16 de jan. de 2010

Hippies & happies, talvez yuppies

Por Mauro Siqueira

“Se mais nada der certo, eu...” era tudo que eu conseguia ler nas grandes letras brancas da t-shirt tye-dye multicolorida que ela estava vestindo. O balanço, o ritmo em que estávamos também dificultavam a leitura.
“Espera, espera...”, fui falando e esticando a sua blusa, para que eu pudesse ler.
“Que foi? Tô te machucando? “Não. Se mais nada der certo, eu viro hippie.” “Ah, caralho! Você me fez parar de fudê por causa da minha camiseta?! Puta que me pariu!” Marcela está irritada.
Sem cerimônia “saiu-se” de mim de maneira que me subiu dos ovos aos rins, deixasse bem clara a besteira que fizera; não adiantou tentar segurá-la pelos quadris, seguiu muito puta, apenas com a camiseta-conflito, que não cobria nem mesmo a metade daquela bunda enorme, com a convicção de uma perfídia, corredor à fora; ela já estava entrando no banheiro, quando catou um dos meu cinzeiros e quase me acertou, ao mesmo tempo que enchia a boca de um você-é-um-filho-da-puta-! tão grave e enfurecido que chegou até a me excitar... Eu só pude me proteger e esperar que errasse – o limite entre a sorte e os pontos cirúrgicos ficou em três centímetros. Bateu a porta com igual violência. O que eu podia fazer se sou curioso? Depois, as mulheres dizem que não reparamos nas roupas delas... Fiquei um tempo, com os braços cruzados sob a nuca aguardando, olhando a preguiça do meu ventilador de teto. Enquanto que entre as minhas pernas o desejo amolecia – por quanto tempo eu ainda teria de esperar? Aquilo ficava ridículo. Gritei o nome de Marcela. “Vai tomar no cu!, Márcio!”. Sempre objetiva, a minha marcela – deve ser influência da pós em contabilidade.
Levantei e acendi um cigarro, segui para a varanda completamente nu... Moro, moramos, sei lá, Marcela passa bastante tempo aqui... Moro num desses sobrados velhos do Centro da cidade e que mereciam um restauro, é até perigoso ficar muito tempo na minha varanda, que não cabe mais do que duas pessoas. Mesmo assim me debrucei sobre a balaustrada de ferro carcomida de ferrugem e fiquei os minutos que cabem no meu cigarro e... curtindo o gosto sofrível dos mentolados de Marcela. Olhando o nada da madrugada, confundindo suas estrelas opacas com as luzes dos pontos mais altos dos morros; na minha frente e lá embaixo, alguns bêbados e vadios, o som dos sacos de lixo sendo rasgados: vasilhames, folhas de alumínio, cacos de vidro, vegetais e alguma proteína animal, pets e outros polipropilenos enchendo o chão antes dos garis passarem, pequenos traficantes&seus clientes; as putas&seus clientes ganhando o máximo antes d’ozômi passarem – os policiais&seus clientes... Eu amo a minha cidade! O cigarro acabava – nem mesmo quatro minutos –, e a Marcela começava a me irritar com aquela peça; meu interesse esvaído e agora tímido, a se desviar para algum possível filme na tevê àquela hora, ou... sei lá, palavras cruzadas ou algum livro da garota que escreve como homem.
Bati, de leve, três vezes, na porta. Nada. encostei o meu rosto e falei seu nome baixinho: “Marcelinha...”... Nada. “Marcela...”, mais uma vez (arranhei uma manchinha de tinta da porta: ela descascou).
Estava irredutível. Até podia vê-la pela porta, sentada sobre a tampa do vaso; curvada para frente, mãos entre as pernas, pés meio que virados para dentro, o esmalte colorido, um rosa antigo talvez, descascando; fumando um dos meus cigarros, os dela são sofríveis. Ainda enfurecida, soltando, literalmente, fumaça pelas ventas e sujando o piso azulejado e quadriculado de cinzas. Era quase uma foto daquele francês de nome de relógio, mas eu não sei se levou algum dos meus cigarros com ela. Era uma cena bonita p’ra cacete, pra ser filmada por aquele canadense estranho e Marcela era linda; uma cena sincera e rica, mas a minha velha Nikon-f ainda não tem lentes de raio-x para poder registrar tudo aquilo pela porta.
“Porra, Marcela, não foi por querer!, foi curiosidade. Sai logo daí, anda...”
“...”
“Vem, volta... ...eu deixo você me bater...”
“...!”
O som do trinco, a porta agora destrancada.
“...?”
“Vem...”
O desejo voltando como nunca tivesse ido. A camisa ainda não cobrindo nada.
“Como assim hippie?” Disse ela recomeçando tudo de novo.
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