Por Sinvaldo
Júnior e Allyne Fiorentino
E se fizéssemos um experimento “ousado”, digamos assim, e fôssemos ao máximo possível de eventos literários em um ano (bienais, festas, feiras)? Você, versado e conhecedor da verdadeira literatura, teria estômago para isso? Pois é... Nós também não tivemos. Restringimos a dois então, e foi mais do que suficiente. É isso. Estamos cansados precisamos falar sobre essa coisa que se mascara de literatura, mas que está mais para aventuras do cidadão “descontruíde” em terras de lobos.
Iniciando pela passada de olho na
programação dos grandes eventos literários, dali mesmo a gente tem de decidir
se vai encarar as mesmas figurinhas carimbadas, os mesmos escritores, os mesmos
assuntos, os mesmos discursos maçantes e massacrantes, produzidos para uma
classe média intelectual (será?) e progressista, totalmente alienada da
realidade.
Sem falar na categoria “escritor(a)”
(escritore?) que passou a designar toda e qualquer pessoa ligada a algum
segmento da cultura ainda que jamais tenha escrito, agora todos são escritores!
Desde os que não conhecem literatura aos que nunca escreveram uma linha de
literatura, mas surgem como as atrações principais de um evento literário. Se
convidassem o ChatGPT como escritor nato, com certeza seria mais plausível. Em geral, tudo
gira em torno do culto à personalidade, à pessoa, à imagem que NADA tem a ver
com literatura. Trata-se de eventos com um público que, em hipótese alguma, pode ser
contrariado em suas crenças (pretensamente boas para o outro).
Um dos maiores eventos brasileiros de literatura, neste ano, tinha como mote a igualdade de raça e gênero, apresentando como
justificativa (como propaganda) as figuras da Djamila Ribeiro e Bruna Lombardi.
A primeira, ainda que filósofa, negra e mulher, nunca escreveu uma linha de
literatura (aquilo que entendemos como arte literária) e nem estamos fazendo,
ainda, juízo de valor acerca daquilo que ela escreve, mas pura e simplesmente
dizendo que isso não é arte literária; a segunda, não precisamos analisar
muito: privilegiadíssima em todos os sentidos, tanto por ser uma figura
midiática, oriunda de outros ramos (modelo, atriz, apresentadora), quanto por
ser uma mulher branca, lindíssima, oriunda de classe social alta. Nem de longe podemos traçar o
cheiro do rastro da sombra do seu envolvimento com literatura...
Certo, o mercado está usando a
lógica do mercado, usando figuras famosas para atrair público. Mas que público? (Não esqueçamos que o mercado editorial brasileiro, nas últimas duas décadas, diminuiu 44%). Em tempos idos, o público desse tipo de evento era, em geral, conhecido por seu
senso crítico, mas se hoje nem nós, que estamos muito mais para amantes de boa
literatura do que para críticos, não conseguimos sequer frequentar uma feira
sem ter vontade de ir embora rapidamente, imaginem, então, os grandes pesquisadores, os
grandes críticos, os grandes escritores... Mas nosso ponto não é puxar saco da academia, que também (já) criticamos, mas questionar se você realmente acredita que esse
tipo de ação causa alguma transformação na sociedade brasileira. É uma pergunta
sincera, porque estamos sacrificando talentos que talvez estejam escondidos em
prol de uma onda de literatura PANFLETÁRIA. Sim, literatura que serve a um
propósito específico e, em geral, sem qualidade. Tudo aquilo que negamos enquanto
arte.
Será que seguir a nova onda do
mercado, sem contrariá-lo minimamente, é profícuo? Um mercado que se apropria
de tudo quanto é pauta para transformá-lo em produto. Em produto sem muita
utilidade. Em um produto que existe, simplesmente, para estimular o consumo e,
logo depois, ser descartado. O cidadão (digo, o cliente) serve apenas para
consumir o que o mercado quer que ele consuma. Quer uma prova? Quantos livros
você conhece que critica a forma como a nossa sociedade anda tratando a
“igualdade” e o “gênero”, um livro que vá de encontro àquilo que os
editores esperam vender como politicamente correto, sem se adequar a nenhuma
das caixinhas dos sub-representados?
E eis que chegamos a um tópico que a
direita adora criticar (quem não tem um tio ou tia que fala sobre a Lei Rouanet
como roubo de dinheiro, não é mesmo?). A questão é que sempre vamos defender o uso
de dinheiro público para promoção de cultura, claro, pois é isso que mantém a
arte viva e as pessoas mais humanas e inteligentes. Entretanto, como bons
críticos que somos, jamais defenderíamos algo apenas por ser de esquerda ou
apenas por negar o polo oposto.
O que se nota é que boa parte dos
eventos literários é financiado ou recebe dinheiro público, fruto de impostos
de toda a população. Dinheiro que serve para promover meia dúzia de escritores
(figurinhas carimbadas) de grandes editoras, com condições suficientes para promover, sem dinheiro público, seus próprios autores e obras. São falsas
vítimas da sociedade que estão conquistando privilégios reais. Parece leviano e
até acusatório, mas é preciso sair dessa onda "paz e amor" que aceita tudo sem
questionar.
A conversa é polêmica e exige muito
mais tempo e espaço, mas esta é só a primeira da série #Malagueta sobre esse
assunto espinhoso. Nós volta(re)mos porque preferimos discussões acaloradas a
discussão alguma... Preferimos pensar por nós mesmos do que esperar que o
mercado pense por nós. Preferimos trazer à luz nossos incômodos e testar se
eles são, em algum momento, também o incômodo de tanto outros... Malagueta
arde, mas faz bem ao coração. Não deixe de acompanhar os próximos textos e
autores que contribuirão para essa conversa que apenas iniciamos.