árduos os percalços de um escritor em nosso país. Seu ofício é quase obra missionária, porque é e sempre foi escasso o número de leitores para consumir nossa literatura. Machado de Assis, por exemplo, editava seus livros em média de 100 exemplares, porque a população brasileira era analfabeta na maioria e as elites intelectuais liam escritores franceses. Hoje, mais de cem anos passados, as tiragens de livros são ridículas em relação a outros países. Alegam ser caro o livro, o que é meia verdade, porque tem quase o valor de um cd ou dvd, que é amplamente consumido pelas camadas mais pobres. É, sim, falta de densidade cultural, falta de apoio governamental para os bens culturais mais nobres e, principalmente, a descrença dos valores mais autênticos e permanentes da nossa cultura e de seus porta-vozes.

ROGERS SILVA – A literatura no Brasil vale mesmo a pena? Em algum momento já pensou em desistir de ser escritor? Que dicas o senhor dá aos escritores iniciantes a fim de se frustrarem menos com essa tão desprezada arte pela população brasileira?
MOACIR C. LOPES – A literatura vale a pena. O escritor é o mais fidedigno repositório e retransmissor da cultura de seu povo, porque não está sujeito a injunções políticas e sociais, mas é o crítico de sua sociedade. Conheço todas as agruras da vida dos escritores brasileiros, mas jamais pensei em desistir dessa missão. As dicas que poderia transmitir aos novos escritores é que esqueçam as glórias imediatas, usem a literatura como a via de realizar-se como ser humano acima das mesquinharias da vida comum, sem esperar galardões ou pagamento por seu sacrifício.
ROGERS SILVA – Percebo que o senhor leva muito a sério a sua “profissão” de escritor. Possui um site bonito, com bom conteúdo, e – entre outras coisas – um agente literário, o que denota certo profissionalismo. Profissionalizar-se é necessário para um escritor? Para o senhor, este é um fator determinante para o sucesso de um escritor em detrimento do outro, que encara a literatura (em seu sentido amplo) com mais amadorismo?
MOACIR C. LOPES – Sim, levo muito a sério a minha profissão de escritor. Só recentemente resolvi manter um site, e mais recentemente achei por bem nomear um Agente Literário, confiando no colega escritor e professor Andrey do Amaral. A figura do agente literário é quase obrigatória em vários países, em que o mercado editorial é mais amplo que no Brasil, mas mesmo entre nós está se firmando como figura quase indispensável para o encaminhamento da carreira do escritor, mais tradicional ou mais novo, até estreante, no sentido de o defender junto a editoras e à mídia literária, livrando o autor de contatos mais diretos, para que se dedique mais ao fazer literário.

OS COLUNISTAS D’O BULE – O que o senhor achou da adaptação de A Ostra e o Vento de Walter Lima Jr? Se fosse o diretor, faria algo de diferente? Qual foi a sua sensação ao assisti-lo? Em quais aspectos o escritor ganha com uma adaptação de uma obra sua? E em que ele perde?
MOACIR C. LOPES – Achei muito bonito o filme. Gostei com algumas restrições da adaptação do meu romance A ostra e o vento, mesmo porque muita coisa da linguagem literária não poderia ser transformada em linguagem cinematográfica, como, por exemplo, o fluxo de consciência, monólogos e diálogos, e, principalmente, a presença de um personagem, o Saulo, que não existe fisicamente, mas convive e dialoga com a personagem feminina, Marcela. A adaptação de uma obra literária para o cinema sempre contribui de alguma forma para a maior difusão do livro.
OS COLUNISTAS D’O BULE – Como foi a experiência de ser marinheiro e escritor ao mesmo tempo? Não houve discriminação por parte dos colegas? Gostaria que o senhor falasse um pouco da relação do mar com a literatura... Podemos dizer que ele é um personagem na sua obra literária? Em qual das suas obras a sua experiência de vida como marinheiro se faz mais presente?
MOACIR C. LOPES – O problema é que não nasci marinheiro. Servi à Marinha do Brasil por 8 anos, durante a Segunda Guerra Mundial, quando fiquei esse tempo todo viajando, e desliguei-me, reiniciando a vida civil. Mas a tendência a me tornar escritor vem de mais longe. Realmente, houve alguma discriminação de colegas. Essas viagens me fizeram ver e sentir o mar como uma personagem real. Em meus primeiros dois romances, Maria de cada porto e Cais, saudade em pedra, joguei a maior carga de autobiografia, dividindo-me em vários personagens.

No mais, muitíssimo obrigado ao autor Moacir C. Lopes pela entrevista concedida ao BULE. Uma honra!